A eterna arte do Vinho do Porto / The Fladgate Partnership (parte I)

Falar sobre a posteridade é falar sobre um conhecimento empírico com mais de três séculos de história aliado a uma visão comum centrada na vitivinicultura sustentável de montanha na mais antiga região demarcada do mundo, o Douro.

A Quinta das Vargellas, a propriedade mais oriental do Douro Superior da The Fladgate Partnership

A aquisição de uma vinha no Alto Douro, em 1744, faz de Bartholomew Bearsley o primeiro comerciante britânico de Vinho do Porto a tornar-se proprietário em terra duriense, no Lugar das Lages, para sermos mais precisos, a escassos quilómetros da cidade da Régua, com registo no legado da Taylor’s, fundada em 1692 e, por essa razão, uma das casas de comércio de Vinho do Porto mais antigas do país e, hoje, centrada Quinta das Vargellas, e que faz parte da The Fladgate Partnership, o grupo detentor das marcas Taylor’s, Fonseca, Croft e Krohn.

“Precisamos de promover o nosso ‘ouro do Douro’ no mercado nacional”

Adrian Bridge, director geral da The Fladgate Partnership desde 2000

À conversa com Adrian Bridge, que assumiu, oficialmente, o cargo de director geral da The Fladgate Partnership em 2000, falámos acerca do mercado do Vinho do Porto, da herança de cada casa que compõe a estutura do grupo, do enfoque na história e na importância deste legado de Baco, e dos planos para o futuro.

Que mudanças podemos registar no panorama do Vinho do Porto nos últimos 15 anos, ou seja, desde o momento em que passou a liderar a The Fladgate Partnership?
Os últimos 15 anos foram uma época marcada por muitas transformações no sector do Vinho do Porto, mas também dentro do sector dos vinhos. Quando falamos de tendências neste universo, precisamos também de falar do consumidor final, ou seja, nos últimos 15 anos o que mudou foram as redes de distribuições, nomeadamente as grandes superfícies, a internet – a partilha de informação via internet é muito mais prática hoje e o consumidor é muito mais sofisticado. Nos últimos 15 anos, o sector do Vinho do Porto tem prejuízos de cerca de dez por cento sobre o seu volume mas, ao mesmo tempo, temos um crescimento dentro das categorias especiais, ou seja, a tendência real é que fazer Vinho do Porto só pelo valor baixo não é sustentável, nem para o Douro, nem para as pessoas envolvidas neste negócio. O Douro é um dos lugares mais caros do mundo na produção de uvas, mas quase metade da nossa produção anual de uva está à venda abaixo do nosso custo de produção, o que não é sustentável.

Daí a aposta nas categorias especiais.
A nossa empresa – Taylor’s, Fonseca, Croft e Krohn – é dedicada às categorias especiais – representa um terço deste universo. Acho que este é o futuro, portanto, é aqui que continuamos a investir e esta é parte do nosso negócio em que o consumidor pode aprender mais, pois estamos a falar da parte das histórias de cada casa, com os LBV’s, os Reservas, os 20, 30, 40 anos, o lançamento do 1965, do 1863… Não vendemos apenas Vinho do Porto, vendemos sonhos, vendemos experiências, vendemos a diferença para o consumidor e este é o futuro que contém a riqueza do vale do Douro e a histórias de uma empresa com mais de três séculos, o que é raro no mundo.

Por falar em história, falemos da The Fladgate Partnership.
Começámos com a Taylor’s, em 1692. Em 1949, comprámos a Fonseca que, este ano, celebrou os seus 200 anos. Até até então era o Grupo Taylor Fonseca. Em 2001, comprámos a Croft e a Delaforce – esta já não temos desde 2007 – e construímos o grupo The Fladgate Partnership, que é uma junção das marcas com grande história e uma visão comum, baseada em Vinhos do Porto de qualidade e cada marca tem as suas quintas, têm os próprios stocks, tem a sua identidade e estão em mais de cem países de todo o mundo.
A Fonseca é uma marca mais especializada do que a Taylor’s porque tem, dentro do universo dos vinhos, o primeiro reserva biológico do Vinho do Porto, e está mais posicionada para os canais de hotelaria, de restauração e de espaços direcionados para especialistas, ou seja, não está em grandes superfícies.
A Croft está em menos países do que a Taylor’s e a Fonseca. Na minha opinião é um erro que todas as marcas sejam canalizadas para os mesmos canais e apresentem as mesmas características – isto no sector do Vinho do Porto. Por esse motivo, focamos a Croft em apenas 21 países do mundo ao invés dos cem, como a Taylor’s, onde o Vinho do Porto Croft regista uma grande importância para o consumidor. Dou o exemplo do Croft Pink, que se encontra em mercados que já conhecem o Vinho do Porto, porque não é fácil abrir mercados e mostrar uma novidade, mas se for a Inglaterra ou ao Brasil e diz ‘este é o Corft Pink’, eles entendem o que é o Croft Pink. Portanto, é uma escolha do nosso plano de marketing, de distribuição e de vendas.

“A The Fladgate Partnership é uma família e os seus filhos são a Taylor’s, a Fonseca, a Croft e a Krohn.”

Ou seja, cada casa tem as suas raízes definidas.
No nosso grupo, as gerações de cada casa continua ligada à respetiva casa, por isso, quando compramos a Croft – é a mais velha, nasceu em 1588 – vieram 82 pessoas. Ou seja, é fundamental manter o respeito pela cultura e pela história de cada marca e, por isso, construímos a The Fladgate Partnership que é, por sua vez, uma homenagem a John Fladgate, o barão de Roêda – a Quinta da Roêda é uma quinta da Croft –, que teve um filho, que trabalhou com a Taylor’s, e filhas que casaram com familiares ligados à Croft, como a família Morgan e a família Guimaraens, e todas os seus descendentes se reúnem, ainda hoje, à mesa, no Natal. A The Fladgate Partnership é uma família e os seus filhos são a Taylor’s, a Fonseca, a Croft e a Krohn. São filhos que têm características muito próprias e há respeito mútuo. A minha responsabilidade na liderança na The Fladgate Partnership é dar espaço para que cada uma destas marcas tenha capacidade para ‘voar’ com a mesma filosofia de qualidade e a mesma atenção ao detalhe. Tal como acontece com o hotel The Yeatman que tem também as suas vocações com a mesma filosofia de qualidade e de atenção ao detalhe, e tem capacidade para comunicar, é rentável e ao sê-lo as pessoas têm confiança – aqui entra a importância do trabalho de equipa e nós temos uma grande sorte em determos bens e profissionais que fazem o sucesso.

E reflete uma herança com marcas profundas do Douro vinhateiro.
A base, o estilo do Vinho do Porto nasceu nas quintas do Douro, nasceu do seu terroir e, independentemente da forma como pensamos a respeito da origem do mercado do Douro, há microclimas, pois cada quinta tem a sua orientação. Por exemplo, a Quinta das Vargelas, da Taylor’s, mais próxima de Espanha e com uma orientação a norte, está num local mais quente do que a Quinta de Terra Feita, que é no vale do Pinhão, sendo a diferença destas duas marcada por uma supressão de 40 quilómetros e de 1,7° C, em média, durante o dia. São, portanto, estes microclimas que marcam a diferença nos nossos vinhos.

Temos, nós portugueses, o hábito de beber um cálice de Vinho do Porto?
O mercado nacional melhorou, mas conta apenas com sete por cento nos nossos negócios, ou seja, 93 por cento é para exportação. O hábito de beber um cálice de Vinho do Porto no fim de uma refeição, em Portugal, quase não existe. Aliás, há tantos hotéis e restaurantes por aqui, no Porto, que é centro do Vinho do Porto – uma das três marcas do mundo que está associada a uma cidade –, mas há ainda muitos sommeliers que não denotam um grande conhecimento em relação ao Vinho do Porto. É estranho. Portanto, precisamos de promover o nosso ‘ouro do Douro’ no mercado nacional mas, para isso, é preciso formação e trabalho no sentido de elevar este potencial que temos.

“(…) o Vinho do Porto é motivo de orgulho dos portugueses (…)”

O mercado português é promissor?
Acho que o mercado português representa uma grande oportunidade de venda do Vinho do Porto, tal como o faz com os grandes vinhos da região do Douro e de outras do país, além de que o Vinho do Porto é motivo de orgulho dos portugueses, ou seja, é um produto de world class que produzimos, com prestígio, que consegue chegar a cem países do mundo, como acontece com a Taylor’s.

Há boas novas para o futuro?
Temos vários projetos em mão, um ligado ao Vinho do Porto e outro na área do turismo – o Vintage House Hotel, no Douro – e eu tenho um particular gosto pelo enoturismo, porque se as pessoas vêm cá é porque há potencial neste contexto. Por exemplo, no The Yeatman, as pessoas precisam de uma boa cama, de um serviço de qualidade, pelo que quem lá trabalham deve ser embaixador da região, para que as pessoas sejam consumidoras não por um dia, mas sim por uma vida. É como o velho ditado chinês: “Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida.” Tudo isto é simples! É o mesmo que um chef, não inventa ingredientes, está é constantemente a inventar pratos com os ingredientes. Ou seja, não vamos descobrir mais, temos é de continuar a ‘misturar os ingredientes’, para fazer ‘um novo prato’.
Em janeiro vamos dar início a uma travessia de barco-táxi que ligará a cidade do Porto norte à cidade do Porto sul, a esta zona histórica – para mim é Porto, margem norte, margem sul – cuja ligação é feita apenas pela ponte D. Luís, o que não tem lógica. Por isso, vamos disponibilizar um serviço de turismo fluvial em barcos rabelos, com capacidade para 28 pessoas. É um serviço público e um negócio que podemos suportar e com o qual a cidade irá beneficiar. Porém, há pessoas que não pensam assim, mas eu penso assim!

Porque o saber não ocupa lugar

A Invicta eleva-se pela colina acima, do outro lado das Caves da Taylor’s, em Vila Nova de Gaia

Entretanto, a cidade do Porto preguiça na margem norte do majestoso Douro, que desagua calmamente na foz, através da janela do vetusto edifício da Fonseca, no núcleo histórico de Vila Nova de Gaia, em jeito de despedida, pois o objetivo é concentrar a atividade do grupo na Quinta dos Barões, outrora pertencente à Real Companhia Velha, no cimo da cidade oposta da eterna Invicta.

À parte da mudança de morada, os planos de trabalho decorrem dentro da normalidade. No laboratório, por exemplo, as aguardentes adquiridas para adicionar ao Vinho do Porto são passadas a pente fino em análises adequadas para o efeito.

O Late Bottled Vintage de 2010 da Taylor’s, a casa pioneira na criação do LBV do Vinho do Porto

Já na sala de provas, uma mão cheia de colheitas, “as mais representativas de cada casa”, segundo Ana Margarida Morgado, diretora de relações públicas do grupo estão dispostas sobre as bancadas. Enquanto decorria a prova, a anfitriã prosseguia com a explicação. Da história do Vinho do Porto, a diretora de relações públicas da The Fladgate Partnership reforça a importância do LBV (Late Bottled Vintage) da Taylor’s, criado pelo atual presidente da Taylor’s Alistair Robertson, em 1970, e “que veio salvar as companhias de Vinho do Porto”. O “‘ouro do Douro’”, como disse atrás Andrian Bridge, o qual permite uma degustação feita sem pressas, pois concentra todas as suas características mesmo depois da garrafa ser aberta para consumo.

O Fonseca Bicentenary Edition Crusted Port, com uma edição limitada para assinalar os 200 anos da Fonseca – 8 de abril de 1815 é a data do primeiro registo da empresa nos arquivos da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, no âmbito do comércio do Vinho do Porto –, foi outro dos protagonistas do prestigiado desfile. Feito a partir de uma seleção “dos melhores Vinhos do Porto” oriundos do Cima Corgo e ao estilo tradicional, este vinho encorpado é engarrafado sem ser filtrado, formando uma crosta ou depósito na garrada – daí o nome Crusted –, prova de que o vinho continua a desenvolver o seu caráter e os seus aromas ao longo do tempo.

Fonseca Bin 27, um finest reserve de emoções fortes

No alinhamento dos destaques esteve também o célebre Fonseca Bin 27, apresentado na década 1970’, na Grã-Bretanha. Feito a partir de vinhos do Porto reserva selecionados do Cima Corgo e do Douro Superior – do centro e do leste do vale do Douro – denota um estilo de um finest reserve no circuito do Vinho do Porto e o nome surgiu – por curiosidade –, do facto de ser elaborado a partir da combinação de diferentes colheitas que se encontram em compartimentos distintos ou alvéolos – uma tradição pertencente ao passado –, sendo estes designados de bin, palavra seguida pelo número do respetivo compartimento.

Pela boca passaram, ainda, as provas dos Tawny’s da Taylor’s (10, 20, 30 e 40), da Fonseca (10, 20 e 40) e da Croft (10 e 20). Em traços gerais, esta categoria de Vinho do Porto envelhece em pequenos e velhos tonéis de carvalho nas respetivas caves em Vila Nova de Gaia e, durante o processo de envelhecimento é efetuada, muitas vezes, a separação da borra do vinho, o que contribui para o processo de oxidação e, por sua vez, para uma tonalidade aloirada – tawny, em inglês. Porém, a própria tonalidade depende da idade do vinho porque, por exemplo, o Fonseca Tawny 40 anos apresenta uma cor azeitona-ocre ou o Croft Fine Tawny, de um vermelho-aloirado vivo.

Taylor’s 1964 Single Harvest Porto e Taylor’s 1965 Single Harvest Porto, apresentados em 2014 e 2015, respetivamente, foram os ‘senhores’ que se seguiram e cada um é elaborado a partir de colheitas raras com 50 anos. Duas edições limitadas desenhadas para celebrar ocasiões especiais; assim como o Taylor’s 863 Single Harvest, feito a partir de uma reserva de vinhos do Porto muito raros e cujo ano da vindima foi considerado uma das melhores do século XIX, razão pela qual é tido como uma peça singular na história da Taylor’s e do Vinho do Porto, a qual se faz acompanhar de um decanter de cristal desenhado especialmente para este generoso legado de Baco e acondicionado numa caixa de madeira com um certificado assinado por Andrian Bridge. Ou o Scion uma edição muito limitada de um vinho do Porto invulgar cuja vindima conta com mais de 150 anos e da qual sobraram dois cascos, outrora guardados num armazém de uma aldeia no vale do Corgo, os quais foram dados a conhecer, em 2008, a David Guimaraens – viticólogo e enólogo dos vinhos do Porto Taylor’s, Fonseca e Croft, e um dos administradores da The Fladgate Partnership –, e se encontram, desde 2010, nas caves da Taylor’s, em Vila Nova de Gaia.

Taylor’s Vargellas Vintage Port 2012, Croft Quinta da Roêda Vintage 2012 e Fonseca Guimaraens Vintage Porto 2012, um trio de colheitas singulares representativas de três das quatro casas que integram o grupo The Fladgate Partnership

Na lista constaram, ainda, os Vintage cuja estreia nesta categoria de Vinho do Porto foi registada em 1840, pela Fonseca, a primeira casa a apresentar, no mercado, o Vinho do Porto Vintage e representa o melhor dos produtos de um ano excecional das suas quintas – a do Cruzeiro, a de Santo António, no vale do Pinhão, e a do Panascal, no vale do Távora –, além de que é a única casa de Vinho do Porto com quatro Vintages com cem pontos atribuídos pela revista norte-americana Wine Spectator – os de 1927, 1948, 1977 e o 1994, das quais algumas repousam na cave do edifício da Fonseca. Quando se fala de um vinho do Porto Vintage no sentido lato, o envelhecimento é sempre feito em garrafa onde, à medida que o tempo avança, a cor rubi vai passando para a tonalidade entre o castanho e o amarelo.

“Enquanto houver Vinho do Porto, haverá tanoeiros”

O interior das caves da Taylor’s

Passemos às caves da Taylor’s, no núcleo histórico de Vila Nova de Gaia, com a promessa de obras em curso e onde são recebidos “cerca de 70 mil pessoas por ano”, afirma Ana Margarida Morgado.

Com os armazéns que acolhem os tonéis e as pipas virados a norte, o interior “conserva as condições naturais e uma temperatura constante” durante o ano, sendo “os tetos renovados a cada 20 anos”. Aqui os tonéis grandes conservam os LBV e o reservas dos Vintage, enquanto as pipas guardam os tawnies num consenso comum e eterno ligado à arte da tanoaria, vetusto ofício que, na Taylor’s, se converte numa herança familiar, e assegura o transporte e o envelhecimento do Vinho do Porto, porque “enquanto houver Vinho do Porto, haverá tanoeiros”, dizem eles.

A sala de provas da casa de comércio de Vinho do Porto fundada em 1692

Após a visita, muitos são os que optam por fazer a degustação de três Vinhos do Porto de categoria especial na elegante e ampla Sala da Biblioteca, mas há quem não resista às provas acompanhadas por chocolates, queijos ou de tawnies velhos. Ou optar por um dos eventos vínicos da Taylor’s – a prova do Taylor’s Scion, abertura a fogo de Vintages, prova de azeites do Douro (Quinta de Vargellas extra virgem e o biológico de Santo António), ou participar em workshops de Vinho do Porto.

Aos que preferem uma visita privativa ou para grupos com mais de dez pessoas, recomenda-se o contacto prévio através de ana.sofia@taylor.pt, a fim de providenciar uma experiência personalizada.

O jardim das rosas desfruta de um silêncio e de uma vista singulares

Para terminar o dia, nada melhor do que relaxar no terraço ou no jardim das rosas, no lado oposto ao edifício, e desfrutar do casario da cidade do Porto, que se estende aos pés do Douro ou de um almoço – recomendado – no restaurante Barão de Fladgate, começando o repasto com um Croft Pink, o primeiro Vinho do Porto rosé. Como fazer? Uma parte de Croft Pink e uma parte de água tónica, zest de limão e folha de menta.

O ruído da espadela remonta ao passado

O semicírculo voltado a norte caracteriza a Quinta das Vargellas

Assim que os ponteiros do relógio anunciam o fim do dia, chegamos à Quinta das Vargellas, nas mais longínquas terras do Douro Superior e na zona mais oriental da mais vetusta região vitivinícola demarcada do mundo, uma janela aberta para o rio Douro que serpenteia entre vinhas que pespontam nas montanhas da serra do Marão. O mesmo traço sinuoso desenha a estreita estrada de acesso à propriedade até ao Ruby Folly – o promontório encimado por uma estrutura em forma de pagode construído por ocasião do 40.º aniversário de casamento de Alistair Robertson, o presidente da The Fladgate Partnership, e da sua mulher Gillyane Robertson.

Sob o teto do pequeno promontório, a paisagem estonteante do Douro vinhateiro conquista o olhar logo à primeira. De um lado, as vinhas plantadas em semicírculo – com a aplicação da técnica chamada de vinha ao alto ou plantação em bardos perpendiculares – de São Xisto – propriedade de 36 hectares, adquirida em 1990 (elevando par 191 hectares o total da Quinta de Vargellas) –, a oeste, fazem jus à geometria, fazendo lembrar um jardim francês. Do outro está a enigmática Quinta de Vargellas em forma de anfiteatro orientado a norte e ornamentado de vinhas em socalcos que escalam a encosta íngreme. No coração do anfiteatro estão a casa principal – de olhos postos no rio Douro e onde predomina o estilo britânico, acolhedor e servido na companhia da cozinha portuguesa harmonizada por um legado de Baco ímpar – , a adega e o casario que concentram, sobre si mesmo, uma mancha alva no meio do verde dos jardins circundantes e dos dourados do outono, na vinha, que preguiça até ao caminho ferroviário que, ainda hoje, serve a propriedade.

O cartaz de William Rushton representa a celebração dos três séculos de história da Taylor’s, desde a aquisição da propriedade das Lugar das Lages, por Bartholomew Bearsley

Na adega, as paredes e os lagares de pedra perduram no tempo, na companhia de cartazes do ano de 1985 e da autoria do artista britânico William Rushton, que retrata, com o típico humor inglês, ora a história sobre a primeira propriedade duriense adquirida, em 1744, por Bartholomew Bearsley, o mentor da Taylor’s, para a qual criou um peculiar símbolo que, ainda hoje, faz parte da imagem desta casa do Vinho do Porto; ora a estação ferroviária de Vargellas noutros tempos.

Segundo os anais, os melhores vinhos do Porto pertenciam, desde a década de 1820’, à Quinta das Vergellas composta por três parcelas – Vargellas de Cima, do Meio e de Baixo (esta ficou submergida após a construção da barragem abaixo do cachão da Valeira, em 1976) –, as quais foram adquiridas entre 1893 e 1896, ano em que passaram a ser uma só pela Taylor Fladgate & Yeatman, de Vila Nova de Gaia.

O vinhedo da propriedade serpenteia desde o cimo da encosta que preguiça até ao rio

Porém, o casario de hoje estava, naquele tempo, em ruína, cabendo a reconstrução dos socalcos e a replantação da vinha a Frank Yeatman, na qual as novas videiras foram submetidas à enxertia em bacelos americanos. O trabalho prosseguiu pelas mãos do filho, Dick Yeatman, especialista em viticultura que, em 1927 e 1935, plantou duas parcelas de vinha com uma única casta tradicional em cada socalco – ao contrário do que acontecia na época, em que a prática comum era misturar as diferentes castas – e ambas perduram na composição do vinhedo da Quinta das Vargellas, onde os socalcos mais antigos são compostos por duas filas, entre as quais se ergueram pequeno muros com escadas, que fazem a ligação de um talude para o outro, em representação de um passado construído com base no saber fazer e sob o rigor dos “nove meses de inverno e três de inferno”, enquanto, lá em baixo, junto ao rio, se ouviam as espadelas dos barcos rabelos a bater nas águas inquietas do Douro, enquanto transportavam os barris de Vinho do Porto até às caves, em Vila Nova de Gaia.

Já no presente, parte do vinhedo dos níveis superiores de Vargellas foi convertido para o novo modelo de vinha sustentável desenvolvido pelo responsável de viticultura nas propriedades da Taylor’s – bem como da Fonseca e da Croft –, António Magalhães, e por David Guimaraens. Composto por patamares estreitos, de talude em terra com apenas uma linha de videiras, construídos com o auxílio de equipamento laser. Este, por sua vez, garante a precisão do declive longitudinal de três por cento, com o intuito de assegurar a infiltração e, ao mesmo tempo, o escoamento da chuva em excesso prevenindo, assim, o risco de erosão, além de que facilita o corte mecanizado das ervas.

Este “Novo Modelo de Vinha para a Região do Douro” implementado, desde 2002, nas quintas do grupo, foi distinguido com o prémio BES Biodiversidade dedicado, pela primeira vez, à Biodiversidade e Empresas, em 2009. Eis o futuro no cultivo da vinha desenvolvido no seio de uma família com mais de três séculos na produção de Vinho do Porto. •

+ The Fladgate Partnership
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: A estação ferroviária de Vargellas, um retrato ilustrado pelas mãos de William Rushton

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