A lampreia é rainha de Melgaço a Caminha

Apresentada como “um prato de excelência”, a iguaria do receituário minhoto continua a dar que falar por terras do nor-noroeste português.

Ana Paula Xavier, coordenadora técnica da ADRIMINHO, a chef Margarida Rego, o presidente da Câmara Municipal de Melgaço, Manoel Batista Pombal, e João Guterres, presidente da Confraria da Lampreia do Rio Minho

A monumental estrutura em ferro das nascentes das águas minerais de Melgaço que acolhe o buvete, datada de 1915, das recém-reabilitadas Termas de Melgaço, foi palco da apresentação da 7.ª edição da “Lampreia do rio Minho – Um prato de excelência” que, aos fins de semana de fevereiro e março, é servido em 98 restaurantes aderentes de seis concelhos da região: Melgaço, Monção. Valença, Vila Nova de Cerveira, Caminha e Paredes de Coura.

Eis o mote perfeito para (re)descobrir o Vale do Minho, de Caminha a Melgaço e, deste modo, compartilhar este “prato de excelência” na companhia de arroz de cabidela ou sob a definição “à bordalesa”, muito apreciado por uns e pouco consensual para outros, e uma “afirmação” da riqueza cultural e tradicional da região, segundo palavras do presidente da Câmara de Melgaço e da Associação de Desenvolvimento Rural Integrado do Vale do Minho (adriminho), Manoel Batista Pombal, que deixou o desafio de se abrir caminho à inovação à mesa.

O arrojado sushi de lampreia

A avaliar pelas iguarias apresentadas a posteriori, o desafio foi aceite – os rissois de lampreia conquistaram o palato dos mais cépticos, assim como as tapas deste ciclóstomo com pêra e o sushi, que acicatou a curiosidade de todos, ou os grissinis entre outras iguarias, como a doçaria de cada concelho, e a lampreia de escabeche em vinho Alvarinho, das Conservas da Néna, com a receita da chef Margarida Rego. A harmonização coube aos produtores de Alvarinho da região.

Lampreia: Espécie pertencente à classe de vertebrados com forma de peixe, desprovidos de maxilas (ciclóstomo) e de barbatanas pares, de formato cilíndrico e alongado e de pele viscosa, e que se alimenta através de uma boca circular similar a uma ventosa.

Uma vez que é uma espécie que sobreviveu à era dos dinossauros – vive desde o Mesozoico até aos nossos dias–, a lampreia é, por conseguinte, considerada uma espécie única. Nos primeiros cinco anos, este ciclóstomo alimenta-se no leito dos rios e sofre uma metamorfose, ao que se segue a migração em direção ao mar, onde atinge a idade adulta. Eis que chega a época em que regressa ao rio, para se reproduzir e deixar os seus ovos – o ninho que constroem pode pesar até cerca de um quilograma.

É no decorrer desta romaria que acontece a captura da lampreia no rio Minho, registo datado desde há muitos séculos, quando já usavam os buracos naturais existentes entre as rochas à beira-rio – mas houve já quem construísse pequenas muralhas no leito dos rios para o efeito, prática comum de Lapela para cima. “De Lapela para baixo usam as redes pesqueiras ou o arpão”, afirma João Guterres, cozinheiro, o presidente e um dos impulsionadores da Confraria da Lampreia do Rio Minho, fundada em 2012.

O tradicional arroz de cabidela de lampreia

Defensor acérrimo da gastronomia do Alto Minho – e com compilação do livro “Valença à mesa – Receitas com história” na calha –, João Guterres aborda a importância de cada concelho repartir o seu receituário, que se perdeu nos tempos devido à iliteracia. Porém, o presidente da Confraria da Lampreia do Rio Minho não baixou os braços. Pelo contrário, falou com as mais idosas senhoras detentoras da mais remota sabedoria gastronómica e recriou o receituário pondo, inclusive, “a mão na massa”, fazendo jus ao velho ditado e à gastronomia típica de uma região.

Para surpresa de muitos, João Guterres referiu a lampreia seca ou fumada (um dos processos de conservação mais comuns de tempos antigos, em que era também feita a lampreia de escabeche) que faz parte do cozido à portuguesa servido na Páscoa, em Melgaço, que também serve à mesa a lampreia seca recheada como entrada de um repasto tradicional. Já o arroz de cabidela de lampreia é o prato mais comum em Monção, enquanto que a patanisca deste ciclóstomo é a receita pertencente ao concelho de Vila Nova de Cerveira. Em Paredes de Coura o prato forte é, por sua vez, o estrolho de lampreia, “uma invenção dos moleiros que, no pós-guerra, desenvolveram um tipo de moagem para o milho que, sem casca, faz o estrolho”, explicou João Guterres e, em Caminha, há a sopa de lampreia.

Em contrapartida, o confrade contesta a designação “à bordalesa”, pois a que é feita por cá nada tem a ver com a confeção feita na região francesa de Bordéus. “A nossa bordalesa não passa de um estufado” em que a cebola substitui o alho francês e o vinho verde ocupa o lugar de Bordéus na lista de ingredientes. Por isso, o prato deveria chamar-se, segundo João Guterres, de lampreia estufada à moda de um qualquer concelho do Vale do Minho, em nome do património gastronómico português.

Sem mais delongas, deixamos a lista dos restaurantes aderentes aqui, a respeito dos quais se aconselha a reserva antecipada. Boa viagem e bom apetite! •

© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Tapas de lampreia com pêra

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