O Belcanto em constante movimento / José Avillez

Qualidade é disciplina na cozinha do Belcanto. Assim como uma panóplia de sentimentos que acompanham o contínuo ensaio no tempo. O movimento das ações que embarcam numa viagem pelo imaginário do chef José Avillez. Dos comensais e apreciadores da boa comida espera-se a descoberta de palavras insinuadas numa carta, ao que se segue o desafio ao olhar. E, por fim, a provocação do palato, de sensações inusitadas…

“Há momentos de maior reflexão. Mais do que a arte está o tamanho do artesão. A repetição de cada prato. Como se a música fosse a parte da criação, da composição”. A arte é o ofício primário de um chef. O reflexo da exigência do artesão. A demonstração da obra-prima do mestre. A persistência que invade o tempo até que o resultado se traduzida na perfeição. “Depois, há a repetição diária. Fazer o mais parecido possível ao primeiro prato que se fez. Mas poucos são aqueles que conseguem tocar um concerto igual ao outro…”

(…) “no Belcanto, a cozinha provoca o pensamento”

O rigor é uma das palavras-chave do artesão. Mesmo quando o trabalho implica momentos de liberdade. Liberdade de movimentos que acionam o pensamento e dão azo à imaginação que se funde na criação de pratos memoráveis. “Há o rigor pensado, testado. Há uma harmonia, um equilíbrio.” Aquela que “(…) consiste na naturalidade da alma humana superior” (“Livro do desassossego”, Fernando Pessoa) talvez… “Há pratos que nascem e, depois, são afinados.” Outros permanecem no tempo até atingirem o grau de excelência. Em suma, “no Belcanto, a cozinha provoca o pensamento”.

“Para ser grande, sê inteiro” (“Odes”, Ricardo Reis). A citação, do heterónimo de Fernando Pessoa, está inscrita na instalação criada pela designer e artista plástica Joana Astolfi. Uma nota de boas-vindas ao Belcanto, de José Avillez. Uma homenagem a Fernando Pessoa e um prolongar do Menu do Desassossego. “Porque provoca desassossego a quem está a comer.” Porque a cozinha de José Avillez incita a provocação, com pratos tradicionais que desafiam, primeiro, o olhar e, só depois, o palato. “Despertam memórias e lugares.”

Afinal, nem tudo o que parece é. Um processo que instiga o pensamento ininterrupto, envolve a estética de cada prato, enaltece a harmonia dos sabores. Um repto inscrito em manifestos marcados pela sabedoria do chef. “Insinuações e provocações que se apresentam de maneiras diferentes.” O espelhar da personalidade do restaurante e de quem prepara cada prato.

“Inspiramos na tradição e mantemos a originalidade e a identidade do Belcanto”

Inconformista por natureza, José Avillez denota o desejo profundo de incrementar a sabedoria. “A atitude de estarmos abertos e livres para aprender é que nos faz evoluir e vivermos melhor cada dia. Uma ambição saudável que dá imenso trabalho, mas dá-me um prazer enorme.” Um gosto que respira contemporaneidade no coração do Chiado, mesmo ao lado do célebre Teatro São Carlos, o Belcanto. “Inspiramos na tradição e mantemos a originalidade e a identidade do Belcanto.” Espaço reinventado e acolhedor confinado à excelência à boa mesa, onde a cozinha é um prato especial que transmite sentidos e desperta sentimentos “ou consiste, muito simplesmente, num conjunto de garfadas que fazem um prato e que dá prazer a quem se senta nas nossas mesas.

“A expressão culinária de hoje pode ser muito diferente daqui a seis meses ou um ano”. Até porque a evolução é uma constante na cozinha de José Avillez, é o resultado da aprendizagem e da experimentação diárias. •

José Avillez
© Fotografia: Nuno Correia

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