Cerca de três meses após o habitual fecho de portas, o restaurante São Gabriel reabre mais cedo e com boas novas no interior a poucos dias do chef Leonel Pereira apresentar as boas novas da estação à mesa.
Depois de reconquistar a estrela Michelin e de receber as notícias de que o subchefe João Viegas era vencedor da 26.ª edição do Chefe Cozinheiro do Ano 2015, sobre atribuição dos Três Sóis do Guia Repsol 2016 e de Luiz Silva, cozinheiro, granjear a 11.ª Revolta do Bacalhau, eis que o restaurante São Gabriel, em Almancil, em terras algarvias, apresenta uma nova vida, há muito desejada, graças aos interiores, assinados pelo arquiteto de interiores Tito Sampaio, reportam para a Provence francesa.
Entre peças de mobiliário novo e as recuperadas, as formas e os tons suaves denotam o estilo clássico francês aliado ao conforto na sala composta por pequenos recantos que tornam o restaurante um espaço intimista e discreto, para que os apreciadores da cozinha “irrequieta” do chef algarvio se sintam em casa. E antes de passarem à mesa podem desfrutar de uma bebida de boas vindas no bar.
Já à mesa, e a poucos dias do fim, Leonel Pereira apresentou-nos o menu de degustação de inverno de sabores que sublimam o genuíno e enfatizam a descomplicação no prato, e estão alinhados com a criatividade tão expressiva do chef algarvio que “levantou o véu” a respeito da carta de primavera, repleta de boas novas que, só de ouvir, já acicatam a curiosidade e o palato, com o devido respeito pela sazonalidade de cada produto neste roteiro de sabores algarvios complementado com memórias de infância.
Para iniciar o repasto cuja rima de sabores dão o consolo à alma neste dias de inverno, é dado início ao quarteto de manteiga simples com flor de sal, a viciante manteiga de umami com limão, o azeite de origem alentejana o flat bread de orégãos, com um serviço pautado pela cordialidade e pela sintonia com a apresentação de cada prato.
De Baco chega à mesa o branco da José Maria da Fonseca com a assinatura Chef Leonel Pereira 2014, um blend feito a partir das castas Viosinho, Antão Vaz e Arinto, para acompanhar o primeiro amuse bouche.
Tártaro de robalo de linha e óleo de lula com dois anos de cura
Composto por tártaro de robalo de linha e óleo de lula com dois anos de cura, divertiu o palato graças à refrescante e interessante abordagem do robalo servido sob meio limão, que deu a acidez q.b. na boca.
Foie gras e torresmos de porco bísaro numa falsa medula e pão de alfarroba
Seguiu-se o foie gras e torresmos de porco bísaro numa falsa medula e acompanhados por pão de alfarroba – elemento que ajudou a intensificar os sabores dos primeiros dois ingredientes – e alfazema – não para degustar, como é óbvio, mas “Qual será, afinal, a razão para fazer parte da composição?” perguntará o leitor.
A canja de galinha é uma das reminiscências do chef à mesa
Dos tempos de menino de Leonel Pereira eis que foi servida a canja de galinha, com o sabor genuíno deste prato, que terá origem indiana. O ovo, o coração de galinha, a pele de galinha desfiada e crocante e a hortelã estão bem presentes sendo, por conseguinte, uma verdadeira sonata aos dias frios de inverno.
O fitoplâncton, a vieira e o nabo de raiz forte
Do mar veio o fitoplâncton – uma vez mais, a ode à ria Formosa –, a vieira e o nabo de raiz forte, prato com um sabor indescritível e cuja companhia de truz foi atribuída ao Lavradores de Feitoria Três Bagos Sauvignon Blanc 2014 pelas mãos de Vítor d’Avó.
O molho de funcho e a casca de laranja amarga foram primordiais neste prato de salmonete
Ainda em águas atlânticas, Leonel Pereira apresentou o saboroso salmonete de Sagres cozinhado a 48°, molho de funcho assado, cogumelos chanterelle e casca de laranja amarga, sendo a harmonização com o branco de Lavradores de Feitoria uma muito boa opção.
O satírico, e muito saboroso, pombo royal
Por sua vez, o douriense Quinta de Cidrô Touriga Nacional, da Real Companhia Velha foi o eleito para receber o pombo royal de Leonel Pereira, outro dos pratos que denota o arrojo do chef algarvio, e no qual a pata e o peito apresentam-se confitados ao lado dos cogumelos trompettes de la mort e da reprodução da moela feita a partir de milho – a alimentação destas aves – e com uma componente doce, para contrastar com o sabor dos primeiros dois ingredientes.
O leitão bísaro acentua o gosto de Leonel Pereira por esta raça autóctone transmontana
Ainda em terra, chegou o leitão bísaro – que levou 30 horas a cozinhar a baixa temperatura –, puré fermentado a cem por cento, batata abaunilhada, torresmo de porco bísaro e couve roxa fermentada a 50 por cento, um prato que “não é para imitar o leitão à Bairrada”, salientou Leonel Pereira, mas para desafiar o palato, conquistado à medida em que era saboreado.
O black angus americano, a chalota e a abóbora
Do vinho, a sugestão de Vítor d’Avó recaiu num Quinta Roriz Reserva 2006, um duriense feito a partir de Tinta Roriz, Touriga Franca e Touriga Nacional que partilhou, na perfeição, o palato com o black angus americano com 21 dias de maturação num prato em que a chalota caramelizada e a abóbora de duas texturas marcam, e bem, presença.
Os frutos secos e o molho de rosas com o queijo stilton são como que a cereja no topo do bolo
Eis “a sobremesa improvável”: Gelado de rosas sob a tampa que guardava, dentro do recipiente secreto, um stilton ornamentado com frutos secos e um molho de rosas a acompanhar. Uma surpresa para os presentes, o sabor do molho com os frutos secos atenuou o aroma intenso do queijo.
Venha o chocolate e a beterraba para rematar o repasto
E como o doce nunca amargou, houve uma segunda sobremesa para rematar o repasto, na companhia de um Morgadio da Calçada LBV 2009, um Vinho do Porto desenhado por Dirck Niepoort, a qual tinha o chocolate e a beterraba como ingredientes principais, cuja combinação é de arromba.
Tudo boas razões que valem a viagem a terras algarvias ou não fosse a cozinha do chef Leonel Pereira (leia entrevista aqui) uma (re)descoberta constante. Bom apetite! •