O sabor, a apresentação e a qualidade do produto / Restaurante Estória

Reza a história que o antigo Palácio da Cruz Quebrada era o eleito para Sebastião José de Carvalho, então marquês de Pombal, pernoitar aquando dos seus trajetos entre a cidade das sete colinas e Oeiras. Hoje, o n.º 54 da rua Sacadura Cabral, em Cruz Quebrada, é o ponto de partida do projeto de gastronomia do chef Vítor Areias, onde o repasto celebra bons momentos à mesa.

Delimitado por uma arquitetura despojada e por três salas ditadas pelo grau de privacidade que se deseja, a celebração à mesa é o ponto alto no Estória, para que o repasto seja partilhado sem rodeios com os amigos e a família, e onde o sabor é o prato forte da casa, assim como a apresentação, dois pontos fulcrais na cozinha deste jovem chef de 31 anos, para quem a qualidade do produto é determinante, sendo o conjunto o resultado de um repasto a saborear longe da azáfama de Lisboa.

Comecemos o repasto com o couvert composto pelo pão feito no restaurante e cuja receita foi adaptada, pelas pastas de feijão preto, inspirada na receita de húmus, e de tremoço – “foi sugerida por um dos cozinheiros que trabalha comigo” – e o guloso dip de laranja que resulta de “outra das ideias de equipa”.

No alinhamento do menu de degustação a salada composta por três variedades de batata (nova, doce e roxa), ananás e espuma de queijo de são Jorge, e piso de ervas aromáticas, deu corda ao palato na companhia de um rosé da Quinta do Brejinho, em Grândola.

Falemos com o chef.

Qual é a história que conta através do menu de degustação?
Que as pessoas passem um bom momento à mesa com uma comida com sabor e composto pelos produtos da época e de qualidade apresentado com criatividade, mas pondo a qualidade e o sabor acima de tudo, porque o cozinheiro ou o chef deve ter uma parte educacional,dando a conhecer os nossos produtos, os produtos das nossas regiões, como os cogumelos selvagens, quando os temos – acho que se pode dar azo a um ciclo, pois podemos estimular o nosso produtor a encontrar novos cogumelos, que podem ser exportados, por exemplo.

Como é a relação com os produtores?
Ainda é difícil, talvez por não termos grandes dimensões e, por isso, não encomendarmos grandes quantidades. Temos trabalhado muito com cogumelos selvagens das beiras ou de Trás-os-Montes, os espargos e as túberas do Alentejo, por exemplo.

Sem os cogumelos ou as túberas nem os espargos, Vítor Areias levou, do mar foi, carapau já grelhado do lado da pele e do outro lado ligeiramente cru, prato que rima com o verão, sendo um dos mais apetecíveis do menu de degustação, a par com os pimentos assados e as acelgas da costa.

Com o intuito de encerrar o primeiro capítulo, o chef elegeu o polvo corado com favinhas e bivalves em molho de chouriço, uma combinação que seduziu a boca à primeira.

O Estória apresenta uma cozinha de descobertas, a qual também resulta do trabalho de equipa. É assim?
Há ideias, experiências minhas, que trago e que sei que funcionam enquanto outros pratos são decididos aqui, como o dip de laranja ou a sugestão do tremoço que, na minha opinião, funciona muito bem e assim vamos trabalhando em equipa, embora a decisão final seja minha.

A pedagogia das suas aulas é transportada para aqui?
Na realidade tenho uma equipa cujos elementos gostam do que fazem e, por isso, tenho sorte, além de que tentamos aprender uns com os outros.

De que forma encara a profissão de chef por parte dos jovens?
Hoje há cada vez mais informação e muitas pessoas vêm estes programas e acreditam que facilmente chegam a chefs, não percebem que têm de passar por um percurso. Depois há pessoas para quem este percurso se trata de um caminho a médio, longo prazo, porque se não passarem por uma boa formação – ou seja, ao saírem da escola precisam de passar por bons hotéis e restaurante – vão acabar por não se formar – ou não, dependendo da pessoas. Em todo o caso, é preciso ter uma boa formação nos primeiros dois, três anos.

O ponto de partida são as bases.
São muito importantes e, a partir daqui, conseguem ter outras perspertivas. Numa segunda fase ensino-lhes a cozinha regional portuguesa, pois é bom dar-lhe a conhecer os produtos regionais. Quando damos formação em cozinha não temos de os ensinar apenas como se cozinha, além de que não lhes ensino a minha perspetivas, porque existem outras, por isso digo-lhes ‘pesquisem, procurem, estudem, pratiquem’.

A técnica é outro dos requisitos a ter em conta na cozinha.
A técnica que utilizamos tem a ver com o seguinte: ‘Como é que posso tirar partido deste produtos?’ Ou seja ‘confeciono não confeciono’, como disse tem de ter sabor, até pode ser muito bonita, mas se não tiver sabor não faz sentido; no entanto, se tem sabor, mas não tem apresentação, para mim, também não funciona, isto é, há muito trabalho por trás, há pratos que sofrem muitas alterações, como estas costeletas de javali, daí que a formação e as bases sejam importantes, pois permitem-nos ter outras visões que, por sua vez, também nos permitem criar.

O prato que se segue é esse exemplo de criação, o qual rima com a persistência e, ao mesmo tempo, o encontro com a perfeição. Falamos do javali cuja carne é cozinhada lentamente e desfeita previamente, para servir-se na forma de uma costeleta acompanhada de raiz de aipo, alho francês, arandos e ervas aromáticas, sendo este um prato de caça elaborado a preceito e que casou bem com o Serros da Mina Reserva tinto 2013.

Para terminar, o chef de 31 anos serviu uma sobremesa de truz: Toucinho do céu com tangerina incorporada para o tornar menos doce, acompanhado por um granizado feito a partir do mesmo citrino e creme de pasteleiro com lúcia-lima. Um refrescante e mui interessante prato que abre caminho ao estio que se adivinha.

Em jeito de síntese, no Estória, a cozinha portuguesa é demarcada pela eleição dos produtos nacionais e de época, factos inscritos na carta, “mas não sou fundamentalista”, reforça Vítor Areias, apenas “temos de valorizar o que é nosso”. Em paralelo, aposta na experimentação constante na cozinha, mas só apresenta os pratos quando o sabor e a apresentação estão em consonância.

A respeito do universo vínico, Vítor Areias optou pelos vinhos de pequenos produtores, por “vinhos de qualidade”, com a ajuda de alguém de quem é muito amigo, “porque é um mundo muito grande” e complementado por uma seleção de cerveja artesanal.

Sobre o chef Vítor Areias, de 31 anos, que dá aulas de formação na Escola Profissional de Hotelaria e Turismo do Estoril, a mesma onde ingressou aos 17 anos, para iniciar o seu roteiro pela cozinha, e dá formação do mestrado de artes culinárias e de ciências gastronómicas na mesma instituição de ensino, há que mencionar o seu currículo composto pelo Hotel Sheraton Lisboa, pela Bica do Sapato, com o chef Fausto Aroldi, onde permaneceu por dois anos – tendo regressado aos estudos, para concluir a licenciatura em produção alimentar –, além do 100 Maneiras e do Foral da Vila, ambos em Cascais, do Manifesto, do chef Luís Baena, em Lisboa, da 2780 Taberna, em Oeiras, ou do QB Essence, do chef Paulo Morais, em Oeiras, onde iniciou como chef, e dos estágios no Hotel Arts Barcelona, no Mugaritz, em San Sebastián, ou no Noma, na Dinamarca, e da chefia que assumiu no Assinatura, sempre com a vontade imensa de ter o seu restaurante. Um desejo concretizado ao fim de um longo caminho de uma imparável procura tendo, assim, aberto as portas do Estória em outubro de 2015 e que vale a pena conhecer, mas não sem antes reservar através do 21 1 304 406 e recomendar o estacionamento na rua Policarpo Anjos (paralela à rua Sacadura Cabral) – os jantares são de terça a quinta, das 19.30 às 22.30 horas, e de sexta e sábado, das 19.30 às 23 horas, e os almoços são de terça a domingos, das 12.30 às 14.30 horas.

Bom apetite! •

+ Restaurante Estória
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: O chef Vítor Areias

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