“Vai ao centro, vai para dentro” / Os espumantes da Bairrada

Entre a serra e o mar, os vinhedos e a ria de Aveiro, encontramos o berço da produção efetiva de espumante em Portugal que, há 125 anos, viu nascer a primeira colheita num terroir que dita pronuncia a Baga, cono a casta rainha da região.

A tradição à mesa ainda é o que era

Façamos uma viagem no tempo. Ao passado. Quando as datas especiais serviam de pretexto para a Nacional 1 embarcar no roteiro gastronómico composto pelo leitão da Bairrada, o pão da Mealhada, a água do Luso e o espumante da região. Memórias longínquas que o tempo não apaga, pelo contrário, reaviva bons momentos à mesa.

O leitão comme il faut

De regresso ao presente, o itinerário indica paragem para um repasto no Rei dos Leitões, na Mealhada, casa antiga com uma cozinha que faz jus ao nome, mantendo-se fiel ao receituário e aos vinhos da região. Desta vez com destaque para os espumantes da Bairrada.

O cortejo de espumantes num almoço bairradino

Assim, as honras couberam ao Marquês de Marialva Espumante Extra Bruto Cuvée de 2010, da Adega Cooperativa de Cantanhede – o maior produtor da região –, feito a partir das castas Arinto e Baga, de uma frescura incondicional que rima com a estação mais quente do ano e as iguarias que determinam o começo de um almoço ditado pelas conversas à volta da casta rainha da região da Bairrada, a Baga. O mote para a criação da “Baga Bairrada”, um projeto que tem por fim valorizar os espumantes da Bairrada, através da criação de uma nova categoria uniformizada de produto, cumprindo requisitos regulados pela utilização da referida logomarca, e cujos primeiros rótulos foram apresentados, no último domingo de maio, por ocasião da edição deste ano do Refresh – Bairrada Meets Coimbra.

Na rota dos espumantes, o senhor que se segue é o Hibernus Cuvée de Noir Vintage 2011, criado a partir das castas Baga e Touriga Nacional no âmbito do projeto vinícola familiar do enólogo José Carvalheira, também produtor de azeite, no concelho de Oliveira do Bairro. Eis que chega o célebre leitão à Bairrada ao lado das batatas cozidas, como é tradição e, para quem é mais novo, batatas fritas.

A pôr um ponto final no repasto marcou presença Luís Pato Espumante Bairrada Vinha Formal 2009 cuja fórmula é composta por Bical e Touriga Nacional, para harmonizar com sobremesas doces, como o leite creme em massa filo que tão bem se faz no Rei dos Leitões.

A arte e o vinho

Numa varanda com vista para as caves do Aliança Underground Museum

Sem mais delongas, a rumámos a Sangalhos, na Anadia. Com visita marcada no Aliança Underground Museum que, sob a epígrafe “Arte, Vinho, Paixão”, acolhe um valioso e vasto acervo do comendador José Berardo. O espaço expositivo exibe peças arqueológicas com mais de 1500 anos e arte etnográfica oriunda de África, com destaque para as esculturas da tribo Baga – uma coincidência, ou não, pois estamos na região cuja casta rainha tem o mesmo nome –, do sul da Guiné, para além dos minerais, sobretudo do Brasil, e fósseis, com mais de 20 milhões de anos, que habitam os túneis. Mais à frente estão a azulejaria portuguesa, a faiança de Rafael Bordalo Pinheiro e uma coleção de estanhos datada dos séculos XVI ao XIX, sem esquecer o tocador que pertencera a Eva Perón, a famosa atriz e líder política da Argentina, com a Estação Central no centro das atenções, onde as garrafas de espumante repousam nas garrafas – há capacidade para acolher cerca de três milhões – e privilegiam da vista para a cave das aguardentes.

O Espaço Bairrada que já foi a estação de comboios da Curia

De novo em viagem, desta vez, até Tamengos, Curia, para uma visita ao Espaço Bairrada, a sede da Rota da Bairrada, na antiga estação de caminhos de ferro local, datada de 1944 e projetada pelo arquiteto Cortinelli Telmo que, com os quatro painéis de azulejos que retratam as atividades locais pelas mãos do pintor e desenhador português Jorge Barradas, embelezam este local de passagem do comboio que liga Lisboa ao Porto.

A arte azulejar pintor e desenhador português Jorge Barradas

No interior, os visitantes podem deliciar-se a folhear livros dedicados à cultura vínica, provar, na Sala Paixão pelos Sabores, vinhos e espumantes dos produtores da região associados, os quais estão dispostos para venda, assim como os produtos regionais em exposição, aos mesmo tempo que os olhos contemplam a magnitude da arte azulejar que, outrora, distinguia os espaços destinados às diferentes classes sociais.

Afinal, a estação de comboios da Curia foi erigida para dar resposta aos habitués das Termas da Curia e do Curia Palace, Hotel, SPA & Golf, localizado a dois passos do Espaço Bairrada, onde “damos a conhecer a nossa região e encaminhamos [os visitantes] para as adegas” e demais entidades que se juntaram à associação – como o Rei dos Leitões, o Aliança Underground Museum ou o Dux – Taberna Urbana, sobre o qual falaremos mais à frente e o Museu do Vinho da Bairrrada – e que integram os roteiros turísticos sugeridos pela Rota da Bairrada, com ênfase no enoturismo, “uma nova realidade que está a bater à porta da Bairrada”. As palavras são da coordenadora do Espaço Bairrada, Cristina Azevedo que, apaixonada pelo seu trabalho, fala ainda sobre as oito gigantescas rolhas de espumante, feitas de cortiça e pintadas de cores diferentes, da Rota Bairrada que, deste modo, distingue cada município do território da Bairrada – Águeda, Anadia, Aveiro, Coimbra, Cantanhede, Oliveira do Bairro, Mealhada e Vagos –, com o intuito de demarcar a promoção da região, tendo em conta os produtos, as riquezas naturais e os pontos de interesse turísticos de cada cidade.

O Espaço Bairrada está aberto de segunda a domingo, das 10 às 13 horas e das 14.30 às 19 horas (de abril a setembro).

Há Bairrada em Coimbra

As gambas fritas com alho juntaram-se ao Vinhas Velhas Luís Pato branco 2013

Depois de muito quilómetros percorridos, a noite aguarda o último repasto do dia, desta feita, no Dux Taberna Urbana da mais antiga cidade estudantil do país. Uma casa de petiscos – duas, aliás, na Lusa Atenas, e uma outra, em Viseu –, que surgiu, porque “faltava este tipo de conceito [de taberna] em Coimbra”, garante Rafael Santos, o chef. Natural de Leiria, e rendido aos encantos da urbe que, em 2013, viu a sua Universidade, a Alta e a rua da Sofia, classificadas como Património da Humanidade pela UNESCO (ler artigo da Mutante aqui), Rafael Santos fala sobre mais de três dezenas de petiscos feitos “conforme a sazonalidade dos produtos” – além dos pratos de carne e de peixe – e do “grande enfoque nos vinhos da Bairrada”, havendo um como sugestão de cada mês numa lista composta por um legado de Baco que atravessa Portugal de lés-a-lés e onde não falta o vinho a copo.

Ao lombinho com bacon e puré de ervilhas combinamos o Quinta do Ortigão Reserva tinto 2010

Só para abrir o apetite, e em jeito de recomendação de uma cozinha saborosa e apreciada pelos demais, aqui ficam as sugestões: Sardinha e cavala alimada, tostas com coulis de pimentos, cogumelos com linguiça, choco frito com molho aioli (feito à base de alho, azeite e gema de ovo), gambas fritas com alho, batata frita com maionese de cebolinho, folhado de borrego com grelos e lombinho com bacon e puré de ervilhas. Depois vieram o cheesecacke, a tarte de maçã, a mousse de chocolate e o leite creme queimado.

Com as sobremesas casámos o Espumante Unum Primavera 2013

Um desfile de iguarias harmonizadas por um outro cortejo, este protagonizado pelo legado de Baco da Bairrada: Espumante Unum Primavera 2013, um monocasta Touriga Nacional das Caves Primavera; Vinhas Velhas Luís Pato branco 2013, de Luís Pato, composto pelas castas Bical, Cerceal e Sercialinho; e Quinta do Ortigão Reserva tinto 2010, feito a partir de Baga e Touriga Nacional, desenhado pelo reconhecido enólogo Osvaldo Amado.

A loggia da Lusa Atenas

O desfile de vinhos e espumantes da Bairrada às portas do Museu Machado de Castro

A loggia quinhentista, outrora o fórum – centro administrativo, político e religioso – criado por Octávio César Augusto, na era Aeminium, e sede do Paço Episcopal, no século XII — época em que o criptopóritco é coberto – é Museu Nacional Machado de Castro, desde 1911. Estamos, portanto, rodeados pelos edifícios que compõem a vetusta Universidade de Coimbra que releva, assim, o nome do escultor conimbricense Machado de Castro. O convite perfeito para partir à (re)descoberta da cidade romana que, graças às escavações mais recentes, deixaram de fora um acervo ímpar – sete celas (vocábulo que advém de “celeiros”) abobadadas utilizadas para armazenar os víveres de então, de um lado, e a muralha tosca do período medieval  – ou muro do bispo –, no qual foi deixada uma janela da qual se vê a grelha que delimita o termino do criptopórtico. A ideia parte de Gonçalo Byrne, o arquiteto que assinou a última remodelação do museu, que guarda quatro cabeças de imperadores e de suas mulheres, entre objetos e um registo singular de vestígios daquele tempo, além do vasto acervo de mosteiros, conventos e igrejas, em particular da igreja de São João de Almedina, do século XI, onde estão datados 20 séculos de história, desde o período pré-Augusto (século I a.C.) até 1950, de acordo com o corte estratigráfico, e o que resta dos seus claustros; sem esquecer a majestosa recriação da capela dos Tesoureiros (século XVI), o Cristo Negro, o expoente máximo do estilo gótico, uma peça rara encontrada no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, ou a obra emblemática do Mestre João de Ruão, intitulada “Deposição de Cristo no túmulo”, pertencente ao mesmo mosteiro.

Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada

Porque não é só de cultura que vive o Homem, chega a hora do repasto, desta vez, no Loggia, o restaurante com vista para o casario antigo que habita a alta de Coimbra. À mesa, Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada (CVB) – distinguida, em 2014, como Organização Vitivinícola do Anoque pela Revista de Vinhos – fala sobre a região, “o berço da produção efetiva de espumante em Portugal”, na qual há 125 anos nascia o primeiro espumante em terras lusas, data assinalada em finais do passado mês de junho, na Feira da Vinha e do Vinho, que se realiza no espaço do Vale Santo, na Anadia.

O presidente da CVB aborda, ainda, o método de produção de espumante permitido na Bairrada, o qual consiste na “fermentação em garrafa, com um mínimo de nove meses de estágio com o vinho na garrafa”, e a importância da certificação de tão valioso líquido de Baco cujas categorias em que se enquadram devem registar o seguinte registo de gramas de açúcar por litro: bruto natural (até duas gramas de açúcar / litro), extra bruto (entre duas a seis gramas), bruto (entre seis a 13 gramas) e meio seco (entre 22,5 e 35 gramas). Assim, na lista de produtores inscritos na Comissão Vitivinícola da Bairrada estão “cerca de 80, dos quais cerca de metade fazem espumante”. São eles Caves São Domingos, Messias, Caves São João, Primavera, Aliança, Montanha e adegas cooperativas.

A casta Baga “(…) representa 60 por cento de vinho tinto num total de 7.500 hectares”

Numa região onde predominam cinco castas brancas – Arinto, Bical e Cercial, Chardonnay e Maria-Gomes (ou Fernão Pires) – e duas tintas – Pinot Noir e Baga – é dada particular ênfase a esta última. Assim referimos, uma vez mais, a criação da logomarca “Baga Bairrada”, a casta rainha da região e por ser a “que representa 60 por cento de vinho tinto num total de 7.500 hectares”, reforça Pedro Soares, além de que não nos podemos esquecer que “são muitos os espumantes de outras marcas que são produzidos na Bairrada”. Até porque “o espumante tem vindo a crescer há cerca de quatro anos, devido ao aumento de consumo do mesmo no país”, assegura o presidente da CVB, que reflete sobre o hábito dos bairradinos terem “sempre uma garrafa pronta para receber as visitas em casa”.

O leitão da Bairrada confitado do Loggia

Para já, ficámos no Loggia, onde as boas-vindas foram dadas com o Espumante Pinot Noir Bruto rosé 2013, da Campolargo, na Anadia, seguido de um R&S DOP Bairrada branco 2013, da adega Rama, de um São Domingos Grande Escolha tinto 2011 e de um Espumante QMF Reserva Pessoal 2006, a acompanhar um menu onde o leitão da Bairrada foi rei.

O “Melhor pão-de-ló do universo” na companhia do Colheita Tardia Apartado 1 2012

O “Melhor pão-de-ló do universo” foi a sobremesa que ditou o fim do almoço em boa companhia com um Colheita Tardia Apartado 1 2012, das Caves São João, numa cidade onde a Escola de Hotelaria e Turismo  é a única do país com o curso de escanção e numa região onde há muito para (re)descobrir, como o Bussaco Palace Hotel, as Termas do Luso e a Antiga Sede das Águas do Luso, o Castelo de Montemor-o-Velho e tantos outros monumentos, ainda de praias da Costa de Prata até chegar à ria de Aveiro, sem esquecer o que de tão bom há à mesa – os ovos moles de Aveiro, os pastéis de Santa Clara, a chanfana à Bairrada, as barrigas de freira da Anadia ou os doces amores da Curia. •

Boa viagem e bom apetite! •

+ Rota da Bairrada
+ Comissão Vitivinícola da Bairrada
© Fotografia: João Pedro Rato

Partilhe com os amigos: