Em terras do Dão há vinho, queijo e pão

Berço da casta Touriga Nacional, o Dão desvenda os seus segredos em cinco roteiros rumo à vinha ao vinho, o ponto de partida para uma viagem singular pela rota dos vinhos da região.

O acervo do Welcome Center do Solar do Vinho do Dão

O vinho está na moda. Dentro e fora de portas. O mote que dá a conhecer o legado de uma região das regiões demarcadas de vinhos mais antigas do país, o Dão, que abre as suas portas através de 42 produtores e entidades associadas ao vinho, os quais integram uma rota repartida por cinco roteiros a explorar: 1 / Terras de Viseu, Silgueiros e Senhorim; 2 / Terras de Azurara e Castendo; 3 / Terras de Besteiros; 4 / Terras de Alva; 5 / Terras de Serra da Estrela.

Terras que sabem bem receber. Porque a arte de bem receber está, segundo a jornalista Maria João de Almeida, autoria do “Guia do enoturimo de Portugal”, no cerne do enoturismo, em debate por ocasião da apresentação da Rota dos Vinhos do Dão, no Solar do Vinho do Dão, em Viseu. Porque, afinal, “há muito mais para além do vinho”, segundo João Marinho Falcão, diretor-geral da Vinitur que, a respeito dos apreciadores de um bom vinho, de dentro e de fora de portas, aborda o desejo de quererem conhecer o produtor, de descobrirem o ambiente de produção, de apreciarem o património, de desfrutarem de um estilo de vida que não é o seu, de participarem nas festas e nos eventos criados em redor do vinho.

Ainda em Viseu, e antes de embarcar na viagem pela região, deixamos a recomendação de, quem (re)visitar a cidade, não deixar de entrar no Solar do Vinho do Dão, outrora o Paço do Fontelo, datado de 1399 onde, hoje, se encontra instalada a Comissão Vitivinícola Regional do Dão, que convida a conhecer os tintos, os brancos, os espumantes e os rosés da região e a sua história interpretada por cada garrafa, ora através da sua forma ora através do rótulo.

Aqui termina o capítulo solitário do vinho, ao qual seguimos viagem para três destinos bem diferentes…

Com as mãos… no queijo da Casa da Ínsua

A geometria dos jardins de inspiração francesa da secular Casa da Ínsua

Chegadas as primeiras horas do dia, houve quem se aventurasse em cedo saltar da cama para falar com Joaquim, o pastor que, todos os dias, a partir das 5.45 horas da manhã, acompanha o rebanho de ovelhas bordaleiras na investida pelas pastagens da Casa da Ínsua. Um solar de estilo barroco, do século XVIII, com uma tradição vitivinícola datada do século XIX, convertido num hotel de charme, em 2009. Um enoturismo de excelência em Penalva do Castelo, cidade alinhada em três regiões demarcadas: dos vinhos do Dão, da maçã bravo de Esmolfe e do Queijo da Serra da Estrela DOP – não confundir com queijo da serra.

“A valorização do produto continua a estame debate perante o consumidor”, razão pela qual “o queijo é identificado com uma marca de caseína”, alerta o engenheiro José Matias, o enólgo e o guia da queijaria e da doçaria da Casa da Ínsua. Para o efeito, o nosso cicerone refere as atividades na propriedade em defesa da valorização do produto, entre as quais destaca a prova do leite, a fim de dar a conhecer o seu sabor, o seu aroma e a sua textura.

O cardo é um dos ingredientes utilizados na manufatura do Queijo da Serra da Estrela DOP

Na queijaria, e já trajados a rigor, José Matias continua a explicação sobre a manufatura do Queijo da Serra da Estrela DOP cuja receita é composta por leite de ovelha bordaleira, cardo e sal. O primeiro é refrigerado entre 3° a 4° C passando, depois, para a cuba de coagulação, onde é aquecido a 26°, 27 ° C. O cardo – há 11 ecótipos plantados na propriedade –, já moído a preceito, é “levado” por um pano húmido para dentro do leite quente, a fim de deste coalhar estando, assim, pronto, para ser moldado por quem sabe e por quem aprende esta arte de fazer queijo.

O saber fazer pelas mãos de Maria do Céu transmitem duas mãos cheias de experiência

Assim, o leite coalhado é colocado numa mesa de metal contígua à cuba, a fim de ser espremido, as vezes necessárias, em panos brancos de algodão, até libertar a maior parte do leitelho. A explicação é dada por Maria do Céu, a trabalhar na Casa da Ínsua desde os 14, 15 anos, enquanto espremia o leite coalhado dentro dos panos de algodão previamente dispostos nas formas que dão forma ao queijo, repetindo o processo por cerca de uma dezena de vezes, até chegar à consistência necessária.

A imagem dos queijos até chegaram a fazer 15 dias

De seguida, os queijos são conservados entre os 6° e os 8° C de temperatura numa primeira câmara frigorífica por, mais ou menos, 15 dias; entre os 12° e os 13° C numa segunda câmara, até somar os 30 dias; e, por fim, numa terceira, até chegar aos 40, 45 dias.

Ao longo deste espaço de tempo, Filomena e Virgínia lavam religiosamente os queijos todas as semanas, de segunda a quarta-feira, os quais são, depois limpos e enrolados em fitas de pano de algodão lavadas.

Portanto, aos 40 ou 45 dias após a data de fabrico, o Queijo da Serra da Estrela DOP está pronto para ser consumido. Uma boa razão para regressar à Casa da Ínsua, para o saborear ao pequeno-almoço, juntamente com as iguarias da casa, como as compotas de morango, de framboesa, de tomate, de abóbora ou de cenoura feitas na doçaria. Já agora, e ainda sobre o queijo a recomendação é quanto mais velho melhor.

A união de Baco e Gastérea em Silgueiros

A vista deslumbrante da Quinta de Lemos sobre a paisagem traçada pelo alinhamento das vinhas

Falemos da Quinta de Lemos. Adquirida em meados da década de 1990’, a propriedade de Celso de Lemos, localizada em Silgueiros, ostenta as quatro castas tintas mais utilizadas no Dão – Tourgia Nacional, Alfrocheiro, Jean e Tinta Roriz –, as quais dão corpo aos ilustres vinhos batizados com os nomes das matriarcas da família em jeito de homengem aos antepassados da família de Lemos. São eles Dona Georgina, Dona Santana e Dona Louise.

Depois da constante descoberta do detalhe e do traço incorporado na natureza da casa de hóspedes pelo arquiteto Carvalho Araújo, aliado aos interiores assinados por Nini Andrade Silva, sentamo-nos à Mesa de Lemos – distinguida com o prémio Revelação do Ano, do Guia Boa Cama Boa Mesa – para um almoço descontraído, com vista para os vinhedos que salpicam a Quinta de Lemos, mas não sem antes recebermos as boas-vindas do chef Diogo Rocha e da equipa do restaurante, e do  enólogo Hugo Chaves, que elegeu o Jaen 2007, um tinto com medalha de ouro, do Concurso Mundial de Bruxelas de 2010.

O peixe galo dos Açores e o cabrito da Serra da Estrela, dois dos pratos da autoria do chef Diogo Rocha

Pelas mãos do chefe chegou à Mesa de Lemos o ovo a baixa temperatura com puré de cogumelos, o bacalhau com puré de grão e broa e o atum com molho de mostarde. Três iguarias confecionadas para abrir o apetite a par com o monocasta Quinta de Lemos Alfrocheiro tinto 2009.

De Sesimbra veio o carabineiro acompanhado com puré de cenoura e, de Baco, a mais recente referência do universo vinícola de Quinta de Lemos, o Dona Paulette 2013, um branco que é um deleite para o palato.

Ainda do mar, chegou a vez do peixe galo proveniente dos Açores em tão boa companhia – mação de citrinos e molho de espinafres, que conquistaram a boca à primeira garfada. Do mesmo podemos dizer do vinho, um Dona Santana 2006, um tinto feito a partir das castas Touriga Nacional e Tinta Roriz, que tão bem fez a combinação.

Na carne foi ao cabrito, do Caramulo, que coube as honras, ao lado de farofa de azeitona e legumes da horta da Quinta de Lemos, para casar com um Quinta de Lemos Touriga Nacional 2007, que recebeu também, e entre outras distinções, a medalha de ouro, no Concurso Mundial de Bruxelas de 2010.

Uma sonata de citrinos compõe o último prato de um sumptuoso banquete

Antes da sobremesa, Diogo Rocha trouxe um memorável Queijo da Serra da Estrela com os doces de abóbora e de tomate e o alecrim. Os citrinos vieram, por sua vez, rematar em grande, num prato “de comer e chorar por mais”, um repasto que é uma ode à união do vinho com a gastronomia em Silgueiros.

Na Quinta dos Cedros o pão é feito à moda do Dão

O forno de lenha, à moda antiga é, ainda hoje, utilizado para cozer o pão

A paixão pela vinha e a cumplicidade dos proprietários resultou a concretização de um sonho que resultou na Quinta dos Cedros, perto de Mangualde. A origem do nome advém da mata de cedros centenários da quinta, onde a maioria dos visitantes quis pôr a mão da massa. Literalmente. E em conjunto, saíram mais de uma dezena de pães cozidos a forno de lenha, como era feito em tempos que já lá vão.

Depois da visita à quinta, o pão, já pronto, desafiou o palato na companhia de chouriço da terra e de um Sandinos Encruzado 2013, um branco feito a partir de uma casta que tem primazia entre as brancas na região do Dão.

Assim termina mais uma viagem à Região Demarcada do Dão, na Beira Alta, com o testemunho de que ainda há muito para descobrir em relação à vinha, à gastronomia, ao património, à cultura e aos costumes de quem tão bem sabe receber e partilhar um legado de gerações. •

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© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: O Solar do Vinho do Dão, no antigo Paço do Fontelo, em Viseu

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