Anfíbio é o nome do mais recente vinho deste produtor da região vitivinícola de Lisboa, cujo estágio ocorreu ao largo da costa alentejana.
Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alicante Bouschet. Eis as castas tintas que compõem a colheita de 2017 deste Anfíbio, da Quinta da Casaboa, localizada em Runa, no concelho de Torres Vedras. Esta edição limitada a 250 garrafas, foi submetida a um estágio, de quatro meses, em barrica. Seguiu-se outro período de repouso, desta vez, de oito meses, sob as águas do Oceano Atlântico, mais concretamente, a dez metros de profundidade, junto ao litoral da Costa Vicentina.
O resultado é descrito pela produtora. Neta do empresário em Moçambique e natural de Lisboa, João Ferreira dos Santos, que, em meados da segunda metade do século XX, adquire a Quinta da Granja, a Quinta da Casaboa e a Quinta das Pederneiras, dando origem à Quinta da Casaboa – designação atribuída à vertente vitivinícola deste negócio familiar –, Joana Paes destaca “a frescura que o nosso vinho já tem por serem vinhos atlânticos”, tendo sido esta “potenciada pelo estágio marítimo”, bem como “os aromas a iodo, que nos remetem para o mar”. Apresenta um final de boca equilibrado e muita persistência na boca, um “aroma infinito”, segundo nos diz Pedro Pessanha, marido de Joana Paes, com base na prova feita com o mesmo lote que permaneceu engarrafado, na adega.
As características ganhas no fundo do mar são, de certa forma, semelhantes aos atributos que os vinhos ganham em terra, mas o tempo de espera é maior. Pedro Pessanha diz mesmo que “o fundo do mar, neste caso, funciona como uma máquina do tempo, que ajuda a envelhecer o vinho”. Segundo o que o casal apurou, um ano no mar converte-se a três na adega, ou seja, em terra, e “cada garrafa é única”, ou não fossem os ornamentos marinhos principal razão para tamanha singularidade.
Mas vamos à história deste Anfíbio tinto 2017. Na vila piscatória, no litoral alentejano, onde Joana Paes e Pedro Pessanha passam as suas férias, desde há 15 anos, há um centro de mergulho, actividade aquática, a que o marido da produtora vitivinícola se dedica há muito tempo. “Qual o meu espanto quando, um dia, percebi, que o dono do centro de mergulho já se dedicava a colocar garrafas de vinho no fundo do mar. E qual o espanto do dono do centro de mergulho, quando, um dia, percebeu que eu era casado com a Joana, que é produtora de vinho”, conta.
Este foi o ponto de partida para, em 2018, mostrassem entusiasmo relativamente a esta acção de submergir vinho engarrafado da Quinta de Casaboa nas profundezas do mar, mas “estávamos um bocadinho sépticos, pois não sabíamos o que daqui iria resultar”, avança Pedro Pessanha. A viabilidade do projecto, no que diz respeito aos aos custos, determinaram a ponderação a dois e, meses mais tarde, mediante as possíveis vantagens que pudessem advir deste projecto, decidiram que nada tinham a perder. “Tínhamos tudo pela frente! Portanto estava na altura de lançarmo-nos nesta aventura.”
A colocação de algumas dezenas de garrafas no fundo do Atlântico acontece em 2019. “Tudo isto requer muito trabalho e muita mão-de-obra”, reforça Pedro Pessanha. Entre as demais exigências, como os pedidos de autorização às entidades ligadas ao mar e à certificação dos vinhos – neste caso, à Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa –, são de destacar os procedimentos devidos, para evitar incidentes, como vedar o gargalo, para proteger a rolha, que está sob a influência da pressão da água. “Depois é preciso distribuir as garrafas nas devidas caixas, cada uma com um atilho, para que não fiquem sujeitas ao impacto do mar” e mensalmente, neste caso, ao longo de oito meses, são efectuados mergulhos de verificação, para examinar as condições da rolha e do respectivo vedante.
Neste primeiro ensaio, Joana Paes e Pedro Pessanha seleccionaram vários lotes e colocaram uns a dez metros e outros a 20 metros de profundidade. Ao fim de seis meses, foram retiradas garrafas e, passados oito meses, seguiu-se a vez das restantes. Reuniram o painel de provadores, constituído por enólogos, enófilos e produtora. “O resultado mais favorável deu origem ao Anfíbio”, nome que surgiu num brainstorming, à hora do jantar, entre o casal e as duas filhas.
Joana Paes e Pedro Pessanha garantem que esta aventura não fica por aqui. Em breve, será a vez de mostrar a colheita de 2019 feita a partir das mesmas castas tintas e cujo processo de vinificação e envelhecimento, em terra, se mantém sob a supervisão da enóloga Vera Moreira, enquanto o mergulho de verificação continua a ser da responsabilidade de Pedro Pessanha. “Fizemos testes com [um vinho] branco e não achamos tão interessante, porque o nosso vinho branco é bom novo e fresco. Por isso, não temos tido interesse em envelhecer o vinho, com as castas que temos”, explica Joana Paes.
Enquanto aguardamos o próximo Anfíbio da Quinta da Casaboa, brindemos com esta estreia, a colheita de 2017. Há mais ideias para presentes neste Natal?