“O petisco faz parte da nossa cultura” / Chef Vítor Sobral

Defensor acérrimo da da cozinha portuguesa, Vítor Sobral reúne os sabores da nossa terra e de lugares outrora navegados pelos nossos pátrios, para criar os petiscos da Esquina. Para todos.

“A matriz é a cozinha portuguesa”. Eis a frase a reter da conversa com uma das maiores figuras da nossa gastronomia após um repasto na Tasca da Esquina, no bairro lisboeta de Campo de Ourique, composto por petiscos confecionados a preceito e para partilhar, desta vez, com um novo elemento, apreciador da boa comida e com um paladar de poucos vícios, que à chegada prontamente perguntou: “A que horas é o jantar?”

Iniciado com um Quinta de Pinhanços Encruzado branco 2012, do Dão – não contemplado no repasto do petiz, como é de prever –, para acompanhar um queijo de entorna – queijo de ovelha curado amanteigado – no pão e croquetes estaladiços, o jantar continua, depois, com as lulas salteadas com cogumelos e o camarão que se meteu numa alhada da boa! Digamos que este foi o prato preferido do mais novo dos comensais à mesa da Tasca da Esquina, que se encheu de gente num “abrir e fechar de olhos”, a uma terça-feira.

Chega a vez do Flor de Viseu Tradition tinto 2010, também do Dão, e dos fígados de aves de escabeche com pêra, uma mistura de sabores que suscitou a vontade de reproduzir tão deleitoso prato em casa, para amigos, quem sabe… Depois, as moelas fritas com cebolinhas conquistaram, de igual modo, o palato.

Sem mais delongas, passamos para a sobremesa, que prolonga a tradição à mesa, mui apreciada pelo petiz, pois é composta pelos doces sabores de um pudim de Abade de Priscos, das farófias e do creme queimado – o mais apetecido – sem que faltasse a mousse de chocolate, um clássico que faz sempre as delícias aos amantes do chocolate. Tudo com a assinatura da Tasca da Esquina. O porquê do nome tasca? “Porque, como nacionalista que sou, há casas de pasto, tabernas, cervejarias e, sem pretensões chiques, fui direto ao assunto. Assim nasceu a Tasca da Esquina. A verdade é que vai fazer seis anos.

Agora, sim, vamos à conversa sobre o mais recente livro de Vítor Sobral: “Petiscos da Esquina”. Uma compilação de “memórias dos meus petiscos, dos petiscos das equipas das Esquinas”, reforça. Memórias partilhadas por quem muito aprecia a cozinha portuguesa ou não fossem os “petiscos para todos”, frase escrita na badana do livro. Recordações que o levam a viajar pelos sabores de países como Brasil e Angola, nos quais “a matriz é a cozinha portuguesa”. A cozinha de Vítor Sobral que é sua e tão nossa. “Já ando nisto há 30 anos”, pois foi em 1985 quando, com 18 anos, ingressou na Escola Hoteleira do Estoril.

“Desde que me lembro que sou gente que sou cozinheiro.”

Estar na cozinha é um hábito que advém da infância. Mas quando começou a cozinhar como gente grande?
O mérito é mais da minha mãe do que meu. E do meu pai também. A minha mãe sempre me incentivou, ensinou e deixou que eu praticasse. Desde que me lembro que sou gente que sou cozinheiro.

Que aromas e sabores recorda desses tempos de menino?
Os aromas e sabores foram envolvidos pelas oportunidades que me detêm ao longo da vida. Foi com os alentejanos que aprendi a cozinhar e aprendi a comer. Lembro-me da matança do porco, do Natal, da Páscoa, lembro-me desses momentos da vida, da sazonalidade. Uma coisa que me marcou muito foi a simplicidade à mesa, na família. Talvez por isso seja tão purista e o meu próprio paladar também deve a essa influência – uma cozinha simples, sem massa folhada ou um bife com natas.

O sabor português, traduzido em saber, levam Vítor Sobral ao reconhecimento d’aquém e d’além mar, com Brasil e Angola no destino. Porquê estes dois países?
João Pessoa [no Brasil] foi uma oportunidade de negócio, de expandir como marca e como cozinheiro. Tem a ver com a ambição pessoal e de equipa, com a vontade de evoluirmos. Se olharmos para a nova geração, nenhum tem restaurantes fora do país. Sem falta de modéstias, fui o pioneiro na minha classe a ter um restaurante fora de Portugal. Como fiz sempre muitas viagens, vi nelas uma oportunidade de mostrar os nossos produtos e a nossa cultura gastronómica, que deve ser mais conhecida noutros países, daí a importância de acreditarmos na nossa marca e de sabermos divulgá-la.

“Era importante que cada português soubesse explicar o que é bom e porque é bom.”

Mas será que sabemos divulgar os nossos produtos para lá das nossas fronteiras?
Se formos a Itália, qualquer pessoa sabe falar sobre os seus produtos. Cá já não é assim. Dizerem que o queijo da serra é o melhor do mundo está errado. É um queijo fabuloso dentro dos queijos de ovelha e nós somos quem mais produz queijo de ovelha no mundo. São essas mais valias que deveríamos ter. Era importante que cada português soubesse explicar o que é bom e porque é bom.

Como os petiscos, que fazem parte da cozinha portuguesa e são reinterpretados, com ingredientes do Brasil e de Angola.
São petiscos lusófonos. No fundo, a matriz é igual, porém há diferença nos sabores. Há coisa que eu faço, que é provocar as pessoas. A minha equipa trabalha nesta base de sabores, misturar produtos que são do conhecimento público, mas que pensariam que não seria possível misturá-los.

“É fácil surpreender as pessoas com coisas simples (…)”

Uma vez que a saúde passa pela mesa, há espaço para a sensibilização no contexto nutricional dos petiscos?
É fácil surpreender as pessoas com coisas simples e com elas podíamos melhorar a nossa imagem e a nossa forma de comer. As pessoas tornam-se mais felizes, se ensinarmos as bases da cozinha e, assim melhoramos a cozinha delas, o paladar e, arrisco dizer que melhoramos, até mesmo, a saúde. O petisco faz parte da nossa cultura – temos o clima e a dieta mediterrânica, que está inventada há séculos e não basta pensar nela.

Sobre a Tasca da Esquina, em João Pessoa, Brasil, nunca é demais relembrar a distinção recebida no mês passado. Falamos do prestigiado prémio anual de S. Paulo, na categoria de Melhor Restaurante Português de São Paulo, da revista brasileira Veja Comer&Beber. Assim se comprova a aceitação da gastronomia portuguesa fora de portas, a qual viaja sempre na companhia de Vítor Sobral para São Paulo (Tasca da Esquina e Taberna da Esquina) e João Pessoa (Tasca da Esquina), ambos no Brasil, e para Luanda (Kitanda da Esquina), em Angola, assim como a criatividade de três chefs: Vitor Sobral, Hugo Nascimento e Luís Espadana. •

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© Fotografia: João Pedro Rato