António Luís Cerdeira: “A essência deste terroir é fazer a diferença” / Soalheiro

Em 1974, João António Cerdeira plantou a primeira parcela com uvas Alvarinho, com apenas um hectare. Hoje são, ao todo, dez os hectares de vinha da mesma casta, a qual permanece sob o olhar atento dos filhos António Luís e Maria João Cerdeira, numa epopeia familiar em terras de Melgaço com boas novas em reserva.

Soalheiro é o nome da primeira vinha, da quinta e do vinho. O vinho que ostenta a primeira marca de Alvarinho em Melgaço, na sub-região de Monção e Melgaço, Região dos Vinhos Verdes, desde 1982, como se lê no rótulo das garrafas que guardam o néctar de Baco extraído dos pequenos bagos desta casta com particularidades sui generis“tem sempre uma ‘asa’ no cacho principal, com um bago muito pequeno e muito pouca polpa para tanta película”, e “cada bago tem duas ou três grainhas”, explica António Luís Cerdeira, enólogo de formação – representante da terceira geração desta empresa familiar ao lado da irmã, Maria João, que segue a tradição vitícola da família, e neto de António Esteves Ferreira, o avô paterno que ajudou o filho e mentor da marca, João António Cerdeira, na plantação da primeira vinha batizada de Soalheiro. Na época, a ideia do pai foi fazer da vinha um negócio, conta o anfitrião enquanto pega num cacho da referida casta num dia de vindima, feita à mão e que, “este ano, começou uma semana e meia mais cedo”.

Curiosidades à parte, a Quinta de Soalheiro abrange dez hectares de vinha, de onde provêm as uvas que entram na composição do vinho, às quais se juntam os cachos oriundos de 40 hectares de outras propriedades da sub-região de Monção e Melgaço. Como resultado, saem cerca de 200 mil garrafas de total por ano cujo rótulo ostenta a antiga fonte do coração de Melgaço.

Na recém-restaurada adega, António Luís Cerdeira fala sobre o processo de vinificação – fermentação e estágio – e dos vinhos, começando pelo Alvarinho Soalheiro, um clássico acerca do qual revela que “não há uma receita”, pois “cada ano fazemos um ajuste diferente”. Depende do tempo. “Este ano, por exemplo, se calhar [o Alvarinho Soalheiro] é mais aromático do que em 2014”, porque “está mais calor do que no ano passado”, afirma o anfitrião sobre este que “é o primeiro a sair para o mercado”.

E porque as boas novas são sempre boas de ouvir, António Luís Cerdeira levanta a ponta do véu de um vinho verde que será apresentado em breve, o Soalheiro Granit, feito em homenagem ao solo granítico das vinhas de altitude de Melgaço, o que conferirá uma maior mineralidade ao vinho. Afinal, “a essência deste terroir é fazer a diferença”.

Já na sala das barricas, a palavra é dada ao Soalheiro Reserva, ao Primeiras Vinhas – “o essencial para dar volume de boca” – e ao Terra Mater, um vinho biológico – “usamos barrica castanha da região, sobretudo por ser mais neutra”.

“Temos de ter sempre uma parte de inovação e uma parte clássica. Só assim se consegue evoluir”

No espaço reservado aos espumantes, que repousam num estágio em garrafa por 12 meses, o anfitrião refere-se a este produto como sendo “jovem, fresco, frutado”, mas “no futuro vamos ter um espumante diferente”, garante, um cuvée de barrica, com frescura e untuosidade”, o qual está a ser testado pela equipa de enologia. “Temos de ter sempre uma parte de inovação e uma parte clássica. Só assim se consegue evoluir”, reforça o anfitrião. No fundo, a Soalheiro cria conceitos, de modo a que as diferenças sejam perceptíveis para o consumidor, “seja ou não um especialista em vinhos”.

Por falar em espumante, brindemos com um Soalheiro Espumante Bruto rosé à paisagem contemplada e aclamada pelo verde da vinha e do arvoredo que povoa a terra de Melgaço e a vizinha Espanha, do lado de lá do rio Minho.

Vamos à prova

Em cima da mesa estão oito néctares de Baco com a chancela da Soalheiro, para fazer a prova. O Soalheiro Alvarinho 2014 abre as hostes em nome de um ano cuja vindima “foi sofrida”, nas palavras do enólogo da casa, seguido do Soalheiro Primeiras Vinhas 2014 e de um Soalheiro Reserva 2014, novidade com 11 meses de barrica, lançada em agosto de 2015 e apresentada numa “garrafa estilo Borgonha”. Da colheita de 2014 sobressaiu o Soalheiro Terra Mater cujas leveduras não foram filtadas, dando mais espessura ao vinho. “É uma experiência”, revela António Luís Cerdeira, “e pode vir a ser a porta aberta para tantas outras coisas no futuro”. O nome do próximo vinho da Soalheiro é, por sua vez, inspirado na divertida série dos anos 1980’, “Allo, Allo!”, da qual António Luís Cerdeira foi fã e que despertou reminiscências em relação às personagens hilariantes que a protagonizaram. Chama-se Allo, é da colheita de 2014 e é feito a partir das castas Alvarinho (15 por cento) e Loureiro. Um vinho com outro estilo, “um vinho de praia, de esplanada”, afirma o anfitrião, que combina bem com um fim de tarde.

Chegada a hora do repasto, o roteiro dos sabores acontece, depois, a escassos metros da Quinta de Soalheiro, na Quinta de Folga, outro projeto da família Cerdeira, agora nas mãos dos irmãos António Luís e Maria João, onde o receituário tradicional converge numa experiência enogastronómica demarcada pela redescoberta do fumeiro do porco bísaro, o ingrediente principal do desfile de pratos combinados com o que dá a horta harmonizados com o legado de Baco de Soalheiro, e rematado pela doçaria regional. E que tal iniciar o repasto com Soalheiro Espumante Bruto Alvarinho, concebido através do método clássico?

Antes de terminar, António Luís Cerdeira exibe o Oppaco, o primeiro tinto Soalheiro com apresentação prevista para breve. Para já é aguardar para ver e, claro, saborear.

Quanto às visitas guiadas, no valor de 6 euros, estas carecem de pré-reserva feitas através do 251 416 769, havendo a possibilidade de almoçar na Quinta de Folga que, a par com a Quinta de Soalheiro, integra a Rota do Vinho Verde. A ir. •

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© Fotografia: João Pedro Rato

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