Enólogo de profissão, fermentador por paixão, o mais novo da dupla de irmãos, que representa a sexta geração da casa José Maria da Fonseca, fala sobre a sua Colecção Privada, a pedagogia associada a esta gama de vinhos criados em liberdade e as experiências que tem vindo a fazer ao longo da sua vida dedicada ao mundo vitivinícola.
“Penso que foi em 1998. Nessa altura tínhamos uma pessoa a trabalhar na parte de vendas, que percebeu que eu ia começar a mostrar monocastas, inovações… e criou-se algo que eu pudesse fazer diferente. Foi aí que surgiu a Colecção Privada Domingos Soares Franco.” A explicação é dada por Domingos Soares Franco, responsável, desde a década de 1980, pela equipa de enologia e Vice-Presidente da José Maria da Fonseca. A casta branca Chardonnay foi a primeira variedade de uva eleita para este projecto. O objectivo inicial consistia em apresentar os atributos de castas plantadas na região vitivinícola da Península de Setúbal, consoante os solos em que eram vindimadas – “ou nos argilo-calcários, junto à serra, ou nos arenosos, na planície” –, e simultaneamente, “dar ao consumidor algo representativo da região, das castas”, ou seja, educar o palato de quem bebe vinho. Por isso, “nenhuma destas castas vai à madeira”, esclarece.
É o caso do Colecção Privada DSF Verdelho 2020 (€9,90), apresentado em Março deste ano. As varas, de onde foram colhidas as suas uvas, são provenientes da Ilha da Madeira. “Gosto de dizer que é [Verdelho] português”, sublinha Domingos Soares Franco, porque nada tem a ver com o Verdejo, da vizinha Espanha. Está plantado em solos argilo-calcários e dá origem a um aromático, com menor acidez, quando comparado com o Verdejo, e uma ligeira salinidade e frescura típica da casta, que apetece acompanhar com saladas, um risotto de cogumelos.
Neste alinhamento, há três boas novas. O Colecção Privada DSF Moscatel Roxo 2020 (€9,90), outro exemplo a entrar neste alinhamento, para beber na companhia de uma boa conversa ou harmonizar com pratos de peixe grelhado. Sobre a casta Moscatel Roxo, o enólogo anuncia que “até há três ou quatro anos, não havia quantidade suficiente desta casta”, mas agora “está fora de perigo”.
Já o Colecção Privada DSF Riesling 2020 (€9,90) é feito a partir desta casta internacional, vindimada numa vinha plantada em 2008, a 630 metros de altitude, em Sabrosa, na região do Douro. “É um vinho de mesa, porque as uvas vêm do Norte, e vêm de noite, para virem o mais frescas possíveis”, esclarece e revela que haverá, ainda, a colheita de 2021 de Riesling. “Para mim, é um dos melhores Rieslings portugueses.”
Colecção Privada DSF Cabernet Sauvignon Malbec 2017 (€14,90) é outra das novidades. “2017 é, para mim, até agora, uma das melhores colheitas deste milénio”, afirma Domingos Soares Franco, contado que foi na Argentina que ficou fã da casta Malbec. As uvas desta casta foram colhidas numa vinha de António Soares Franco, “que esperou uns 12 anos, para mostrar o que valia”. A Cabernet Sauvignon provém de duas vinhas situadas na Serra da Arrábida: uma situada a nascente e outra a poente.
A inovação e a experimentação na enologia
“Mais tarde, comecei a fazer lotes malucos, vinhos malucos! Alguns não estavam previstos na legislação, como, por exemplo, o [Alambre] Ice. Foi o vinho que fiz há uns dez anos.” A vinificação teve como base o Moscatel Roxo de Setúbal de 20015, ao qual foi extraído o volume de álcool, passando de 18 por cento para cinco por cento de volume, com o auxílio de uma máquina própria para o efeito. “Depois refermentei-o até aos 8,5 °C e engarrafei numa garrafa de meio litro parecida com o Champanhe, mas sem a rolha de Champanhe. Devido à viscosidade do vinho, o gás não saía, mas, na boca, sentíamos o gás. Saiu como vinho de mesa.” De acordo com a ficha técnica do Almabre Ice, a longevidade deste vinho não está prevista ou não fosse esta uma das muitas experiências do também mais novo de dois irmãos representantes da sexta geração da família que está à frente da José Maria da Fonseca – o mais velho é António Soares Franco, Presidente da empresa.
“Houve outras invenções que fiz, e ainda estou a fazer, embora já esteja meio reformado”, continua Domingos Soares Franco. Imparável, o responsável pela equipa de enologia da José Maria da Fonseca, ou fermentador, como se auto-intitula, dá conta de outras experiências: “este ano fiz uma coisa, que não sei o que deu. Quando for para o mercado direi: ‘ora aqui está mais uma daquelas experiências, que não está prevista na legislação’. Houve uma outra que também não está prevista na legislação. Há uns anos guardei Tinto Cão – é uma uva com casca grossa, que aguenta intempéries –, para vindimar a 2 de Janeiro do ano seguinte. Ía apanhar o vinho num ano, quando, na realidade, a uva era do ano anterior. Este não consegui fazer, porque caiu uma carga de água e pedra, que a uva caiu no chão. Perguntei ao presidente do IVV o que poderia declarar-se daí e ele respondeu: ‘Oh pah, só tu para me arranjar coisas que não estão na legislação para resolver!’ E eu respondi: ‘Isso só mostra que a legislação é feita por alguém que está sentado à secretária e não alguém que está no campo.’”
O que traduz esta Colecção Privada? “A minha loucura! A minha irreverência! A minha experimentação! O meu carinho por este meio.” A sua entrega ao mundo dos vinhos é tão grande, que, muitas vezes, acorda a pensar em inventar vinhos, a inovar, a encontrar castas novas, descobrir outras, esmiuçar as que se encontram em vias de extinção. “Na reforma, vai custar-me abdicar destes pensamentos, que estão permanentemente a vir à cabeça, e ainda bem que vêm à cabeça, mas, às vezes, torna-se uma loucura. Pode ser que se faça inovações numa vinha ou numa adega, para mostrar ao consumidor que a gente consegue fazer. Há gente mais nova que faz, mas tem medo de mostrar. Como sou uma pessoa – conforme os meus filhos me dizem – que tem poucos filtros, mostro! Às vezes posso ir longe de mais, mas cá estou eu para resolver o problema.”
E se, em vez de uma loucura, for uma intenção pedagógica da parte de Domingos Soares Franco de mostrar como as castas podem “falar por si”? “Foi um bocado de pedagogia. Quando mostrava aos meus amigos enólogos – estou a falar do princípio dos anos 1990, quando éramos meia dúzia deles –, em que falávamos uns com os outros, coisa que não acontece agora, na altura, era por pedagogia. Já não conheço a nova geração. Às vezes pensam que são a última coca-cola do deserto e depois digo: ‘vocês vão dar tanta cabeçada nas paredes até lá chegarem!’ Acho que já não é pedagogia para eles, portanto, quem sou eu para pensar que já sei tudo. Quando tirei o curso, pensei que quando chegasse aos 65 anos sabia tudo. Estou com 65 anos e só sei que nada sei e que essa ideia estava totalmente errada. Nós não sabemos tudo, nunca saberemos tudo e todos os dias aprendemos. Os meus amigos estão quase todos reformados, mas, mesmo assim, ouço-os, vou aprendendo com eles. Dos da nova geração, dos que eu escolho, ainda vou aprendendo alguma coisa.”
Sobre a aprendizagem enaltecida ao longo de muitos anos dedicados ao vinho, Domingos Soares Franco revela as castas que mais gostou de trabalhar. A Touriga Francesa, como lhe chama, ao invés de Touriga Franca, é a eleita na lista das uvas tintas. “Nada de Touriga Franca! Penso que ganhei a guerra! Há regiões do país que, penso, estarem autorizadas a chamar a casta de Touriga Francesa. Pelo menos, o Douro, onde ela nasceu e onde se debateram, e eu, em conjunto com o Douro, com amigos meus, colegas, meus, me debati. Pelo menos, a primeira batalha está ganha. A Touriga Francesa é aquela que, para mim, é a rainha das castas tintas portuguesas. Se for plantada no sítio certo e feita da maneira correcta, ganha à Touriga Nacional.” Em breve, sairá, no mínimo mais uma colheita feita a partir de Touriga Francesa, com o rótulo Colecção Privada DSF.
As castas favoritas e o Sol(e) de 1999
Nas castas brancas, destaca o potencial da casta Alvarinho. Esta tem-na plantada, desde a década de 1950, na região vitivinícola da Península de Setúbal, graças ao tio, António Porto Soares Franco, e ao pai, Fernando Soares Franco. “Continuo a usá-la” e acrescenta o prazer que tem em provar os melhores Alvarinhos, que estão em Monção, referindo o trabalho do produtor e enólogo Anselmo Mendes e da empresa familiar Soalheiro.
Em relação ao futuro, Domingos Soares Franco tem já preparado um vinho elaborado com a variedade de uva branca Sarigo, da colheita de 2021. “Vai ser para dar a provar uma casta que ninguém fala, porque está quase extinta.” Foi vindimada na vinha velha, datada de 1952/1953, da Adega José de Sousa. “Não tem inoxs. Foi ao pote.” Esta história vai de encontro com o trabalho que tem vindo a ser feito na Adega José de Sousa, desde 1986, após a compra desta casa pela José Maria da Fonseca, onde o enólogo responsável se dedica ao processo de vinificação na talha.
As surpresas persistem no âmbito da Colecção Privada de Domingos Soares Franco. É o caso de Colecção Privada DSF Moscatel Sole (€39,90), da colheita de 1999, “que me esqueci e fui encontrá-lo no início deste ano. Assim que o provei, disse logo que tinha de ir para a rua!” A fermentação deste vinho foi parada com o lote constituído por duas aguardentes: 70 por cento de Armagnac e 30 por cento de Cognac. A ideia de misturar as duas aguardentes foi sugerida por João Nicolau de Almeida – outro grande nome do vinho em Portugal. O envelhecimento ocorreu em cascos de madeira usados até 2021. “É o melhor casamento do que as aguardentes a cem por cento.” Sole significa Sol em latim, porque “há vinhos que parecem que o sol está a nascer por detrás da serra”, retrata Domingos Soares Franco.
“Agora não vou repetir. Não vou esperar 22 anos, para apresentar outro!”
Brindemos!