“Jantar no Ramalhete”, o menu de alunos da Escola de Comércio de Lisboa é uma ode a “Os Maias”

Maria Monforte, João da Ega, Maria Eduarda da Maia, Carlos da Maia, Afonso da Maia e Pedro da Maia. Os protagonistas da obra-prima de Eça de Queirós foram interpretados num desfile de pratos, em que as texturas e os sabores representavam as características de cada um. 

Alunos do 2.º ano dos cursos de dos cursos de Actividades de Cozinha e Pastelaria e de Actividades de Restaurante e Bar


“Reanimar a Literatura”. O nome do projecto é um desafio direccionado aos alunos da Escola de Comércio de Lisboa. O objectivo consiste na recuperação do gosto pela leitura. O objecto eleito foi a obra mais emblemática do escritor português, Eça de Queirós, “Os Maias”. “Foi trabalhoso para todos nós, uma abordagem diária exaustiva”, revela Isabel Tendeiro, Professora de Português e docente na Escola de Comércio de Lisboa desde Novembro de 2021, referindo-se ao exercício realizado por todos os discentes do 2.º ano deste estabelecimento de ensino profissional.


No entanto, o destaque, aqui, vai para os os cursos de Actividades de Cozinha e Pastelaria e de Actividades de Restaurante e Bar. “Os alunos começaram a trabalhar nesta obra em Janeiro deste ano. Percorremos os 18 capítulos até 28 de Fevereiro”, véspera do início de estágio. Quando regressaram, “pegámos nesta parte mais prática”, no sentido de enfatizar a criatividade de cada um, exercício que resultou num exímio trabalho de equipa. 

Sem pôr de parte o contexto da gastronomia, intrinsecamente associada à obra literária queirosiana, os alunos decidiram criar um menu de seis momentos, em que cada prato representasse as características físicas e psicológicas dos protagonistas d’ “Os Maias”. “Foi um trabalho estimulante da parte de todos”, reforça Isabel Tendeiro, um desafio articulado com o Luís Castelo, docente da Escola de Comércio de Lisboa e chef de cozinha, que apoiou os alunos dos referidos cursos, ajudando-os a materializar o “Jantar no Ramalhete”


{“Foi um trabalho estimulante da parte de todos” Isabel Tendeiro}



Ao longo do desfile de pratos, coube aos alunos, um a um, a descrição de cada momento “interpretado” pelos personagens principais d’ “Os Maias” e a apresentação do respectivo vinho, com a devida justificação no que à harmonização diz respeito.


O guião gastronómico e o alinhamento vínico

Os alunos em acção na cozinha do restaurante da Escola de Comércio de Lisboa


O jantar literário começou com Maria Monforte. O croquete de legumes assados com maionese de manjericão e lima, representa, de acordo com a abordagem dos discentes, o egocentrismo desta mulher excêntrica aos olhos da sociedade. A cor maionese interpreta a sua pele pálida, o sabor dominante do manjericão incide na sua manifesta necessidade de se sentir superior, enquanto “a lima revela o lado mais amargo da personagem”

O tártaro de atum simboliza o estado naturalmente provocador de João da Ega


A entrada triunfal é protagonizada por João da Ega. Representado por tártaro de atum, tem na sua crueza a provocação intrínseca desta personagem, mas “também alguma frustração pelo su falhanço pessoal e profissional”. Paralelamente, denota o seu lado romântico e a facilidade com que se deixa partilhar.

O creme da beterraba, cor da paixão de Maria Eduarda da Maia


Creme de beterraba com ovo escalfado é uma ode a Maria Eduarda da Maia. A filha de Pedro da Maia e Maria Monforte é representada por um creme de cor avermelhada, símbolo da paixão desta mulher alta, elegante e delicada, atributo associada ao ovo escalfado, cuja clara tem em si o tom da sua pele e a gema o reflexo dos seus cabelos louros. 

Carlos da Maia e a raia à lagareiro


Raia à lagareiro, prato principal de peixe, criado para interpretar Carlos da Maia. “Apesar dos seus desgostos amorosos e profissionais, Carlos viaja muito e, depois de várias temporadas, acaba sempre por voltar onde pertence, a Portugal.” Segundo os alunos do 2.º ano dos cursos de Actividades de Cozinha e Pastelaria e de Actividades de Restaurante e Bar, “o azeite reforça o sabor característico deste peixe. O alho destaca a pessoa amarga e sem sentido na vida em que se tornou Carlos, após o fracasso amoroso com Maria Eduarda”.

As raízes beirãs de Carlos da Maia estão retratadas neste prato


A Carlos da Maia foi atribuído o segundo prato principal, o de carne: borrego assado no forno com arroz de cogumelos. Figura associada aos princípios e valores tradicionais impostos pela sociedade, tem, por sua vez, no borrego e nos cogumelos a relação com as raízes beirãs da sua família.

O pudim de ovos criado em homenagem e Pedro da Maia


“Frágil e delicado”. Eis os adjectivos eleitos pelos responsáveis pelo “Jantar no Ramalhete”, para descrever a personalidade de Pedro da Maia, “enquanto homem inconstante, alheado do mundo que o rodeira, incapaz de enfrentar os problemas, nomeadamente a traição da mulher”, Maria Monforte. Estão, assim, reunidos os ingredientes para confeccionar o pudim de ovos atribuído a este homem “profundamente marcado por uma religiosidade exacerbada”.

Os vinhos da Fundação Eça de Queiroz marcaram presença em momentos deste “Jantar no Ramalhete”. São feitos a partir de uvas vindimadas na sub-região de Baião, na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, já na fronteira com o Douro e, por conseguinte, com vista para o rio predominante desta paisagem vinhateira. Com a Avesso como casta rainha, tem ainda a Arinto na lista das mais inebriantes – no bom sentido, diga-se – variedades de uva colhidas, para os lotes dos brancos da referência Tormes, elaborados em parceria com a vizinha Quinta da Covela.

Cada momento foi devidamente explicado pelos discentes dos dois cursos


Fundada em 1963, a Adega Ponte da Barca e Arcos de Valdevez também partilhou os seus vinhos no momento certo deste jantar. O epicentro está na Região dos Vinhos Verdes e fez-se representar por uma das castas mais emblemáticas, a Loureiro. Reúne aproximadamente mil associados e cerca de outro tanto em hectares de área de vinha plantada em solos graníticos, que conferem a acidez e a frescura, sem descurar das notas frutadas, aos vinhos brancos.


{“É com muita emoção que chegamos à noite de hoje e por reconhecimento destes alunos, que nem sequer são finalistas, estão a meio do curso e estão todos de parabéns!” Luís Castelo}

De Bucelas, freguesia de Loures, região demarcada pertencente ao território vitivinícola dos Vinhos de Lisboa e a única do país, em que o vinho de Denominação de Origem Bucelas é elaborado a partir de uma casta branca, a Arinto. Vasco Pereira é um dos exemplos deste terroir, que a partir do seu Monte do Roseiral, mostra quanto valem os vinhos desta terra, cujo nome é tratado com subtileza em “Os Maias”.

Luís Castelo, chef de cozinha e Professor na Escola de Comércio de Lisboa


O “Jantar no Ramalhete” teve lugar no dia 29 de Junho, no restaurante da Escola de Comércio de Lisboa, contou com a presença de Rita Marques, Secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Diogo Moura, Vereador da Educação e da Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, Afonso Reis Cabral, Presidente da Fundação Eça de Queirós; bem como Carlos Reis e Teresa Calçada, representantes do Plano Nacional de Leitura.

O evento terminou com a curta metragem baseada no jantar no Ramalhete, d’ “Os Maias”, realizada e protagonizada por alunos dos cursos de Actividades de Cozinha e Pastelaria e de Actividades de Restaurante e Bar. O filme foi realizado em cerca de uma hora, durante uma das aulas de Luís Castelo. “Foi nesse momento, que lhes disse que tinham de fazer isto para mais pessoas. O desafio foi aceite por eles, pela direcção… toda a gente se envolveu, e este é o output que temos. Eu só os acompanhei. O mérito é todo deles! Só mandámos e-mails e fizemos telefonemas – a Dra. Elisabete [Ferreira] e eu. É com muita emoção que chegamos à noite de hoje e por reconhecimento destes alunos, que nem sequer são finalistas, estão a meio do curso e estão todos de parabéns!”

Acicatado o apetite, fica a pergunta: leu “Os Maias”?


+ Escola de Comércio de Lisboa
© Fotografia: João Pedro Rato

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