Durante cinco dias, muitos foram os lisboetas, e não só, que embarcaram numa viagem sem fronteiras pelos sabores de Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Marrocos, EUA, Argentina, Peru e Japão, sem esquecer a dieta mediterrânica. Cada um esteve representado por um chef, à exceção da cozinha norte-americana, que valeu pela dupla invencível. Falamos do Comidas do Mundo que, entre 20 e 24 de fevereiro, encheu o Campo Pequeno, em Lisboa, e deu a provar quão curioso é o público português.
Comecemos por Portugal, servido à mesa por Nuno Bergonse, “motivo de orgulho” para o jovem chef do Ministerium, que considera a nossa cozinha “uma das melhores do mundo”. Como tal, o bacalhau com broa marcou presença no evento gastronómico, assim como as cornetas de alheira com tomate confitado e a bucha de iscas com cebola rocha e vinho do Porto. Para o fim do repasto, ou qualquer momento de doce prazer, ficou a afinidade com a doçaria portuguesa.
Dos EUA, superaram as asas de frango, o deleitoso corn dog, o hambúrguer e o entrecosto, ambos acompanhados por batatas fritas estaladiças. Pratos oriundos do outro lado do Atlântico, onde a chef Marlene Vieira trabalhou e aprendeu, durante dois anos, os truques da gastronomia norte-americana. “Tentámos fazer o mais simples dentro do tradicional americano”, revelou João Sá, o chef do Assinatura, que compôs a dupla carregada de simpatia e rematou o repasto da noite com uma surpresa para os petizes: Marshmallows.
Em direção a sul, na Argentina, Kiko Martins falou sobre o seu percurso na cozinha, o projeto “Comer o mundo” e a escolha para o Comidas do Mundo ter recaído num país cuja cozinha muito tem a ver com o seu restaurante, O Talho, em Lisboa. Do menu, as empanadas, o locro (feijoada à argentina) e o alfajores (biscoitos recheados com doce de leite) fizeram as delícias dos comensais do evento, até porque “não é uma comida muito diferente para o nosso palato”, afirma o chef.
Em voo direto, chegamos a Espanha, país eleito por Luís Baena, que pensou “numa ‘cozinha de fronteira’, onde as migas extremeñas mostraram a sua diferença em relação à alentejanas ou beirãs; o tocinillo del cielo mostrou a semelhança que tem com o nosso Abade de Priscos, sem o toucinho nem o Porto” e onde, com o cauteloso distanciamento da “fronteira raiana, dei a conhecer o pil pil de bacalhau do País Basco, revueltos com espargos e trufa, tarte de Santiago”, o prato mais requisitado durante o evento. Curiosos, foram muitos do público português que, segundo o chef do restaurante Notting Hill Kitchen, em Londres, fizeram inúmeras perguntas sobre a cozinha espanhola, o que se converteu numa “recetividade francamente boa e, para mim, surpreendente”. No fundo, a curiosidade em relação à gastronomia de nuestros hermanos “tem sobretudo a ver com a História de ambos os países e por ser o único país com que fazemos fronteira”, remata.
Chegou a vez de Marrocos. À nossa espera estava o chef Bertílio Gomes que agarrou nesta oportunidade para “aprofundar os meus conhecimentos” e mostrar a afinidade na relação entre os patrimónios português e marroquino. Quanto aos pratos estrela das cinco noites, o chef do Chapitô referiu a tágide de frango com limão e azeitonas e a tágide de borrego com ameixas e amêndoas, duas receitas que testemunham a “semelhança com a nossa gastronomia”. Para fechar, que tal um gelado de flor de laranjeira, outro de rosas e outro de coco?
Rumamos à Alemanha, onde António Alexandre se sente como peixe na água, pois já esteve durante quatro anos e meio naquele país, onde fez um périplo pela cozinha germânica e da qual trouxe os sabores que deu a provar neste evento lisboeta. No menu, com pratos novos todos os dias, constaram entradas, cinco pratos principais, um vegetariano generosamente acompanhado por oito guarnições e seis sobremesas. Sobre os gostos dos de cá, o chef do Lisboa Marriot Hotel enalteceu o contentamento de quem, outrora, esteve na Alemanha, assim como da comunidade alemã que embarcou nesta viagem pelos sabores.
Já no Japão, a conversa esteve de feição com Paulo Morais, que enveredou por “uma escolha natural” ou não fosse o chef do Umai. Afinal, “são 25 anos a trabalhar com a cozinha japonesa” e este evento foi uma forma de mostrar aos amantes da boa comida que a gastronomia nipónica não passa apenas pelo sushi e o sashimi, embora haja comensais mais exigentes.
Aterramos em Itália, onde o corneto de tiramissu e a penna cotta com molho do morango e guarnecida com manjericão fizeram as honras da casa, a juntar aos risottos de choco e gorgonzola e aos carpaccios. Alexandre Silva, chef do Bica do Sapato, lembra que a gastronomia deste país é bastante apreciada pela pequenada, que tanto gosta das massas e da pizzas, além de que foi um desafio à criatividade.
Porque a dieta mediterrânica tem mérito à mesa portuguesa, o chef Vítor Esteves falou da importância dos alimentos que a compõem, na qual o vinho tinto tem um papel preponderante, desde que consumido com moderação, claro! E uma vez que é tão rica e variada, foi pensado um menu para cada dia, o que originou uma lista imensa de pratos mais pedidos, da qual destacamos o arroz doce aromatizado com laranja e amêndoa tostada laminada. Um prodígio para os apreciadores de doces tentações.
Porém, não conseguimos ir até ao Peru, pois Chakall, uma das figuras incontornáveis da gastronomia dentro de portas não estava por lá… Mas eis que, entretanto, o chef argentino fala sobre a sua participação no Comidas do Mundo, sendo da opinião de que “as pessoas que visitaram o evento são curiosas mas, como em todo o mundo, há pessoas que gostam de descobrir novos sabores e outras não”. Em relação à escolha do país, revela que a comida peruana é “maravilhosa” e que o ceviche e o polvo com puré de batata doce foram os pratos mais solicitados do país que representou.
E assim terminou a 1.ª edição de Comidas do Mundo, sobre o qual há notícias de que o conceito será internacionalizado ainda este ano e que a 2.ª edição irá acontecer no Porto. •
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© Fotografia: João Pedro Rato