Dezembro de 2017 foi o mês da celebração dos dois séculos da construção da mais antiga adega desta propriedade ribatejana, ocasião assinalada pela apresentação dupla báquica baptizada com o nome do primeiro registo vínico oficial “da casa”: Falcoaria.
O corredor da velha adega datada de 1817
É na margem esquerda do rio Tejo, mais concretamente em Almeirim, na Região dos Vinhos de Lisboa, que vamos encontrar a Quinta do Casal Branco. A propriedade que se mantém nas famílias Braamcamp Sobral e Lobo de Vasconcellos desde 1775, ano em que Anselmo Cruz Sobral recebeu estas terras agrícolas da coroa portuguesa é, hoje, representada por José Lobo de Vasconcelos, co-proprietário e um dos seus administradores da quinta.
Já no terreno, a quinta totaliza 1100 hectares divididos entre produção agrícola e animal – criação de gado e de cavalos Puro Sangue Lusitano –, dos quais 119 hectares (33 de uva branca e 86 de uva tinta) estão ocupados com várias parcelas de vinha plantada em solos franco-arenosos supervisionados pela equipa de enologia, uma das quais é conhecida por “Vinha do Tojal” ou “Vinha Velha”. Esta designação deve-se aos seus mais de cem anos de existência, património vivo cuja lista é complementada pela adega – um corredor com 60 metros de comprimento e constituído por duas fileiras de depósitos de cimento contíguos – cujo bicentenário foi comemorado em Dezembro passado. Ao lado há outro corredor de depósitos de cimento e ambos dão acesso ao enorme espaço confinado à recepção da uva outrora feita por meio de carros de bois e retirada directamente para os lagares de pedra com o auxílio de uma forquilha, fazendo o engaço parte da feitura do vinho.
Agora, a recepção da uva é feita através de transporte mecânico, seguindo-se o desengaçador e, depois, os lagares, onde ainda é feito a pisa pé. Ao contrário do que é esperado, as uvas continuam a ser pisadas com o pé na época das vindimas, apesar da adega ter vindo a ser, com o tempo, remodelada e adaptada, a fim de implementar as novas tecnologias exigidas na área da produção vínica.
Da arte da falcoaria nasceu o vinho
Joana Silva Lopes, enóloga residente, Manuel Lobo de Vasconcellos, responsável pela equipa de enologia, e José Lobo de Vasconcelos, co-proprietário da Quinta do Casal Branco
Tendo em conta a data da antiga adega da propriedade, a produção vinícola começou em 1817, tradição que perdura na história da Quinta do Casal Branco outrora pertencente à Coutada Real de Almeirim, lugar de faustosas caçadas do século XVIII. De tempos tão antigos permanece intacto o pombal datado do século XVI, o testemunho da prática da falcoaria, arte cujo nome foi dado ao vinho da colheita de 1989, o primeiro a ser produzido e engarrafado na Quinta do Casal Branco. Já o registo oficial aconteceu em 1990.
Falcoaria é o nome atribuído à dupla vínica que celebra o bicentenário da sua primeira adega. Desenhada por Manuel Lobo de Vasconcellos, enólogo responsável e sobrinho de José Lobo de Vasconcelos, Joana Silva Lopes, enóloga residente, este dueto divide-se em Falcoaria Grande Reserva tinto 2015 e Falcoaria Colheita Tardia 2014 e promete reforçar a expressão do terroir desta propriedade ribatejana. Quanto às castas, o primeiro é feito a partir das tintas Alicante Bouschet e Syrah colhidas na “Vinha Velha” – parcela essa que foi submetida, em 2014, a uma restruturação supervisionada por Manuel Lobo de Vasconcellos, com o objectivo de explorar o potencial deste património genético centenário –, enquanto o segundo é elaborado com as uvas brancas Viognier e Fernão Pires, a casta rainha da propriedade.
Sobre as castas da Quinta do Casal Branco, cabem ainda na lista as portuguesas Castelão, Touriga Nacional, Sousão, Alfrocheiro e Aragonês, para além das internacionais Cabernet Sauvignon, Merlot e Petit Verdot, nas tintas, bem como as brancas Alvarinho e Gouveio, no grupo das nacionais, e a Sauvigon Blanc, na fileira das internacionais.
Experiências vínicas à mesa
Vinhos à prova: Falcoaria Clássico tinto 2014, Falcoaria Fernão Pires 2016, Falcoaria Grande Reserva tinto 2015 e Falcoaria Colheita Tardia 2014
Porque as boas novas são sempre motivo para festejar, foi feita a prova de quatro vinhos. A começar pelos brancos, o primeiro foi o Falcoaria Fernão Pires 2016, um monocasta feito a partir de uvas de Fernão Pires de vinhas com mais de 65 anos. De acordo com a equipa de enologia, a fermentação ocorreu em depósitos de cimento e, a meio, o mosto foi para as barricas de carvalhos francês (metade novas e metade usadas) onde terminou a fermentação e foi submetido ao estágio sur lie (em contacto com as leveduras) com bâttonage (o vinho é mexido com o auxílio de uma vara de madeira) durante oito meses, seguindo-se a execução do lote e engarrafado o vinho.
Nos tintos, provou-se o Falcoaria Clássico tinto 2014 feito a partir das castas Castelão (de uma vinho com mais de 50 anos), Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon (de uma vinha com mais de três décadas) e Petit Verdot cujo estágio durou entre 12 e 14 meses em barricas novas (50%) e usadas (50%) de carvalho francês; e a primeira versão do já mencionado Falcoaria Grande Reserva tinto, desta feita da colheita de 2015, uma edição especial para celebrar esta ocasião dos 200 anos da antiga adega da Quinta do Casal Branco, em que a fermentação ocorreu nos lagares, onde foi feita a pisa a pé, seguindo-se o estágio em barricas novas (85%) e usadas (15%) durante 18 meses.
A juntar ao trio acima descrito, e para terminar uma refeição tranquila, foi servido o Falcoaria Late Harvest 2014, a respeito do qual Manuel Lobo Vasconcellos sublinhou “não deixámos a nossa casta mais querida de fora” referindo-se a Fernão Pires que, juntamente com a Viognier, foram colhidas aquando da altura em que o registo da podridão nobre das uvas estava no ponto exacto. Na adega, a fermentação e o estágio decorreram em barricas de carvalho francês usadas ao longo de 24 meses.
O enoturismo e a herança da coudelaria
A arte equestre é uma das tradições que se mantém nesta propriedade secular
Mas a história não termina aqui, pois há que falar acerca das experiências criadas à volta do vinho. Referimo-nos ao enoturismo, uma prática que começou em 2004. No programa constam a visita e a prova base ou a visita e um de três tipos de provas comentadas, para além do “Programa Lezíria” – inclui almoço confeccionado pelas cozinheiras da quinta, o qual vale muito a pena experimentar – e do programa dedicado às vindimas (para mais informações, contacte filomenajusto@casalbranco.com).
A somar a esta lista de actividades está a apresentação equestre que se realiza nos jardins da Casa Lobo de Vasconcellos e durante a qual há a possibilidade de experimentar montar a cavalo sob a supervisão de experientes cavaleiros da Escola Portuguesa de Arte Equestre. Afinal, estamos em território ribatejano e na Quinta do Casal Branco a história da coudelaria remonta a D. Luís de Mello Breyner, o 2.º Conde de Sobral, que dedicou uma vida aos cavalos. A actividade resultou na obtenção de prémios dentro e fora de portas, e ganhou maior impacto na geração seguinte, com D. Hermano José Amalric Braamcamp de Mello Breyner, o 3.º Conde de Sobral, fundador do Turf-Club, projecto que permitiu a criação de infraestruturas para a criação e ensino de cavalos puro sangue lusitano.
A tradição manteve-se na família e perpetua no tempo ao lado da produção agrícola, da criação de gado e da produção de vinho sobre a qual José Lobo de Vasconcelos frisou: “Diminuímos em quantidade, mas ganhámos em qualidade.” Brindemos, neste caso, com Monge, o espumante da Quinta do Casal Branco. •