O sol há muito se tinha despedido quando a viagem termina num destino improvável, pensarão vocês, mas surpreendente, dizemos nós. Muito surpreendente! Falamos de um país cuja capital atravessa velhas ruas preenchidas por edifícios antigos e mergulha nos braços de muralhas em ruínas. Um património mundial convertido numa ode perfeita à arquitetura e à arte harmonizada com o contemporâneo. Assim é a cidade de Luxemburgo, no Grão-ducado homónimo.
Queremos aprender como se diz “olá” em luxemburguês, a língua oficial do Grão-Ducado. Porém, o português anda de boca em boca pelo Luxemburgo, facto que em nada surpreende, como se sabe. Logo, a comunicação não é uma entrave. Que o diga Marco, o guia desta pequena viagem pela sua nação, dotado de uma enorme boa disposição e que aprendeu a língua de Camões junto da nossa comunidade radicada na cidade.
Comecemos pelas ruas do coração do Luxemburgo que, este ano de 2014, celebram os 20 anos de Património Mundial da Unesco , a par com as estruturas poderosas da fortaleza, que mergulha em vales profundos, envolve, intermitente, a capital, cravejada por socalcos traçados pela erosão, e a reparte entre Ville Haute e Grund. Na alta, a linha estética dos edifícios e monumentos históricos prolonga-se pelas ruas, com o Palácio do Grão-duque, de estilo renascentista, o cartão de visita da cidade, de portas abertas no verão (julho e agosto de 2014), à beira de uma via pedonal que acolhe, do lado oposto, uma casa de chocolates… Já lá vamos.
O património arquitetónico visto da janela do quarto / As juras de amor na “mais bela varanda da Europa” / O Património Mundial distinguido pela UNESCO / A Catedral de Notre-Dame do Luxemburgo
Não deixem de passar pela Catedral de Notre-Dame, outrora uma igreja jesuíta e um modelo distinto da arquitetura gótica na capital a apreciar, nem pela emblemática Place Guillaume II, cuja estátua equestre converte-se numa homenagem ao Grão-duque do Luxemburgo, e onde o mercado mais colorido da cidade compõe o cenário, graças à paleta dos produtos hortícolas que cobrem o chão; e a belíssima Place d’Armes, que convida a fazer uma pausa na esplanada de um dos muitos cafés que a rodeiam ou eleger uma mesa para o repasto.
A mais bela varanda da Europa
Uma cidade de contrastes com um valor arquitetónico ímpar
O roteiro percorre as ruelas que passam por baixo de prédios seculares. Adiante um miradouro envolto num nevoeiro que teima em não arredar pé. Lá em baixo, o rio Pétrusse passeia com uma calma moderada ao longo do leito encimado por um casario típico, de pequena estatura, rematado por telhados de ardósia. Lá em baixo, a paisagem pontilhada de verde desvenda pequenos jardins e uma horta cuja manutenção está nas mãos do Museu Nacional de História Natural, assim como as pontes e os viadutos que unem os promontórios. Estamos na Corniche do Luxemburgo, “a mais bela varanda da Europa” do escritor luxemburguês Batty Weber, o qual segue caminho numa via sinuosa entremuros e paredes rochosas de onde sobressaem casas estreitas, de traço gracioso.
Chegamos à beira do rio, a pé, claro, até porque vale bem a pena o esforço. Aqui, o antigo bairro de artesãos dá lugar a pubs e cafés, espaços confinados à boémia dos luxemburgueses e não só, pois os turistas e os viajantes são bem-vindos.
Subimos. Desta vez pelo elevador que nos transporta “à superfície”, ao campus de justiça que desfruta de uma vista privilegiada sobre a cidads envolta num nevoeiro que lhe confere um cenário idílico, misterioso…
Um património a defender
A pequena capital do Luxemburgo prima pela história, pela arte e pela arquitetura numa permanente encruzilhada entre o passado e o presente, entre o antigo e o contemporâneo. Iniciemos este percurso no Museu de História da Cidade de Luxemburgo, no coração da parte mais antiga da cidade. Composto por quatro edifícios históricos datados dos séculos XVII , XVIII e XIX, num casamento perfeito entre a adaptação da arquitetura secular com o perfil da modernidade, assinada pelo arquiteto Conny Lentz. No interior, o elevador panorâmico, que percorre o museu, de alto a baixo, dando honras de sala de estar, percorre os cerca de mil anos da história deste país em escassos minutos. No piso 0, com entrada na rue Saint-Esprit, encontra a exposição Shop, Shop, o convite a uma viagem através da história do comércio Luxemburgo, mas só até 31 de março de 2014.
O pequeno burgo em exposição no Museu da História da Cidade do Luxemburgo
Nas “profundezas”, com as paredes rochosas, resultado das escavações na encosta do vale Grund, a servir de pano de fundo, dá-se início ao passado deste Grão-ducado, onde se conta a lenda da paixão de um aristocrata por uma ninfa e a história do conde Siegfried que, em 963, mandou erguer a fortaleza no promontório de Bock, onde nasce este pequeno burgo tão cobiçado ao longo dos séculos.
Passado e presente com os olhos no futuro
MUDAM, o Museu de Arte Moderna Grão-duque Jean assinado arquiteto I. M. Pei
Passemos ao bairro europeu de Kirchberg, que apresenta um cenário futurista, de avenidas largas, habitado por grandes edifícios de aço e vidro e onde existe o primeiro centro comercial do Luxemburgo, cujo acesso é feito de carro ou transportes públicos; e acolhe várias instituições da União Europeia – não nos esqueçamos que, juntamente com Bruxelas e Estrasburgo, o Luxemburgo é uma das três principais cidades fundadoras da UE. Do lado oposto ao Teatro Nacional está a escultura erguida em homenagem a Robert Shüman, o fundador da Comunidade Europeia. Testemunhos de uma contemporaneidade que se estende às fortalezas existentes nesta parte da cidade, como o Museu de Arte Moderna Grão-duque Jean, o MUDAM , concebido pelo arquiteto norte-americado Ieoh Ming Pei cuja planta respeita o traço do antigo forte Thüngen, apresentado sob a forma de um diamante. Uma verdadeira jóia da arte contemporânea, de linhas depuradas e irradiado de entradas de luz, atenta às tendências artísticas, com ateliers reservados para artistas convidados para expor e/ou criar peças. De momento estão patentes várias exposições que merecem ser visitadas. Antes de sair, aproveite para saborear as iguarias do cafetaria do museu sob a instalação assinada pela dupla Ronan et Erwan Bouroullec (2006). Do lado oposto, está o Musée Dräi Eechelen com uma mostra permanente da história da fortaleza e da identidade dos luxemburgueses.
As cores e as criações artísticas do parque que acolhe o MUDAM e o Musée Draï Eechelen
Pelo meio, um parque verde de generosas árvores conferem os tons dourados do inverno, convidando a um passeio a pé. Vale a pena.
Na hora do repasto
Frango em massa folhada com pasta, especialidade das Caves Gourmands / Creme de cenoura com crème fraîche, no Le Place d’Armes / Uma tentação de chocolate da Chocolat House / Aperitivos à portuguesa no Lisboa II
Após um longo passeio versado no tempo, chega a vez do roteiro gastronómico. Para divertir o palato, iniciamos esta viagem nas Caves Gourmandes, uma antiga reserva de sal convertida num restaurante de renome no Ilot Gastronomique, sita na rue de l’Eau, um prédio datado de 1792 e transformado numa espécie de centro gastronómico, onde o tradicional e o moderno se reencontram à mesa. No registo fica o Crémant, o espumante do Luxemburgo proveniente da região vinícola de Moselle, no sul, e uma cozinha generosa, para quem aprecia a grandeza no prato.
Aos gourmets, a recomendação recai no restaurante Le Place d’Armes, de portas abertas para a praça com o mesmo nome. O ambiente é requintado e a cozinha de autor merece distinção, sem esquecer as sobremesas, que em nada escapam ao olhar atrevido dos mais cépticos. Estamos no Hotel Le Place d’Armes, um Relais & Châteaux versado na elegância, revelando-se um pequeno labirinto que percorre um conjunto de edifícios antigos da velha cidade.
E que tal uma experiência sensorial tão conhecida entre nós? Afinal, estamos no Luxemburgo, onde a comunidade portuguesa sobressai nas estatísticas. Portanto, nada melhor que matar as saudades da cozinha portuguesa no restaurante Lisboa II, no n.º 90 da Dernier Sol, com o leitão à Bairrada a demarcar a especialidade e houve quem considerasse a francesinha da casa a melhor do mundo. Surpreendidos?
De volta à rua, com o Palácio Grão-ducal nas nossas costas, entramos na Chocolate House, uma das mais antigas do Luxemburgo. Um verdadeiro paraíso para os viciados em chocolate, pois variedade não falta neste espaço cosy e, por isso, bastante convidativo para passar uma tarde com conversas soltas acompanhadas de um chocolate quente que tão bem sabe nos dias de inverno… e não só. Para quem prefere o trendy, aconselhamos o Konrad, na rue do Nord, um café com uma decoração eclética e mestre na comida orgânica. Aos apreciadores de um bom vinho, falamos do Chiggeri, um pouco mais à frente, célebre por ter a maior carta de vinhos do mundo!
Pelas páginas dos contos de fadas
Castelo de Vianden, um cenário habitado por contos de fadas
A exposição “The family of man”, no Castelo de Clerveaux
Porque a história do Luxemburgo é feita de castelos, rumamos a norte, composto por paisagens bucólicas que remetem para os contos de fadas habitados por casas de telhados bicudos rodeadas de árvores abraçadas pelo ar de um inverno que suplica ao mistério.
A primeira visita é feita ao Castelo de Vianden, erguido entre os séculos XI e XIV, a escassos quilómetros da Alemanha. Localizado no Vale do rio Our, esta obra da arquitetura romanesca com traços do estilo gótico, é considerada uma das mais belas residências feudais da Europa.
A próxima paragem é o Castelo de Clerveaux que, além das exposições temporárias, apresenta a famosa mostra de fotografia dos anos 1950′ intitulada “The family of man”, de Edward Steichen, de descendência luxemburguesa, que convidou fotógrafos amadores e profissionais a partilhar os seus trabalhos, com o objetivo de nos consciencializar de nós próprios através de uma linguagem tão universal: a fotografia. Ao todo são 503 fotos de 273 fotógrafos de 68 países, entre os quais estão Henri Cartier-Bresson, August Sander, Dorothea Lange e Robert Capa.
Eis o final feliz de uma viagem surpreendente num país com um património arquitetónico e histórico que vale a pena conhecer! Até breve Luxemburgo. •
+ A Mutante viajou a convite da Easyjet (inauguração do voo para o Luxemburgo) e do Turismo do Luxemburgo
© Fotografia: João Pedro Rato