A enologia é o denominador comum dos três nomes que reúnem a paixão por uma casta cujo berço é Bucelas, e o epicentro demarcado pela histórica Quinta da Romeira de Cima, em Loures.
Francisco de Sousa Ferreira é o CEO da Wine Ventures e o impulsionador dos Arinto Makers
Contemos a estória. Depois de uma volta pelo país, Francisco de Sousa Ferreira, nome reconhecido do mundo empresarial de bebidas – esteve oito anos no Grupo Jerónimo Martins, foi administrador da Unicer durante dez anos, ao que se seguiu a integração no Concelho de Administração da Sogrape, onde permaneceu outra década –, assenta arraiais na Quinta da Romeira de Cima, em Bucelas, no concelho de Loures, distrito de Lisboa onde, em setembro de 2013, fundou a Wine Ventures, da qual é CEO. Objetivo? “Criar um projeto meu, mas precisava de uma base onde assentasse o quartel general e o Arinto apareceu como um bónus”, daí o nome Arinto Makers formado por um trio dotado de boa disposição.
Passemos às apresentações. Comecemos por Manuel Pires da Silva que entrou no mundo dos vinhos há mais de três décadas, é o antigo proprietário mas, ainda, acionista da Quinta do Minho, na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, fundador da Univin, uma joint venture criada com a Unicer para a área de legado de Baco e, no presente, um dos elementos dos Arinto Makers ou não tivesse aceite o desafio de Francisco de Sousa Ferreira em percorrer Portugal até encontrar a Quinta da Romeira. “Tenho um apego muito grande aos brancos – sou produtor de vinho verde, portanto sempre trabalhei com castas brancas – e hoje estou rendido aos brancos, mais concretamente ao Arinto. Portanto, mudei o meu discurso, pois esta casta tem-nos permitido fazer coisas espantosas porque, ao trabalhá-la, podemos levá-la onde se quer.”
Manuel Vieira, enólogo e “brancófilo”, como lhe chamam os amigos – “porque tenho uma atração muito grande ao vinho branco, que apresenta uma expressividade aromática muito mais diversa do que os tintos e uma maior longevidade, se bem que, em enologia, gosta-se de tudo” –, iniciou o percurso no universo vínico na Casa Ferreirinha, quando ainda estava sob a batuta de Nicolau de Almeida e, após 26 anos na equipa de enologia da Sogrape, passou a colaborar com a equipa da Wine Ventures, vestindo a camisola dos Arinto Makers.
Por fim, Maria Godinho, a enóloga residente da Quinta da Romeira, onde se encontra a trabalhar há seis anos, tendo-se iniciado em enologia em 2013 juntando, agora, a juventude e a criatividade a este grupo de aficcionados pelo Arinto, a casta que, desde há dois anos, tem vindo a dar pano para mangas.
A Quinta da Romeira de Cima, em Bucelas, é o “laboratório” dos Arinto Makers
Os Arinto Makers começaram do zero, porém “muitas ideias fervilham, pois todos os anos, na vinificação, discutimos novas ideias, por isso teremos novidades para o futuro”, disse-nos Manuel Pires da Silva, para quem o Arinto é uma “casta verdadeiramente singular cuja produção resulta em vinhos muitos diferentes, desde uma entrada de gama e um espumante” e detém “uma mineralidade única, uma acidez elevada e um teor alcoólico, de certa forma, elevado”, em particular na região de Bucelas, “graças à proximidade do Tejo e do Atlântico, e às manhãs de nevoeiro seguidas de tardes muito quentes e de noites muito frias”, continua enquanto a visita pela Quinta da Romeira prossegue em redor da capela projetada pelo arquiteto Raúl Lino e datada de meados do século XX.
Bucelas é “a única região em que o seu DOC é de brancos”
Com um total de 130 hectares em Bucelas, “a única região em que o seu DOC é de brancos”, segundo Maria Godinho, a Quinta da Romeira está repartida por 75 hectares de vinhedo – 50 tem cerca de duas décadas e 25 são de vinha plantada há menos anos –, enquanto os restantes 55 hectares estão afetos à exploração florestal, aos jardins e ao solar outrora habitado por Arthur Wellesley, mais conhecido por Duque de Weellington, um grande apreciador dos brancos desta região vinícola, chegando a enviar este Vinho de Lisboa para a corte britânica.
Quanto à vinha, esta está repartida por talhões. Só por curiosidade, “as uvas do número sete, que está virado a norte, são utilizadas para o espumante e é onde a vindima começa mais cedo”, confidencia Manuel Vieira, e as uvas do Morgado de Santa Catherina provêm da encosta sul pela acidez que confere ao vinho e “que sustém o envelhecimento, além de que o álcool não se sobrepõe à frescura”, esclarece Manuel Pires da Silva. A respeito dos talhões mais novos, refere os campos experimentais com com cerca de 1,3 hectares, onde se encontram as castas Alvarino, Riesling, Chardonnay, Gwurztraminer e Sauvignon Blanc. Ou seja, nesta quinta só se produzem brancos, tendo a primeira vindima dos Arinto Makers sido registada em 2014 e a segunda em 2015, com um total de 400 toneladas de uva, o que resultou em 450, 500 mil litros de vinho.
O repouso solene do Morgado de Santa Catherina, “a jóia da coroa” da Quinta da Romeira
Falemos da vinificação. Desta feita, Maria Godinho entra em cena com a explicação: “A vindima é manual e a seleção da uva é feita logo na altura, sendo as caixas transportadas diretamente para a adega e descarregadas no tegão. Segue-se a maceração feita por um período de quatro horas – findas as quais o mosto é submetido a um choque térmico – a divisão dos mostos, e o processo de decantação – feita em cuba, onde circula a água fria para a precipitação das barricas —, que dura entre dois a três dias, ou de flotação, que submete o mosto a uma temperatura que vai dos 12 aos 14° C.” Na fermentação, o mosto é submetido a uma temperatura de 16° C, entre dez a 12 dias em cubas de inox; ou é feita em barricas de carvalho francês, como é o caso do Morgado de Santa Catherina, onde o controlo de temperatura é mantido, com battonage, e o estágio feito sur lie borras durante nove meses. “Todos os anos são renovadas cerca de 30 por cento das barricas”, acrescentou Manuel Pires da Silva.
Na adega, Manuel Vieira volta a pôr a tónica no Arinto, a casta que “esta improvável equipa” tem à disposição, “por todos os motivos, sendo um deles reconhecido e mais do que provado, a capacidade de envelhecimento, portanto o vinho está a estagiar aqui”, numa sala onde o sossego invade cada recanto, pois é essa tranquilidade que tão apreciada bebida precisa por mais tempo, até porque se trata de um Grande Reserva.
Na outra sala repousa o Morgado de Santa Catherina, “a jóia da coroa”, como disse Manuel Pires da Silva, e sob o chão deste espaço está a cave onde estagia o espumante da Quinta da Romeira Brut e Brut Natures (sem adição de açúcar) em barricas cujo degorgement e fecho é feito por Manuel Vieira. É neste momento que Manuel Pires da Silva fala sobre “uma nova operação, que será de tintos”, mas encontra-se no segredo dos deuses.
Caminhemos para os vinhos à prova. Neste desfile de copos e aromas provocantes do Arinto, o início é dado pelo Prova Régia Arinto 2014, sobre o qual Maria Godinho afirma que a casta deste “é o Arinto que não é um DOC, apesar das uvas serem da quinta”. À parte deste detalhe, a acidez e a frescura que o caracterizam destacam-se na boca, mesmo quando é feita a prova do Quinta da Romeira branco 2014 DOC Bucelas. Sobre o Prova Régia Reserva 2014, Manuel Pires da Silva enfatizou a requalificação deste vinho, que “está mais elaborado”, motivo pelo qual “irá aguentar-se mais dois ou três anos em garrafa”.
Manuel Vieira teve em mãos a apresentação do Morgado de Santa Catherina, “um vinho de alta qualidade reconhecido em tudo o que é concursos e provas de Arintos”, garantiu Francisco de Sousa Ferreira, tendo o Reserva 2013 desta referência, estado “entre seis e sete meses em barrica de carvalho francês e foi submetido a bettonage, daí que seja mais intenso do que os anteriores, devido também à madeira”, nas palavras de Manuel Vieira. Confirmada a explanação, seguiu-se a primeira edição do Quinta da Romeira Reserva, “que já está certificado e a composição tem, este ano, cerca de 60 por cento das uvas dos campos de ensaio, sendo os outros 40 por cento formados pelo Arinto, o que lhe confere um aroma floral”, enalteceu Maria Godinho.
E eis que chega a vez do inesperado Quinta da Romeira Intense 2015, a prova de que o borbulhar constante de novas ideias é uma verdade absoluta na Quinta da Romeira.“É o vinho mais surpreendente que temos, porque quando pedimos às pessoas para dizerem o que é, ninguém acerta, até porque o aroma adocicado nada tem a ver com o sabor, porque é muito seco na boca”, declarou Francisco de Sousa Ferreira quando falou sobre esta experiência, que foi submetida a uma fermentação “feita com a película das uvas”. A produção ascendeu às mil garrafas “que irão para lojas da especialidade e restaurante de quem saiba comunicar o vinho”.
Passemos aos espumantes, com o Quinta da Romeira Brut 2012, uma referência com dez mil garrafas. Segundo Manuel Vieira, entendedor de tão fina especificidade vínica, “um bom espumante tem de ter um grau alcoólico mais baixo e uma acidez muito elevada”, e este “tem características para suportar uma maior longevidade”, complementou Manuel Pires da Silva. De momento está a estagiar o de 2014. Seguiu-se o Quinta da Romeira Brut Nature 2012 que envolveu o método clássico, o mais usado na região francesa de Champagne, ou seja, a fermentação decorre em garrafa e não contém adição de açúcar, pois foi feito a partir do processo natural.
Assim se comprovou a versatilidade de uma casta cujo berço é Bucelas, mais concretamente a Quinta da Romeira, “um lugar com raízes, para além de que está bem localizada, pois é a primeira quinta que aparece assim que saímos de Lisboa, e Bucelas é uma região que está um pouco esquecida, apesar do seu potencial”, afirmou Francisco de Sousa Ferreira, e só esta propriedade “tem quase 50 por cento das vinhas” desta freguesia de Loures. Portanto, aqui “o vinho tem escala, dada a dimensão da vinha, caso contrário não teríamos vinho para vender”, continuou o CEO da Wine Ventures, que falou ainda sobre a exportação, “o nosso foco”, cujo alcance engloba os cinco continentes, sobretudo o europeu, com a Bélgica, a Holanda, França e a Alemanha à frente – sem contar com Portugal, que concentra a maior parte da produção –, seguindo-se o Canadá e os E.U.A., a América do Sul, a China e o Japão, a Austrália e África. E é neste contexto que referiu também a criação da Fine Wine Aliance, uma aliança fundada em 2014 com três produtores, com o objetivo de unir esforços além fronteiras. São eles a Quinta de Cottas, no Douro (Cima Corgo), a Quinta de São Sebastião, de Lisboa (Arruda dos Vinhos) e a Casa de Santa Vitória, próximo de Beja, no Alentejo.
A Quinta da Romeira é, por conseguinte, “o primeiro passo que desenvolvi na área dos vinhos”, afirmou Francisco de Sousa Ferreira, desta feita, às portas de Lisboa, razão pela qual Manuel Pires da Silva deixa no ar a pergunta: “Porque não dinamizar o turismo de Lisboa com a visita às quintas da região?”
A ir. •
+ Wine Ventures
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Manuel Pires da Silva, Maria Godinho e Manuel Vieira
Já recebe a Mutante por e-mail? Subscreva aqui .