É uma das “imagens de marca” de França e a empresa espanhola Mantequerías Arias sabe-o bem. Por isso, foi buscar esta lenda do mundo queijeiro, para assumir a função de embaixador dos mais prestigiados queijos do mundo.
Familiarizado com os queijos desde a infância Roland Barthelémy, cedo comprou uma leitaria, converteu o espaço numa queijaria de renome, aprimorou a técnica da ainfação deste produto lácteo e tornou-se o embaixador dos queijos franceses. O conhecimento somado ao longo dos anos, elevou Roland Barthelémy a figura maior na Confraria Internacional dos Mestres Queijeiros e júri em diversos concursos de queijos do mundo inteiro.
Na condição de embaixador da Haute Formagerie, da espanhola Mantequerias Arias, seleccionou 15 queijos de produtores familiares distinguidos em certames internacionais de grande prestígio, que se estreiam em Portugal, para serem apreciados por cá. É o caso do azul Saint Agur, do Epoisses Berthaut, de pasta mole, do Rogue River Blue, do Oregon nos Estados Unidos da América, ou do Bouchon, com a sua forma peculiar, são algumas das pérolas queijeiras que fazem parte dessa lista e, quem sabe, da consoada que se avizinha, para harmonizar com tão bons vinhos que por cá se fazem. E queijos nacionais, claro! Mas vamos à entrevista.
Roland Barthelémy comprou a primeira queijaria, em 1972, em Paris. Como eram aqueles tempos?
Em 1971, era muito, muito jovem. Tinha 22 anos. Tive a oportunidade de comprar uma leitaria. Os proprietários de então estavam na reforma, mas queriam muito que esta pequena leitaria continuasse a existir. Eu não tinha dinheiro. De todo! Eles confiaram em mim e conferiram-me o crédito, de seis anos, para eu poder comprar aquele espaço, que, à época, vendia manteiga, leite, conservas, açúcar, vinagre. 1971 era uma época de mudança no que diz respeito aos hábitos de consumo, em França. Tinham muito bom queijo. Aliás, eram muito reputados por causa do queijo. Mas também foi uma época marcada pelo surgimento das grandes superfícies. Por isso, as pequenas leitarias começaram a desaparecer. Fui influenciado pelo meu mestre, o senhor Pierre Adrouët, que fundou a Confraria dos Queijos. Fui muito influenciado por ele que decidi ser afinador de queijos. É a ele que devo o facto de ter ficado com a leitaria. Ele disse-me que se continuasse com a leitaria, estaria condenado a desaparecer, mas se me tornasse um afinador de queijos, aí sim, teria a capacidade de conquistar uma grande clientela que procurasse queijos de qualidade e que viesse de toda a França e do outro lado da fronteira. Foi isso que eu fiz. Além de desenvolver o negócio da afinação, organizei eventos ligados ao queijo.
Continua a executar a função de afinador de queijos?
Nas décadas de 1960 e 1970, em França, o queijo era considerado um produto de grande consumo, mas faltava a parte de se tornar um produto perfeito. O consumidor começou a aperceber-se que, afinal, havia bom queijo, graças às suas qualidades organolépticas. Esta é a magia da afinação. Houve até um jornalista que escreveu “a loja de queijos Barthelémy é a caverna do Ali Babá”!
Podemos dizer que essa complexidade que o queijo ganha, graças à afinação, é comparável ao que se faz com o vinho?
Absolutamente! Em apenas quatro anos, tornei-me o afinador oficial do Primeiro-Ministro e de ministros de França. Em 1974, o Presidente da República de então, o senhor Valerié Giscard d’Estaing. Ele escolheu-me para essa função, porque a sua mulher viu-me numa revista e comprou do meu queijo. Desde então, fui afinador de queijos de quatro presidências da República, com Valerié Giscard d’Estaing, Jacques Chirac e Nicolas Sarkosy. Acompanhava-os nas suas viagens oficiais. Se, hoje, o senhor Macron vier a Portugal, ele convida um Chefe de Estado – o Presidente da República, o Primeiro-Ministro de Portugal. Há uma recepção na Embaixada de França, organizada pelo Presidente da República, para a qual ele convida a comunidade francesa – ele fá-lo em qualquer país onde vá – e num segundo avião, traz pão e queijo franceses, charcutaria de Lyon, e faz um grande buffet de apresentação da gastronomia francesa, para todos.
O que mudou no mundo da produção do queijo desde então até hoje, ou seja, desde a industrialização deste produto até esta era em que o artesanal é mais valorizado?
A vossa presença aqui justifica, desde já, o meu ofício, o facto do ofício de queijeiro ser reconhecido como o verdadeiro saber-fazer. Toda a gastronomia mundial não tem mudado muito, mas, para mim, Portugal está em plena mutação, porque há aqui pequenos produtores que preservam o verdadeiro saber-fazer artesanal. Este é o património de um país, que deve ser preservado. Ainda há agricultores que continuam a ter cabras, ovelhas. O agricultor é o jardineiro da montanha, da Natureza. A minha paixão passa por dar a conhecer a colecção de queijos da Haute Fromagerie e através da Haute Fromagerie pude constatar que há queijos excepcionais em Portugal feitos através de produção artesanal. Este património queijeiro deve ser divulgado. Por exemplo, há o queijo americano produzido em Oregon, como o Rogue River Blue, que [em 2019] foi considerado o melhor queijo do mundo. Em Espanha, há um queijo Manchego único, que se chama Boffard. É um queijo feito com leite cru de ovelha. A casca é natural e a cura pode durar até 18 meses, no caso do Grande Selecção. A afinação é muito bem feita, o sabor…
Já teve a oportunidade de conhecer queijos portugueses?
Quais escolheria para integrar na Haute Fromagerie? Há queijos portugueses de Denominação de Origem Protegida bem conhecidos. Escolheria um queijo muito bom, cuja feitura incluísse o pistilo da flor do cardo. O método de produção também seria muito importante. Há poucos países que usam esta parte vegetal, a qual é a mais interessante.
A profissão de afinador quase não existe por cá. É comum em França haver muitos afinadores de queijos?
Temos a sorte de ter muitos mestres afinadores, que nos garantem uma enorme diversidade de produção de queijos. Há mais de 50 queijos que são conhecidos com a Denominação de Origem Protegida. Há inúmeros queijos em França que são produzidos em pequenas quintas ou em pequenas leitarias e que vão para as mãos de mestres afinadores, que compram os queijos aos produtores, para que aqueles sejam afinados. É um ofício muito importante!