Viagem gastronómica de Norte a Sul e os produtos da região / Largo do Paço

A combinação de sabores e de cores vivas da autoria do Tiago Bonito são uma espécie de ode ao Verão. Ao mesmo tempo, a nova carta denota a irreverência e a criatividade do chef do restaurante do hotel de charme Casa da Calçada, em Amarante.

A carta estival do elegante Largo do Paço, o restaurante premiado (1 estrela Michelin) partilha, com a Casa da Calçada, os exigentes requisitos da cadeia internacional Relais & Chateaux. Com os clássicos menus de degustação Identidade e Caminhos, Tiago Bonito expressa a sua paixão pela cozinha e a criatividade a que nos habituou à mesa.

Segundo o chef natural da Carapinheira, em Montemor-o-Velho, no distrito de Coimbra, o Caminhos “é um menu que remete as minha experiência profissional, as várias etapas, as regiões, o caminho que percorri até chegar a Amarante”. Ou seja, é o convite para embarcar numa viagem de Norte a Sul do país, “pois foi este o meu percurso e está presente neste menu”, explica.

No menu Identidade cada letra representa um mandamento da sua cozinha. É a expressão da evolução, do produto, do conhecimento, do sabor, da tradição, do ADN que traduzem a vida de Tiago Bonito enquanto cozinheiro, bem como a essência da Casa da Calçada.

O desvelo com o produto é um dos mandamentos do chef. No que ao peixe diz respeito, Tiago Bonito revela que trabalham com várias lotas – Peniche, Sagres, Matosinhos e Ilha Terceira. “Queremos sempre o melhor produto e o mais fresco.” Já a proveniência da carne é de um fornecedor local que também tem produção própria, além de que “nos ensina e nos ajuda no desenvolvimento do nosso produto final”. O porco bíscaro, raça autóctone transmontana, é outro dos ingredientes da carta do Largo do Paço, em relação ao qual revela ter “projetos em desenvolvimento”.

A viagem gastronómica é uma partilha constante com a carta de vinhos constituída por 301 referências de todas as regiões de Portugal Continental e Ilhas, para além do champanhe. A harmonização está nas mãos do escanção David Teixeira, que tem a responsabilidade do trabalho contínuo da permanente descoberta de novos e antigos néctares de produção portuguesa.

O caviar imperial, as azeitonas e os tacos mexicanos

Corvina, natas ácidas e caviar imperial. Foi acompanhado com Portal da Calçada feito a partir de Loureiro e Arinto, castas autóctones da Região dos Vinhos Verdes, onde está inserida Amarante e, por conseguinte, os vinhos da Casa da Calçada Relais & Chateaux, produtor de vinho em Amarante desde 1917

Sentemo-nos à mesa. As saudações do chef marcam o início da experiência. A escolha recaiu no chá fermentado de maracujá, fruta tropical e da estação que simboliza o Verão. Ao aroma doce e fresco junta-se a acidez deste que é também a “fruta da paixão” em representação da paixão de Tiago Bonito pela sua profissão, pela cozinha portuguesa. “Já testamos outros sabores, como o da maçã Granny Smith, da fava tonka e do manjerição. E temos feito com chá verde e chá preto. Os resultados têm sido ótimos.”

O pão continua a ser um dos produtos principais à mesa do Largo do Paço. A novidade é o de algas, com um sabor cativante, mesmo para os pequenos apreciadores da boa mesa.

Para abrir o apetite entrou em cena a corvina marinada com natas ácidas e caviar imperial. Uma mescla de sabores baseada no equilíbrio que logo seduziu o palato. À parte disso, o caviar continua a ter “um papel importante” na carta do restaurante da Casa da Calçada. “Usamos sempre produtos premium com sensibilidade, pois não queremos que sejam mais valorizados do que os restantes. São usados como apontamento, como é o caso”, justifica o chef. Até porque Tiago Bonito reforça a sua função de valorizar outros produtos e os seus produtores, de proporcionar uma experiência gastronómica aos clientes da Casa da Calçada e do Largo do Paço para que, “num menu, possa ir de norte a sul de Portugal com a nossa cozinha”.

As azeitonas explosivas de Tiago Bonito destaca um dos produtos mais importantes da região

No momento seguinte serviram-se as azeitonas. A ideia surgiu na representação de um dos dois produtos mais importantes da região. “Como estamos na fase dos aperitivos, criámos duas azeitonas diferentes, mas que a sua base é o Dry Martini e, claro, queremos causar alguma provocação”, justifica.

O toque salero para abrir o apetite

Seguiu-se o momento de salero, com os saborosos e estaladiços q.b. tacos mexicanos com torta de vitela e espuma de rábano, que lhes confere um ligeiro toque picante, e duas esferificações de trufa.

Portugal no prato… com um desvio em bom

O jardim do chef é uma homenagem à sua mãe. Para acompanhar, David Teixeira escolheu Torre do Frade branco 2015, vinho regional alentejano elaborado apenas com Viognier, que combinou com a frescura deste amuse-bouche

Iniciemos o roteiro de lés a lés com dois momentos do menu Caminhos. O primeiro foi o jardim do chef, “uma à minha mãe, pois ela é uma amante de flores, adora campo e a sua horta. Pensei colocar essa dedicação e essa paixão num prato; daí nasceu o jardim, um canteiro onde temos legumes, ervas aromáticas, brotos e flores”. À mesa, esta mão cheia composta por verduras, brotos e amêndoa verde é regada com infusão de camomila “que traz as recordações de infância nas pastagem dos campo do Mondego”, conta Tiago Bonito.

O carabineiro de Sagres, com gel de fitoplancton, falso tomate recheado de ostra, caneloni de pepino, pó de açafrão e molho de água de tomate verde, prato cheio de frescura em perfeita harmonia com o sabor a mar. Ou a representação da passagem do chef por terras algarvias.

O desvio provocador e muito saboroso do prato de wagyu, estrago, ovo biológico e citrinos. A harmonização coube a Terras do Avô Grande Reserva branco 2014 feito com a variedade de uva portuguesa Folgazão, com uma mineralidade que fez jus ao prato

Wagyu com o picante do queijo da ilha e do alho fermentado, ovo biológico, o estragão e o crocante da batata soufflé, do menu Identidade, uma provocação que tão bem conquistou o palato pela ousadia mas, sobretudo, pelo sabor.

Cherne ao sal, gamba do Algarve, salicórnia e caldeirada, a ode à costa sul de Portugal com Monte da Peceguina rosé 2017, com Touriga Nacional, Aragonês e Tinta Miúda

De volta ao(s) Caminhos do chef, foi servido o Cherne ao sal, com gamba do Algarve, açorda de marisco, feita com pão alentejano, crustáceos e bivalves, gema de ovo e coentros, salicórnia e caldeirada. Uma verdadeira viagem pela costa algarvia sem sair da mesa.

Vitelão barrosã, rúcula selvagem, alcachofra e beterraba que esteve bem com o Primado tinto 2010, um vinho DOC Dão cuja composição contém as castas Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro e Jaen

A Identidade veio a seguir, com a suculenta vitelão barrosã – carne certificada e cujo habitat é o planalto do Barroso e do Minho – com rúcula selvagem, alcachofra e beterraba, sabores da terra culminados pelo puré de alho e molho de vinho tinto. O reflexo da infância do chef e uma ode aos sabores intensos da terra.

O mel do Marão é um tributo a este produto proveniente da serra retrata em “Um Reino Maravilhoso”, livro da autoria de Miguel Torga. Do lado de Baco, veio à mesa o Blandy’s 10 anos Malmsey (ou Malvasia), um Vinho da Madeira doce que foi de truz com a sobremesa

Foi também desta região que quis realçar outro produto: o mel do Marão. À sobremesa, este é acompanhado de espuma de chá Earl Grey, um sorbet de rum e limão tendo, este dois últimos, contribuído para a frescura deste prato e uma surpresa para as papilas gustativas, uma vez que pouco tem de muito doce.

O café, para terminar o repasto, o chocolate e o gelado de framboesa. Vinho do Porto Graham’s 10 anos

O repasto terminou com café gelado. Os sabores do cacau, da framboesa e da pimenta rosa simbolizam a memória dos tempos em que Tiago Bonito esteve em Chicago, nos Estados Unidos da América.

No desfecho, Tiago Bonito expressa quão importante é impulsionar o gosto pela gastronomia e pelos produtos portugueses nos mais novos: “É ter contacto direto com o produtor, levar a conhecer as origens dos produto, ver como é feito, colocar as mãos na massa. Ir à padaria ver como se amassa o pão, deixar fazer, mostrar o processo e provar na hora, sentir o cheiro a farinha torrada… Foi assim que comecei e me apaixonei pela cozinha. Acho que é a melhor forma de dar valor.” E a melhor forma de conhecer a multiplicidade de sabores que há no país e, quem sabe, no mundo inteiro.

O Canto Redondo e o novo restaurante da Casa da Calçada

O restaurante Largo do Paço está aberto de terça-feira a sábado, entre as 19h30 e as 22h30. Ao almoço estão abertas as portas do novíssimo Canto Redondo, com uma decoração elegante, que reporta para finais do século XIX.

É ir! bom apetite! •

+ Restaurante Largo do Paço
Legenda da foto de entrada: Carabineiro de Sagres, bivalves, coral e citrinos é outro dos pratos que representa a frescura e a vivacidade dos sabores marinhos algarvios, no menu Identidade, acompanhado por Quinta do Vallado Reserva branco 2016

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