O Areias do Seixo, refúgio na Natureza localizado no concelho de Torres Vedras, reuniu 12 chefs, a contar com o anfitrião, e barmans a produtores da região Oeste e mentores de projectos que vão dar que falar.
Verso + Reverso = Inverso
Wilson Pires e Tiago Oliveira, irmãos e algarvios, vão abrir, em Setembro deste ano, o Inverso em Faro, onde vão contar com o apoio do barman Fábio Ramos. É um bar de cocktails, onde a criatividade será infinita. “A ideia é fazer o produto na hora”, afirma Wilson Pires, que, na primeira edição de Barman do Ano, em 2014, arrecada o tão desejado prémio homónimo. O espaço advém da sequência do projecto Verso – e Reverso –, que ambos iniciaram aquando da pandemia, um escape à realidade de então, quando os bares tiveram de encerrar as portas. São cocktails artesanais enlatados e prontos a beber na praia ou em casa, ou a utilizar no bar, em dias de desespero.
O tepache com ananás dos Açores é um desses exemplos e fez furor no fim-de-semana de 28 a 30 de Junho, no âmbito do pop-up gastronómico SEMEAR, no Areias do Seixo. “A fermentação do ananás é feita em cinco dias em cubas de inox e três dias em barricas de carvalho”, esclarece o barman. A este cocktail, Wilson Pires adicionou algas e poejo, para intensificar “a tropicalidade e o perfume, e ligar com o prato de Rui Sequeira”, acrescenta, referindo-se à versão da raia alhada à moda de Olhão preparada pelo chef conterrâneo.
+ Verso
Vinhos de influência atlântica
Do Areias do Seixo viajou-se até à Quinta de São José, localizada no Turcifal, no concelho de Torres Vedras, onde estão as vinhas do projecto vitivinícola familiar Vale da Capucha. Manuel Marques é o rosto da nova geração de viticultores, a par com o irmão, Pedro Marques, enólogo da casa. A vinha de 13 hectares foi replantada em 2006 e, desde 2015, possui certificação biológica – também foi esse o ano em que a família passou a vinificar as uvas nesta propriedade. O foco está nas castas regionais, como a Arinto, a Fernão Pires, nas brancas, bem como na Castelão e na Tinta Miúda, nas tintas. Alvarinho, Antão Vaz, Gouveio (brancas), Touriga Nacional, Tinta Roriz e Syrah (tintas) são outras variedades de uva aqui plantadas.
Manuel Marques chama a atenção para a questão do tempo: “os vinhos ficam, pelo menos, dois anos na adega e dois anos em garrafa, para que todo o potencial venha a demonstrar-se na garrafa.” O facto da vinha estar situada a oito quilómetros em linha recta em direcção ao mar e plantada em solos argilocalcários outrora submersos por mar, reflecte-se na generalidade dos vinhos Vale da Capucha, em particular a salinidade, a frescura e a acidez, sem deixar de parte o potencial de guarda. Exemplos? Vale da Capucha branco 2012, feito a partir de Viosinho e Arinto, ou o Fóssil Alvarão 2015, um Alvarinho de abrir o apetite para o último “cozido da Capucha” desta temporada, com porco da raça Malhado de Alcobaça.
+ Vale da Capucha
O pão do Terço
Nos jantares e no almoço de domingo do evento, serviu-se pão do Terço do Meio, projecto de Joana Guimarães e André Toscano, que trocaram a função de chef de cozinha para se dedicarem à feitura de pão e pastelaria feitos com massa mãe. “Em 2019, começamos a desenvolver pão com a receita de massa mãe para a Taberna Fina [restaurante do Hotel Le Consulat, em Lisboa, já encerrado]”, contou Joana Guimarães.
No ano de 2020, ambos distribuíam, porta a porta, o pão produzido na garagem dos pais de Joana Guimarães. A 10 de Junho de 2021 abriram a padaria Terço do Meio, na Ericeira, onde em Setembro deste ano prevêm inaugurar “um espaço maior, com lugares sentados, produção visível e refeições”.
+ Terço do Meio
De rocha em rocha
A Rota das Algas foi fundada em Setembro de 2023 pela bióloga marinha e chef de cozinha Joana Duarte. O propósito é tornar este projecto itinerante pelas praias do país, desde o continente às ilhas. Sem que o preguiçar das ondas deixasse espaço para o conhecimento, a cicerone destes passeios mostra quão rica em algas é a costa portuguesa. Alface-do-mar, codium ou chorão-do-mar, erva-malagueta, com ligeiro sabor e trufa, fava-do-mar ou tremoço-do-mar, nori-do-Atlântico ou erva-patinha e musgo-da-Irlanda são alguns dos organismos fotossintéticos que constam na lista.
Apesar de serem consideradas um superalimento, devido à diversificada composição nutricional, Joana Duarte opta por ser prudente: “é preferível comer cinco gramas de alga desidratada por dia ou 30 gramas de alga fresca por dia.” Em contrapartida, desaconselha a ingestão destes organismos fotossintéticos a quem tem problemas de saúde ligados à tiróide ou está a fazer tratamentos oncológicos. Face a estes dois casos, recomenda que se afastem das praias com rochas, por causa da quantidade iodo.
As rotas realizam-se dois dias antes ou dois dias após a lua nova e a lua cheia, período do mês em que o mar está mais recuado e a baixa-mar expõe grande parte das rochas das praias. Os percursos duram três horas e são feitos com grupos de cinco pessoas, para segurança de todos e para que todos possam estar atentos às explicações.
A respeito do calendário da Rota das Algas, Joana Duarte avança com a data de 21 de Julho, na zona da Ericeira, e com a vontade de estender esta actividade aos mais novos. Chama-se Rota das Algas KIds e cada criança tem de ser acompanhada por um adulto. Para Agosto está prevista a estreia da Rota das Algas Kitchen Sessions.
+ Rota das Algas
O grés de Miguel Neto
Tudo cabe num prato. Ou em mais do que um, desta feita, de Miguel Neto, do Atelier 19B. Ceramista profissional, é natural de Lisboa, cidade natal trocada, em 2018, por Caldas da Rainha. No trabalho, utiliza misturas de argilas e materiais orgânicos nos vidrados. “É um bolo que resulta num prato. Estes já têm três anos”, diz, enquanto mexe na obra-prima feita a partir de grés, objecto de um saber empírico que “empilha” há três décadas.
+ Atelier 19B
As manas têm um talho
Ana, Maria João e as gémeas Inês e Margarida Cartaxo Ferreira são as manas que estão à frente do talho situado em Palhagueiras, A-dos-Cunhados, no concelho de Torres Vedras. A paixão pela carne terá vindo do tempo do avô deste quarteto de mulheres, já que era negociante de gado, seguindo-se o pai, que criava animais, para consumo interno. Mais tarde, torna-se talhante e rentabiliza o negócio com Inês e Margarida. Talho e profissão é legado deixado, em 2014, nas mãos das irmãs, entrando Ana para o departamento de gestão. Maria João integra a equipa em 2023, apesar de ter aprendido tudo com o pai aos 14 anos.
O Talho das Manas em nada tem a ver com criação de gado. O que faz é reunir carne biológica de qualidade de produtores do país. É o caso da carne de vaca, de porco Alentejano, de cabrito Serpentino e de borrego Merino da Herdade de São Luís, em Montemor-o-Novo, do porco da raça Bísaro, da Monte Silveira Bio, de Idanha, ou dos suínos da raça Malhado de Alcobaça, do Porco Saloio. “O propósito é defender as nossas raças com respeito e de levar as pessoas a quererem comer melhor”, salienta Maria João.
+ Talho das Manas
Hortícolas e frutas biológicos
Abóbora, batata, couves e tomate são os produtos principais da Biofrade, empresa familiar localizada na Lourinhã. Mas há mais! Alho, alho francês, brócolos, cebolas, alcachofra, beterraba, beringela, entre muitos outros. A estes, soma-se mais de duas dezenas de frutas diferentes. A produção cinge-se a 45 hectares e todos os produtos são biológicos. Aliás, este ano celebram 33 anos de agricultura em modo biológico e a produção é complementada com a horta do Areias do Seixo.
Às lojas de Torres Vedras, Lourinhã e Parede, no concelho de Oeiras, onde está implementado o novo conceito de loja, a Biofrade abre, em Setembro, na Infante Santo, em Lisboa, um espaço também com vinhos.
+ Biofrade
Fermentar, fermentar, fermentar
Sabe o que é e para que serve o shio koji? Ou o amazake? O primeiro é recomendado nas marinadas, enquanto o segundo destina-se a cocktails, por exemplo, e sobremesas, já que substitui o açúcar. Mas o melhor é conhecer a Kin Ferments, laboratório localizado algures no concelho de Loures, centrado em fermentações feitas à base de koji – “fungo filamentoso, que utiliza, por exemplo, cereais e leguminosas, para se desenvolver, servindo-se destes como fonte energética”. Embora tenha sido iniciado há cerca de um ano, “as produções foram iniciadas no começo deste ano”, avança João Alves, que fez parte da equipa do restaurante Loco, do chef Alexandre Silva, em Lisboa.
A “formação muito específica na área da gastronomia asiática” surge há 13 anos. Nessa época, o conhecimento é aprofundado no estágio feito no Japão, onde tem a oportunidade de manter o contacto com os produtos que agora utiliza no âmbito do projecto. Livros, formações e masterclasses com profissionais também estão na base da aprendizagem de João Alves, que, a partir de então, “comecei a experimentar a versatilidade que estes produtos oferecem” e ter “uma forma de dar um espectro maior de condimentos e temperos que as pessoas podem usar nas suas cozinhas”.
Na Kin Ferments “tentamos ao máximo trabalhar produtores locais e biológicos”, desde o arroz aos cereais, passando pelo chícharo. O objectivo é entrar não só nos restaurantes de “alta cozinha” com estes produtos, mas também em outros tipos de cozinha, como já faz com o Encanto e o Sem, ambos em Lisboa.
+ Kin Ferments
Leia aqui a primeira parte do Semear (chefs).