Falou-se de comer de tudo, com coerência, de desporto, mas também das experiências gastronómicas, que concedem prazer à mesa. A cozinha do futuro, a importância do produto e as mudanças na restauração foram igualmente abordadas nesta entrevista.
A noite de 2 de Setembro foi mágica, no Tivoli Palácio de Seteais. Após o momento cultural subordinado ao bailado, representado por cinco companhias além fronteiras e cuja génese se cruzou com movimentos mais arrojados, seguiu-se o jantar. À mesa, a mesma dicotomia marcou presença nos pratos de Paco Roncero, chef do Restaurante Paco Roncero, instalado no NH Collection Casino, em Madrid, e convidado pelos chefs anfitriões, Joachim e Cintia Koerper, e o nosso entrevistado.
Já tinha integrado Sintra nas suas viagens ou esta é a sua estreia nesta poética vila?
Estive aqui, em Sintra, há uma dezena de anos, por ocasião de um prémio do Moto GP. Conheci um pouco a vila, mas não estive em Seteais.
Na altura, teve a oportunidade de conhecer a gastronomia local?
Muito pouco, porque tinha sido convidado por uma marca de motos. Na altura, não me pareceu que houvesse espaços dedicados à cozinha portuguesa.
Apesar da falta de tempo para se inspirar neste lugar, a escolha recaiu em pratos de peixe.
Quando falei com Joachim [Koerper] por causa do evento, ele facilitou o meu trabalho em relação aos pratos que queria trazer. Então, escolhi pratos que estamos a fazer, agora, no nosso restaurante, em Madrid. Pareceu-me que eram pratos que poderíamos ter perfeitamente aqui, que as pessoas fossem gostar, e também porque representam um pouco a cozinha que estou a fazer. Um deles é o lingueirão, nos aperitivos, e a flor de abóbora, o outro é com amêijoas, e terminamos com peixe, um robalo.
São todos produtos de mar, que rimam com a proximidade de Seteais com o Atlântico.
Sim, é verdade! Estamos no centro de Espanha, no entanto fazemos uma cozinha muito virada para o mar. Para esta noite, e uma vez que estamos mais próximos do mar, foi mais fácil conseguir os produtos marinhos e, neste caso, fez todo o sentido em cozinhar produto das redondezas.
A corrida faz parte da sua vida e mantém o cuidado com a alimentação. O valor nutricional num prato é fundamental?
Para mim, o mais importante não é tanto um menu baseado ou equilibrado em termos de valor nutricional. O importante é manter um estilo de vida saudável no dia-a-dia. Creio que se, hoje, as pessoas vêm para ter uma experiência, para se divertirem, não temos de dar tanta importância se o menu tem mais calorias ou mais gordura, mais proteínas ou mais hidratos de carbono. Hoje é para vir desfrutar! Se tiveres um estilo de vida saudável, no qual manténs o equilíbrio entre fazer desporto e comer de forma saudável no teu dia-a-dia, é mais fácil. Para mim, por muito que coma, não vou engordar, porque corro diariamente, mas se deixar comer pouco ou deixar de comer, deixo de ser feliz. Temos de encontrar o equilíbrio em tudo na vida. Para mim, falar de estilo de vida saudável é falar de felicidade! Fazer dietas ou estar constantemente a olhar para o prato, em vez de divertires-te enquanto comes, não consegues ser uma pessoa feliz. Apesar disso, nós fazemos uma cozinha virada para o equilíbrio nutricional, porque não usamos muitas gorduras, cozinhamos de forma “limpa” e tão pouco abusamos nos hidratos de carbono.
Os tempos mudaram e isso reflete-se na cozinha.
A cozinha que estamos a fazer agora é mais leve, do que a que se fazia antigamente. Antes, era mais pesada, tinha mais molhos, enquanto hoje é mais suave, mais fresca, o peixe é menos cozinhado, há mais saladas. Para um restaurante gastronómico, não há necessidade de olhar para o lado nutricional. Há que cozinhar da forma mais saudável possível, mas as pessoas precisam de ter uma experiência. Se houver foie gras, eu como foie gras, mas não preciso de comer um quilo de foie gras ou de trufa, ou um quilo de gelado, por exemplo. Para mim, um estilo de vida e uma alimentação saudáveis é comer de tudo, mas com coerência.
Quando começou a correr?
Pesava 120 quilos e decidi começar a correr há, mais ou menos, dez anos.
Há que passar essa mensagem.
Ser feliz à mesa, mas fazer desporto!
Fala-se em cozinha do futuro. Qual a sua opinião relativamente a este tema. Teme que venha a interferir na qualidade dos produtos?
Não creio. Agora temos uma menor quantidade de produtos, mas acho que, nos últimos anos, a cozinha deu uma volta em relação ao que era feito antes – uma cozinha mais virada para o produto e menos técnica. Creio que, ao contrário do que acontece hoje, em que se fala tanto do cozinheiro, daqui a uns anos falar-se-á mais no produto.
{“A pandemia fez com que as pessoas se acostumassem a viver com pouco dinheiro e ter mais tempo livre.”}
Daqui a quanto tempo?
Não sei! Pouco tempo.
Mas seria importante que as pessoas tivessem consciência do produto que usam em sua casa ou que estão a comer num restaurante, e da sua origem.
Essa questão dos produtos locais e regionais é importante e é muito importante trabalhar com quem produz os próprios hortícolas, trabalhar com pescadores que têm respeito pelo peixe.
O seu trabalho é reconhecido e é considerado como o expoente da vanguarda gastronómica. Considera-se um chef inovador?
Tento estar na vanguarda e de ser inovador. Gosto de criar conceitos. Tenho restaurantes em várias partes do mundo. Sobre a cozinha espanhola, é de salientar que é uma cozinha de tempo, de produto e que custa levá-la a viajar a outros países. Fazer uma pizza é rápido, fazer uma massa também, assim como a cozinha chinesa, que é rápida, mas, na cozinha portuguesa, fazer um bom prato de bacalhau ou um guisado leva o seu tempo. Na cozinha espanhola passa-se o mesmo. Por isso, ser vanguardista é cozinhar de forma diferente, divertida, vanguardista em muitas partes do mundo!
Qual é a receita para um cozinheiro evoluir ao lono go do seu percurso?
Não creio que haja uma receita, porque cada vez que fazes um prato novo, pensas sempre que é o melhor que já fizeste e é certo que encanta muita gente, e que muita gente o pede. Como a paella, que fazemos com azeite e que as pessoas querem que tenhamos.
E a cozinha tem vindo a mudar muito nos últimos anos.
Muitíssimo! O cliente também. Tem vindo a aprender a comer, porque viaja e vai a mais restaurantes. Tornou-se mais exigente em relação ao que se põe no prato.
A restauração também está cada vez mais exigente. Tendo em conta o que aconteceu nos últimos dois anos, qual será o seu futuro?
Mudaram muitas coisas! O problema número tem a ver com a questão que envolve o pessoal. A pandemia fez com que as pessoas se acostumassem a viver com pouco dinheiro e ter mais tempo livre. Este panorama dificilmente irá mudar, por isso será difícil conseguir staff. Está muito difícil! Creio que, daqui a algum tempo, teremos de moldar a estrutura dos restaurantes. Já estamos a fazê-lo, bem como mudar a maneira de trabalhar. Antes tínhamos um quadro de equipa e que se manteve durante dois, três, quatro anos e que era fácil de trabalhar. Agora, as pessoas aguentam trabalhar apenas dois ou três meses, porque se cansam, trabalham muito. Esta alteração veio impor uma mudança na nossa forma de trabalhar. Por outro lado, há pessoas que não querem trabalhar mais do que oito horas por dia, daí que haja quem dê folga durante três dias por semana ou que feche o restaurante ao almoço, para abrir ao jantar. Está-se a tentar encontrar a fórmula, para que as pessoas se conciliem e tenham uma vida melhor, para que fiquem mais felizes e permaneçam por mais tempo no restaurante.
Biografia do chef
Paco Roncero nasceu na capital espanhola em 1969. Vinte anos depois, entrou na Escola de Hotelaria e Turismo de Madrid e estagiou no Zalacaín e no Hotel Ritz. Escreve livros e, actualmente, é chef do restaurante homónimo, Paco Roncero – espaço, que abriu, em finais da década de 1990, como La Terraza del Casino –, instalado no NH Collection Casino, em Madrid, onde também é responsável. Além deste, soma outros restaurantes – Estado Puro (Madrid e Xangai), Versíon Original (Bogotá) e Pata Negra (Cartagena das Índias). Sem esquecer o Taller Paco Roncero, uma espécie de oficina de investigação existente dentro do NH Collection Casino, onde nasceram outros dos seus projectos, como o Sublimation, o restaurante mais caro do mundo, criado em 2014, em Ibiza, e que permanece aberto naquela cidade da vizinha Espanha, mas só na época de estio e que, este ano, “viaja”, para o Dubai, para dar azo a experiências à mesa de Outubro de 2022 a Março de 2023.