Ao segundo dia do mês de Março de dois mil e dezassete, a noite não era de lua cheia, mas este foi o mote para uma reunião de comensais no noventa e um A da Rua Passos Manuel, em Lisboa.
O motivo da reunião estava traçado, combinar os sabores do homem dos tachos, Pedro de Sousa, chef do restaurante Great Tastings, com os néctares do homem das barricas, João Silva e Sousa, enólogo da Lua Cheia em Vinhas Velhas.
Lua Cheia de Sabores, para começar com presunto de pato curado, queijo terrincho, um DOP da região de Trás-os-Montes e Alto Douro, e manteigas acompanhadas com a Lua Cheia em Vinhas Velhas Rosé, 2016. As diferenças em relação ao rosé de 2015, o primeiro que o produtor fez, começam logo pela cor, antes salmão carregado e agora bem mais cristalino ao estilo Provence. A jovialidade e frescura estão mais apurados, fazendo deste um bom vinho para começar qualquer refeição. O processo de vinificação mantêm-se igual ao dos brancos.
Segue-se um dos primeiros momentos mais desafiantes da noite: O casamento da Maria Papoila com o Crocante Negro Fumado (macarron, filadélfia, alcaparras e salmão). A Maria Papoila, feito a partir de ⅔ de Loureiro e ⅓ de Alvarinho, é um Vinho Verde bastante diferente do convencional, ou seja, sem o habitual frisante, “é um caminho solitário” como lhe chama o enólogo João Silva e Sousa, que limpou muito bem a intensidade do doce da bolacha crocante.
Como em qualquer lugar há sempre alguém sovina, Pedro de Sousa preparou “A forreta”, um arroz malandrinho com coentros e azeite para acompanhar um Andreza Códega do Larinho 2016. A volta de Andreza, perto da foz do rio Sabor, é uma das mais belas curvas do rio Douro e os vinhos Andreza são, portanto, um tributo ao rio e à sua diversidade, o qual é palco de grandes vinhos há séculos.
Códega do Larinho é, por sua vez, uma casta branca que amadurece bastante mais tarde do que as outras. No último ano, por exemplo, fizeram a vindima depois do dia 20 de Setembro, numa altura em que já estavam a ser vindimadas as tintas, dificultando a logística no lagar. Mas os enólogos insistiram em criar um monovarietal quanto mais não seja para ter de explicar o que são terpenos– compostos que as plantas desenvolvem para afastar os insetos. Este vinho, produzido em terras quentes é, em contrapartida, bastante fresco e apresenta um grau alcoólico inferior a 12°.
O Andreza Códega do Larinho não seria o último branco da noite, mas a seguir veio o primeiro tinto, Lua Cheia em Vinhas Velhas Colheita 2015, para acompanhar o sável escabechado (sável, legumes confitados, broa de milho e fluid gel de Vinho do Porto tinto). Este momento foi a oportunidade para João Silva e Sousa explicar o porquê do nome Lua Cheia em Vinhas Velhas, que poderá ler aqui, e para explanar um pouco sobre o conceito de vinhas velhas, que não tem apenas a ver com a questão da idade. O enólogo, começa por dizer, que foi nos anos sessenta do século XX que começaram as grandes mudanças na viticultura do Douro intensificadas, mais tarde, com a atribuição de subsídios para arrancar vinhas e plantar novas, segundo mecanismos modernos. Felizmente, nem todas desapareceram e algumas dão, hoje, origem à gama de vinhos Lua Cheia em Vinhas Velhas.
Vinhas velhas ou vinhos do velho mundo são, portanto, caracterizadas pela grande amálgama de castas plantadas mais próximas umas das outras dado que o espaço preciso entre elas era apenas o suficiente para passar os animais. Dada a grande mistura, a propagação de doenças era mais lenta.
O grande momento da noite: O prato da carne e dois pretendentes –um tinto e um branco. Quem chegará ao trono? Andreza Grande Reserva 2013 vs Secretum branco 2012 disputam argumentos para uma união de facto com o borrego, “O improvável” (carré de borrego, crosta de ervas e arroz cremoso de boletos). Como é sabido, ainda muitos entendidos que acham que carne só pode ir com tinto e peixe só engraça com branco. Daí que houvesse quem tenha ficado supreendido com este duelo, inclusive o chef, que pensou estarem a cometer uma rasteira. Mas mais do que palavras, este momento merece ser experimentado e é isso que aconselho, dizendo apenas que já ouvi chamar a este vinho duriense o “mata-tintos”.
Para terminar esta agradável noite de histórias bem acompanhadas, o momento da Tia Rosa brilhou com o seu pudim de ovos, caramelo, laranja e micro aromáticos e um cálice de Porto Tawny 10 anos, Azul Portugal, para fazer par.
Este jantar vínico já aconteceu, mas o próximo está marcado com outro grande contador de histórias e dono do bigode mais famoso do mundo dos vinhos portugueses: Paulo Laureano. A agendar para dia 30 de março, às 20 horas no Great Tastings, em Lisboa. •