O que é a memória? Qual é a razão pela qual nos lembramos de certos acontecimentos passados?

Se passarmos por um local onde vivemos bons momentos, recordar-nos-emos dessas tais “memórias”, as quais estavam apenas adormecidas. Todavia, rapidamente acordam e transformam-se em histórias boas para contar a quem as quiser ler, ouvir, conhecê-las. Com todos os elementos do presente que me ajudaram a recordá-las e talvez com uma pitada de nostalgia à mistura, poderás apreciar estes momentos.

Sábado, 22 de março de 2025,
Querida Malhadinha,
Três anos depois daquela que tinha sido a minha última experiência na Herdade da Malhadinha Nova, situada em Albernoa, concelho de Beja, tornámos a comparecer naquela que já pode dizer-se “a nossa segunda casa”. Após tantos bons momentos lá vividos, a expectativa estava em alta quando o meu pai me informou, dias antes, que regressaríamos. Partimos de manhã, para, à hora de almoço, chegarmos a tão desejado destino.
Cumprimentámos algumas caras conhecidas, como Joachim Koerper, chef executivo do restaurante, e Rita Soares, CEO da Herdade da Malhadinha Nova. De seguida, sentámo-nos à mesa, em cima da qual foi disposto o couvert, constituído por pão de massa mãe de produção própria, ainda quente, azeite biológico Galega da Malhadinha, presunto pata negra, queijo de Serpa, manteiga com flor de sal e ainda telhas de pão alentejano. Entretanto, a Cíntia Koerper, chef executiva de pastelaria, veio cumprimentar-nos à mesa. Chegados os pratos, para mim, presa de porco preto alentejano DOP, amêijoa, gamba da costa, cenouras, batata confitada e puré de beringela fumada e, para o meu pai, um caldoso e aconchegante arroz de perdiz, acompanhado por cogumelos silvestres e jus de caça.
Satisfeitos, dirigimo-nos à receção para tratarmos das devidas formalidades. De seguida, um jipe conduziu-nos até ao Monte da Peceguina, passando por uma ribeira logo ao início, a qual enveredara na transversal pelo estradão, e de que forma! Assim se vê o quanto tem chovido nas últimas semanas. Chegados, entrámos no edifício e logo surgiram as memórias de quando lá estivemos pela primeira vez…
… a primeira vez
Março de 2015,
Querida Malhadinha,
Durante a minha estreia na Malhadinha, entre muitas outras experiências, fizemos um workshop de cozinha, com os chefs Joachim Koerper e Bruno Antunes. Como deves imaginar, as memórias destes dias tornaram-se efémeras… Apenas as fotografias me permitiram sentir estes momentos com mais exatidão.
A vindima
Quinta Feira, 3 de setembro de 2015
Querida Malhadinha,
Chegámos à receção do hotel da Herdade da Malhadinha Nova e após todas as chatas formalidades (suponho que o sejam para todos, principalmente para uma criança de 6 anos, mesmo tendo sido muito bem recebidos), fomos para o quarto. Como em todas as vezes que acompanhava os meus pais a hotéis e restaurantes (em trabalho), jantei exatamente o mesmo que eles, apesar de as minhas preferências em termos de sobremesa recaírem na fruta (é claro que hoje como sempre, mas um docinho não faz mal a ninguém).
Sem darmos tempo à comida para assentar no estômago, fomos dormir bem cedo, pois a verdadeira festa iniciar-se-ia na madrugada seguinte.
Sexta Feira, 4 de setembro de 2015
Querida Malhadinha,
Ainda o sol não despontava os seus raios, já o dia não começava da melhor forma. Lembro-me de que o ecrã do despertador ainda não chegara às 5h00. Um crime para alguém tão pequeno e para quem o seu sono sempre foi sagrado. Vestidos com uma T-shirt da Malhadinha, dirigimo-nos à vinha, onde já se encontravam algumas mulheres. Lado a lado com aos restantes hóspedes, que lá estavam pela mesma razão que nós, aprendemos a manusear a tesoura e começámos a vindimar sem grandes demoras. De lanterna na cabeça, apesar de já sentirmos alguma luz natural, enchemos caixa por caixa, com uvas tintas. A memória da típica brincadeira de fazer crer que as mãos estavam repletas de sangue, devido à cor do sumo das uvas cuja película rebentava, permite-me recordar este pormenor, mesmo passados quase dez anos. As senhoras que por lá vindimavam contavam histórias, sempre de sorriso no rosto, para quem, à hora a que nos juntáramos, já trabalhava há algumas horas.
Como seria de esperar para quem já estava acordado desde antes das 5h00, a fome apertava, e de que maneira! Devo dizer que uma ou outra uva ia alegremente parar ao estômago, mas faltava algo com mais substância. Ou talvez deva dizer um belo pequeno-almoço composto pelos habituais pães, queijos, compotas caseiras, enchidos, sumos, apesar de eu só querer saber do leite, cereais, entre uma infinidade de bons produtos, dignos de nos seduzir e maravilhar.
Saciado, regressei à vinha para continuar o trabalho, novamente, lado a lado com as senhoras, sendo que algumas das quais o faziam desde a primeira vindima.
Horas depois, chegou a tão esperada hora de almoço. No meio das vinhas, os hóspedes que tinham partido naquela experiência tiveram a oportunidade de se deleitar com as típicas iguarias alentejanas: o tão especial piquenique da Malhadinha.
Findo o almoço, chegou a derradeira hora: a triste despedida.
Mesmo ainda muito novo, criei laços com a Herdade, instantânea e instintivamente.
Laços cujo brilho desponta sempre que lá voltamos. As experiências novas e únicas, com o típico toque da Malhadinha, enchem-me o coração.

Sábado, 22 de março de 2025,
Querida Malhadinha,
As nossas malas ficaram atrás da secretária daquela que era a receção dos “velhos tempos” idos. Tive aquela sensação de reconhecer um cheiro característico, familiar, através dos olhos. À nossa direita, estendia-se uma estante com livros e um sofá. Continuávamos a andar lentamente e mais memórias apareceram. Os nossos olhos estendiam-se sobre uma ilha de cozinha e uma mesa. Mobília convencional, como o mais comum dos mortais? Garanto que não. Bom, talvez o seja para a maioria, mas recordei logo a segunda vez que a vista dos nossos olhares penetrou a Herdade da Malhadinha Nova.
A nova Malhadinha
Sexta feira, 1 novembro de 2019,
Querida Malhadinha,
Chegámos à Malhadinha numa sexta ao fim do dia e fomos instalados no Monte da Peceguina. Nesse fim de semana, iniciava-se a minha primeira época como jogador de futsal, todavia, faltei ao jogo para poder ir a este lugar tão especial. Foi o único jogo no qual não estive presente ao longo de todos estes anos.
No dia seguinte, de manhã, demos uma volta pela Herdade, mas o melhor ainda estava para vir. À tarde, ainda jogámos “pergunta para queijinho” em família, um jogo de tabuleiro que estava no meio de tantos outros, arrumado numa estante, uma vez que o tempo frio e nublado não permitia um agradável mergulho na piscina.
Horas depois, teve lugar na nossa agenda um workshop de cozinha, com o chef Joachim Koerper e a chef pasteleira Cíntia Koerper, no qual figurava mais uma família, com alguns miúdos, uns da minha idade, outros mais novos, três ao todo se não me engano. Assim, tanto o workshop como o jantar foram divertidos, pois não é necessário muito para que um momento o seja, apenas pessoas com quem estar e falar. Desde sempre, a Malhadinha não só permite a entrada de crianças, como o encoraja, pois o conceito de família permite uma aventura muito mais agradável e completa, onde há sempre lugar para novas amizades. Findo o jantar, vimos ainda o filme “Rio”, acompanhados pelo bolo que figura a toda a hora num balcão do Monte da Peceguina.
O dia seguinte, foi de despedida, tanto dos novos amigos, como da Malhadinha. Nunca é fácil, porém, pelo menos, as memórias perduram até hoje.
Sábado, 22 de março de 2025,
Querida Malhadinha,
Entretanto, chegou outro jipe, que nos levou até à Casa da Ribeira. Minutos depois, o meu pai foi a uma prova de vinhos na receção, enquanto eu aproveitava para estudar Economia. Por volta das 19h30, novo jipe chegou para me levar, juntamente com mais críticos de gastronomia, pelos estradões lamacentos. A escuridão tomava conta dos campos, das árvores, de tudo o que a nossa vista alcançava com imprecisão. Apenas alguns metros de caminho se estendiam à nossa frente, iluminados pelos faróis, apenas para, de seguida, tornarem a mergulhar no mais profundo esquecimento. Assim chegámos ao restaurante, onde nos foi servido um menu de degustação com cinco momentos, reunindo o chef anfitrião, Joachim Koerper, Dieter Koschina, chef do Vila Joya, Rodrigo Madeira, chef do CostaTerra Golf and Ocean Club, e Cíntia Koerper, chef pasteleira anfitriã. Este jantar, fruto do conceito do Food Love Fest, evento que decorreu entre 21 de fevereiro e 6 de abril de 2025, reuniu pratos da alta gastronomia portuguesa. Por volta da meia noite, regressámos aos quartos, prontos para uma boa noite de sono.
23 de março de 2025,
Querida Malhadinha,
Mal acordei, tomei um banho para despertar. Tomámos o pequeno almoço com os restantes hóspedes e, acima de tudo, amigos, na sala comum da Casa da Ribeira, sempre aludindo ao conceito de convívio da Malhadinha. De seguida, um jipe conduzido por Paulo Soares chegou à Casa, para nos levar a conhecer melhor a Herdade. Vimos desde vacas, cavalos, ovelhas, entre muitas outras espécies, assim como muitas histórias. O objetivo de autossuficiência por parte da Malhadinha é cumprido naqueles prados, agora verdes, devido à chuva intensa que se tem registado. Os animais, quando atingem uma certa idade, são levados para o matadouro, regressando na forma de carne, cumpridos os protocolos de higiene e segurança alimentar. Tendo em conta a localização da Herdade, não há pasto verde durante muitos meses, portanto, a produção de leite está totalmente fora de questão. Depois, seguimos para as hortas e estufas, cujo intuito é também a autossuficiência, principalmente da componente do restaurante. Visitámos ainda os galinheiros e, entretanto, fez-se hora de almoço. Um borrego assado esperava-nos, numa grande mesa, onde estavam também dispostos legumes, massas, entre muitos outros produtos. Servimo-nos e deliciámo-nos, como não podia deixar de ser. A fruta também marcava presença lado a lado com as sobremesas. Estas últimas tinham um aspeto um tanto ou quanto artificial e aparentemente doces e enjoativas. De qualquer forma, provei, a medo. Porém, não eram nada doces, antes, muito agradáveis. Sendo da autoria da Cíntia Koerper, já devia estar à espera. No fim de contas, devo ter comido quase tanto em sobremesas, como de prato principal, algo nunca antes visto por mim. De barriga cheia, fomos dar uma curta volta pela Herdade, passando pelos estábulos, onde ainda brincámos um pouco com os cavalos.
A viagem de regresso à Casa da Ribeira, para irmos buscar as malas tornou-se num resumo de tudo o que fizéramos naqueles dois dias. Tornou-se também num elo de ligação para junho de 2022, quando estive na Malhadinha pela terceira vez. Desde passeios de bicicleta e a pé, visto que estava muito bom tempo, até… ao meu amor à primeira vista: buggies. Estes estão disponíveis para os hóspedes utilizarem livremente nas suas deslocações e foi assim que, há três anos, passei a adorar conduzi-los. Infelizmente, nunca tive oportunidade de conduzir um, entretanto. É claro que contava poder fazê-lo nestes dois dias, mas o tempo estragou tudo. Bom, como se costuma dizer, fica para a próxima! Pois desta já não podia ser, uma vez que estávamos definitivamente de partida, após tantas vezes o termos dito, apesar de permanecermos sempre mais uns minutos. Feito o check-out, partimos para Lisboa.
Espero que este escrito te tenha ajudado a definir o que são as memórias. A mim, permitiu-me refletir sobre o que são e como são indefinida e vagamente recordadas: maioritariamente cheias de incertezas, porém, podem mesmo tornar-se efémeras.
Por vezes, aparecem-nos na forma de imagens, clarões, acontecimentos contínuos, fluidos. Noutras, são totalmente vagas, mas é exatamente essa incerteza que as embeleza e nos dá aso à imaginação.
E para ti, o que são as memórias?
