Nove anos após o seu regresso, Vincent Farges é, a partir de agora, o homem do leme do prestigiado restaurante do Fortaleza do Guincho, em Cascais, com uma Estrela Michelin desde 2001. O reconhecimento válido pela sua dedicação à gastronomia e à criatividade sem limites partilhada, até ao presente, com o seu mentor, o chef Antoine Westermann, numa justa homenagem aos produtos nacionais dentro de uma cozinha por onde têm passado nomes sonantes da gastronomia portuguesa.
Nascido em Rillieux la Pape há cerca de 40 anos, os prazeres do palato cedo o conquistaram graças à sua mãe, de quem guarda receitas.
Para mim, a minha mãe sempre teve jeito para cozinhar e desde pequeno gostava de mexer nas panelas, de andar no quintal com o meu pai. Fui criado no interior de França. Fui habituado a comer o que havia no quintal, o que de mais fresco havia no quintal, da pesca, da caça.
A cozinha é, apesar dessa rendição em tenra idade, uma paixão que tem de ser trabalha ao longo dos anos?
A gastronomia faz parte da cultura francesa. Com 12, 14 anos já sonhava ser cozinheiro.
“(…) trabalhei com Antoine Westermann, em Estrasburgo, com quem vim, em 1998, para reabrir a cozinha do Fortaleza do Guincho (…)”
Depois de Yssingeaux e Chamalières, onde concluiu o curso especializado em cozinha, a rota dos sabores segue para…
Trabalhei vários anos na Côte d’Azur, principalmente – primeiro na Provence e, depois, na Côte d’Azur, onde estive quatro ou cinco anos mesmo em grande. É uma região espetacular! Fui para Paris e voltei à Côte d’Azur e, depois, trabalhei com Antoine Westermann, em Estrasburgo, com quem vim, em 1998, para reabrir a cozinha do Fortaleza do Guincho, com um novo conceito. Fiquei um ano e meio por cá, depois fui para Marrocos, durante um três anos e meio e, mais tarde, para Atenas – foi uma passagem.
A gastronomia e o povo marroquino não o deixou indiferente…
O povo grego e o povo marroquino são o oposto. Em Marrocos chora quando chega, porque é um país muito diferente, e chora quando vai embora, com saudades. Foi uma grande experiência. Em 2005 regresso à Fortaleza do Guincho.
A cozinha portuguesa tem lugar marcado à mesa do restaurante do Fortaleza do Guincho sempre com um toque francês.
A cozinha do Fortaleza do Guincho é portuguesa. Não existe um prato francês na carta. A única “parte” francesa aqui existente é a técnica, podemos dizer que há uma mistura entre as duas cozinhas, ou seja, os pratos são feitos com produtos locais e a técnica francesa.
“Tenho de pegar nos produtos quando eles existem e não fora da época deles, porque estes não sabem a nada.”
Muda-se a estação, muda-se a carta.
Mais de uma vez por estação. O menu não muda de uma vez, mas vou mudando consoante os produtos, a sazonalidade dos produtos – do peixe do mar, da carne, e dos legumes. Tenho de pegar nos produtos quando eles existem e não fora da época deles, porque estes não sabem a nada.
De acordo com a carta do restaurante, a Quinta do Poial enquadra-se neste contexto de sazonalidade e de agricultura biológica.
Ela [Maria José Macedo] gosta de trabalhar o quintal e eu gosto de trabalhar os legumes. Há um linha definida entre os dois. Quando comecei a visitar a quinta e a vê-la a trabalhar no quintal, tudo aquilo fez-me lembrar o meu pai, que ia para o quintal depois de sair do trabalho.
Há espaço para tendências por aqui?
Isso é que se chama de moda e tudo o que está na moda, passa. Como a moda da cozinha molecular, que já passou…
O papel do escanção, Inácio Loureiro, é preponderante numa cozinha com uma Estrela Michelin desde 2001. A maridagem entre os vinhos e os pratos acontece desde o nascimento do segundo ou da entrada de um néctar de Baco para a garrafeira da fortaleza?
Depende. Geralmente, faço o prato e, depois, o Inácio é a primeira pessoa do serviço de sala a fazer a prova, para fazer a ligação entre o vinho e a minha cozinha. Já aconteceu o Inácio apresentar-me um vinho e tentamos arranjar um prato que combine com o vinho, além de que fazemos jantares vínicos aqui no restaurante. No fundo, a ligação entre mim e o Inácio, este trabalho de equipa, é muito importante.
“A partir do momento em que temos uma matéria prima ótima, conseguimos fazer um bom prato.”
A cozinha do restaurante do Fortaleza do Guincho é “pura”?
Não aprecio a cozinha com muitos produtos, muitas bolinhas, muitas gelatinas nem muitas espumas. Prefiro respeitar e enaltecer o produto, para que o cliente saiba o que está a comer, para que sinta o gosto real do produto. A minha cozinha é simples, mas justa, em relação à cozedura, ao sabor, à temperatura. A partir do momento em que temos uma matéria prima ótima, conseguimos fazer um bom prato. Faço o meu trabalho com muito amor.
Aprender e ensinar são caminhos percorridos por um chef. Como acontece esta partilha e troca de saberes numa cozinha como esta, do Fortaleza do Guincho?
Aprendo todos os dias. Todos aprendemos todos os dias. Com a família, com os passeios, nas viagens… De cada vez que comemos em sítios diferentes, aprendemos coisas novas. Vai à serra e conhece produtos novos, viaja e conhece produtos novos. Quem diz que já sabe tudo e não tem de aprender mais, está a mentir. •
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© Fotografia: João Pedro Rato