…e eu também. E convido-Vos a fazê-lo. Onde? Porto, concretamente: no Espaço Mira, Rua de Miraflor, 159, Campanhã. Conduzidas pela mão de Aya Koretzky, temos até ao dia 23 de Novembro de 2024 para tal.
Uma cortina de alto a baixo e de cor clara separa o interior do edifício logo após ser transposta a porta de entrada, do lugar onde esta obra, vídeo instalação e preparada por Aya Koretzky, permanece, visando precipitar-nos numa atmosfera relativamente escura e ardente. Com curadoria de Raquel Schefer, que assina para companhia desta experiência de imersão um texto implacável, seja pela contextualização autoral, seja pela fortuna crítica, seja pela sensibilidade exímia, “Time Takes a Cigarette” espera, com a música, a luz e a imagem, pela espectadora. E, assim, procurei não faltar a um encontro marcado com a história do punk decorrida na cidade do Porto, através de uma verdadeira dança da percepção ou, como Raquel Schefer lacra no seu texto, e parafraseando Artaud, que “faz dançar corpos e olhares.”
5 écrans, 5 lugares, 5 histórias, 5 actualizações, 5 abismos. Depois de transposta a cortina eis que mergulhamos, com os olhos e com o corpo todo, num espaço utópico desdobrado: aquele que a obra realmente nos exige através de uma posição deambulante; outro da ordem do tempo propriamente dito, já que a sala-caixa onde “Time Takes a Cigarette” se dispõe visa introduzir-nos na ambiência de um clube nocturno, marca identitária onde o punk exemplarmente se manifestou. 5 écrans dispostos no chão em toda a profundidade da sala-caixa, cada um deles com a sobreposição de uma placa de acrílico rosa fosforescente, o que cria um impacto visual, tanto forte, como curiosamente subtil, porque contrasta com o azul da atmosfera presente na sala-caixa. 5 lugares para 5 histórias, ou seja, as partes da cidade em que historicamente se desenvolveu a cultura punk e recordadas através da voz dos seus protagonistas. Mas 5 actualizações, porque em cada lugar com uma história a recordar, são dispostas imagens de pessoas mais jovens.
Aya Koretzky valoriza o chão de onde brota a memória pela imagem que, pelo que se descreve, é intermediada, a imagem, por uma placa de acrílico que vai, como que por artes mágicas, transmutar-se numa película pictórica e, assim: observam-se camadas variáveis e simultâneas – a voz do passado, a história da recordação, a representação da realidade, a desnaturalização do real, a criação efectiva da imagem para a memória. 5 abismos, como se de facto, ao estabelecer um corte em cada um deles, pudéssemos proceder a um trabalho de arqueólogas. A própria perspectiva que se impõe à espectadora em cada um dos 5 écrans – ângulo picado forte, induz essa submersão, pelo que “Time Takes a Cigarette” tem uma espessura accionada sempre que o olhar se esgueira para o “limbo”, palavra que Aya Koretzky também utiliza. Esta espessura que a vídeo instalação revela é, em face de estratégias de aplanamento da fruição que também imperam hoje, um dado de esperança e de resistência.
Até dia 23 deste mês!