Com a Inglaterra a sair da União Europeia, a consequente e eventual diminuição da compra de Vinho do Porto, e expansão na área da hotelaria, foi inevitável a entrevista ao CEO da The Fladgate Partnership e do The Yeatman Hotel, e atual tesoureiro da Feitoria Inglesa, o emblemático edifício da cidade do Porto, onde só se entra por convite de uma das três família britânicas detentoras de casas do “ouro do Douro”.
Como está o negócio do Vinho do Porto?
Neste momento, o Vinho do Porto está numa fase muito importante, porque há procura em muitos países no mundo e nós temos muito mercado em crescimento. No entanto, alguns dos nossos mercados tradicionais de Vinho do Porto estão em diminuição, ou seja, o volume de vendas do Vinho do Porto com preços baixos irá diminuir, porque não libertam a margem, e o que está em crescimento são as categorias especiais. Portanto, em vez de pensarmos volume, precisamos de pensar valor, o que implica que precisamos de construir incentivos para os agricultores que tenham um trabalho e uvas de qualidade e estas pessoas são, cada vez mais, a chave do Vinho do Porto. É uma realidade faz a diferença entre os agricultores profissionais e os agricultores de fim de semana – os profissionais têm dez hectares, ou mais, de vinha, trabalham a vinha durante a semana e dão emprego, porque este é o seu negócio; os agricultores de fim de semana têm meio hectare onde têm as suas uvas e o trabalho cinge-se aos sábados e aos domingos. Qual é a diferença? Quem tem a visão, quem tem capacidade para investir e capacidade de saber o que é necessário para o futuro não só do Vinho do Porto, mas também do DOC Douro, tem qualidade e a qualidade implica margens, capacidade empreendedora, de investimento e de assegurar o futuro do vale do Douro.
As categorias especiais continuam, portanto, a registar um aumento significativo no mercado do Vinho do Porto. É a prova do potencial do vale do Douro?
O nosso Vinho do Porto da Taylor’s é vendido em 102 mercados mundiais, mas é o consumidor que conhece o vinho de alta qualidade. Por exemplo, do Taylor’s Vargellas Vinhas Velhas produzimos, em 2011, um vintage que Jancis Robison, uma das jornalista mais famosas do mundo, disse ser o melhor vinho feito no mundo em 2011! Isto não é só uma honra para a nossa empresa Taylor’s, é também uma honra para o vale do Douro, porque o vale do Douro tem potencial mas, para abrir caminho a este potencial no futuro, precisamos de alterar a mentalidade das pessoas e as leis, para que o foco se centre mais na qualidade do que na quantidade. Se o fizermos, o futuro do Vinho do Porto e do vinho DOC Douro será muito melhor. Se não o fizermos, se não aceitarmos os novos desafios do consumidor, o futuro será, provavelmente, mais complexo.
“Portanto, o Brexit não é o fim do mundo. O Brexit serve, isso, sim, para alertar os políticos a pensar mais sobre os fatores de gestão, ouvir mais a população e ponderar mais (…)”
A respeito dos novos desafios do consumidor, e com o incontornável Brexit no horizonte, esta realidade poderá ter implicações no contexto do Vinho do Porto?
Quando falamos de Brexit, há três pontos importantes a ter em conta: Primeiro temos uma quebra cambial que afeta o lucro e, como consequência, a capacidade de investimento a curto prazo; segundo porque esta diferença cambial tem a ver com o facto do Reino Unido estar fora do Euro, mas sempre esteve, e o nível cambial que temos hoje é igual ao de 2003, portanto se sobrevivemos naqueles anos, vamos sobreviver agora; e o terceiro ponto é que, há 324 anos que a Taylor’s está a vender Vinho do Porto em Inglaterra, nós encontramos vários desafios, como as guerras, entre outros problemas mundiais muito maiores do que o Brexit. Ou seja, o mais importante é a capacidade humana para analisar os problemas, encontrar soluções e resolver os problemas, por isso, é que somos a espécie que domina o mundo. Portanto, estamos perante um desafio a curto prazo, provavelmente, com implicações. A contrapartida está, por sua vez, na oportunidade para liberalizar a Europa. Ainda sobre a Inglaterra, o país continua sustentável fora da Europa e nunca esteve na zona Euro. Portanto, o Brexit não é o fim do mundo. O Brexit serve, isso, sim, para alertar os políticos a pensar mais sobre os fatores de gestão, ouvir mais a população e ponderar mais, porque quando uma empresa que faz produtos de Vinho do Porto, o mais importante, para mim, são os consumidores e as opiniões deles, daí que eu tenha de adaptar os meus produtos ao meu consumidor. Portanto, acho que o melhor é os políticos e a Europa fazerem o mesmo, ou seja, adaptar as suas políticas para ajudar e ouvir bem o que as pessoas precisam. Só assim é que é possível andar para a frente. Mas eles fazem o contrário do que eu faço.
Mas o Reino Unido continua a ser um mercado importante do Vinho do Porto.
Representa cerca de dez por cento do nosso mercado. O importante a reter aqui é que, daqui a, mais ou menos, dois anos, é que se vai estalar a confusão porque, provavelmente, haverá uma diminuição da compra do volume de Vinho do Porto em Inglaterra, o que irá dar origem a comentários ‘isto é o resultado do Brexit’. Nada disso, uma vez que há coisas mais profundas que vão alterar o mercado de Inglaterra e vai ter consequências no nosso volume de vendas, mas acho que o valor dependerá do câmbio e nós, enquanto empresa, normalmente, não reagimos muito à prática cambial a curto prazo, pensamos sempre a médio, longo prazo e estamos convictos de que o Vinho de Porto de qualidade vai continuar e acredito que o turismo continuará a crescer em Portugal, o que é bom para os produtos portugueses e o Vinho do Porto é dos produtos portugueses que as pessoas compram mais antes de regressar a casa.
Poderá o “ouro do Douro” ser visto como um investimento?
Quando falamos em “ouro do Douro”, falamos da qualidade de um produto que é feito no Douro, falamos do potencial que o Vinho do Porto tem quando é guardado por muitos anos sem se estragar e também porque os Vintage, de marca de boa qualidade, estão relativamente em volumes muito pequenos e, por isso, vão aumentando com o passar dos anos, mas também de um produto que é para beber, para partilhar com os amigos, com a família. Se compro uma garrafa de um Vintage do ano do nascimento da minha filha, quando ela tiver 21 anos não lhe vou dizer para não beber, porque daí a uma década vale mais. Não! Vou abrir para celebrar! Portanto, para mim há a vantagem de comprar ações – antigamente eram entregues em papéis que, quando deixavam de ter valor, eram emoldurados e colocados na parede; hoje não é possível, porque são eletrónicas e quando não valem nada, são mesmo… virtuais. Uma garrafa de Vinho do Porto e de Vinho do Porto Vintage obviamente que é para abrir e beber. E porque é “ouro”? É ouro porque está ligado à capacidade de nós, humanos, fazermos a ligação ao passado. Ou seja, quando lançámos o Scion de 1855 e o 1863, abrimos aquela garrafa e bebemos história, bebemos um mundo completamente diferente. Daqui a uns anos podemos dizer que estamos a beber um Vintage pré-Brexit ou um Vintage pós-Brexit.
“Portanto, este será um ano com grandes desafios, um ano caro e, uma vez mais, será necessário repensar uma nova estratégia para o Douro.”
No entanto, há quem diga que 2016 será um ano “mau” para o Vinho do Porto.
Não é verdade, porque as pessoas misturam duas coisas: Este ano é muito complexo, que custou muito a fazer os tratamentos e é o ano em que, provavelmente, o rendimento dos agricultores – nós somos agricultores – e das quintas é mais baixo este ano, porque tem mais custos e menos produção. Mas, em alguns casos, quando a produção é mais reduzida, a qualidade é mais alta, porque as uvas apresentam maior concentração, que é fundamental quando queremos produzir vinhos de categorias mais especiais. Por exemplo, em 1994, durante a época da floração das videiras [da Quinta] de Vargellas, a parte de baixo estava como deve ser, a parte de cima ainda não tinha começado e a parte do meio representou uma perda de 40 por cento do nosso volume, porque a floração estava ainda muito delicada, no entanto esse mesmo ano foi um dos melhores, uma vez que as uvas apresentavam maior concentração. Portanto, este será um ano com grandes desafios, um ano caro e, uma vez mais, será necessário repensar uma nova estratégia para o Douro. Por isso, para mim, a situação atual não indica que seja um mau ano, será um ano com muito potencial. Vamos ver, pois estamos ainda em julho – as temperaturas estão muito altas, o que é bom para as uvas, pelo que se este clima se mantiver, teremos uma grande vindima.
No alinhamento do Vinho do Porto, a The Fladgate Partnership tem vindo a expandir a área de negócio para a hotelaria, ou seja, além do The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, há também o Infante Sagres, na Invicta, o Vintage House, no Pinhão, e o Hotel da Estrela, em Lisboa.
Quando comprámos o Infante Sagres, comprámos a empresa que tem a concessão do Hotel da Estrela, em Lisboa, o que seria ineficiente, para nós, geri-lo. Portanto ficamos com a concessão do hotel, mas subcontratamos a gestão B&B de outra empresa. A nossa preocupação está, portanto, direcionada mais para o The Yeatman, o Vintage House e o Infante Sagres. Comprámos o Vintage House em outubro [de 2015] e, durante dez semana, fizemos uma obra completa, para refrescar o hotel – pintámos por dentro e por fora, mudámos a receção, transformámos as salas de reuniões em suites, substituímos os tecidos, arranjámos os jardins… e abrimos a 10 de março. Começamos com 43 quartos e reabrimos com 50 e vamos expandir o hotel com mais 25 quartos, um Spa e outras novidades, com a finalidade de prolongar a época. O Infante Sagres, que comprámos em abril, é uma jóia, uma jóia muito especial, a alma da cidade do Porto, uma jóia que precisa de glamour e de um grande investimento. Neste momento, estamos a planear esta recuperação – já fizemos algumas mudanças com a substituição das peças de mobiliário, para melhorar o hotel –, pois vamos fazer obras profundas, que começarão, em princípio, a 16 de novembro e, provavelmente, demorarão cinco meses, estando a abertura prevista para abril de 2017.
O hotel estará fechado durante esse período de tempo?
Vamos analisar. O fechar o hotel e as obras estão muito ligados com a Câmara [Municipal do Porto] e as restantes entidades que irão pronunciar-se em relação à obra. Na realidade estamos em julho, mas podemos contar com agosto. Se contarmos, temos dois meses e meio para as decisões, portanto, só será preciso boa vontade, para que possamos fazer as obras na época baixa. Na minha opinião, o Infante Sagres vai, uma vez mais, ocupar aquele espaço especial da alma da cidade, pois é um produto de alta qualidade e tem uma oportunidade especial para o direcionarmos para um novo nicho.
A aposta na restauração é outro dos pontos estratégicos do grupo? A pergunta vem no alinhamento da associação que tem vindo a ser feita entre a gastronomia e o Vinho do Porto em Lisboa.
Abrimos um restaurante dentro das caves da Taylor’s em 1994, ou seja, há 22 anos para esse efeito – ligar a gastronomia ao Vinho do Porto. No entanto, quando fala sobre esses exemplos refere-se à capacidade de os portugueses terem orgulho no Vinho do Porto. Esta ideia de que fazemos mais internamente por Portugal é para abrir a oportunidade de dar a conhecer aos portugueses os produtos que existem cá, até porque há partes do mundo que conhecem melhor o Vinho do Porto do que os portugueses. A realidade é que quando um turista chega aqui e pede um conselho sobre o que beber, recomendam uma cerveja. Uma cerveja! Porque não lhe dão um Porto branco, um DOC branco ou um Alvarinho do Minho? Porque não temos mesmo orgulho dos nossos produtos, que são diferenciados. Esta diferença é que, hoje em dia, as empresas entendem melhor esta oportunidade e eu acho que, no futuro, haverá mais produtos deste tipo. No entanto, muitos dos empregados de mesa continuam sem conhecer as diferenças entre um Vinho do Porto branco e um Vinho do Porto tinto, portanto é aqui que devemos investir o nosso dinheiro, porque é aqui que podemos fazer a nossa bandeira e influenciar as pessoas, tornando-as embaixadoras do nosso país assim que regressam a suas casas.
“(…) é aqui que devemos investir o nosso dinheiro, porque é aqui que podemos fazer a nossa bandeira e influenciar as pessoas, tornando-as embaixadoras do nosso país assim que regressam a suas casas.”
Como se pode mudar mentalidades neste contexto?
É a liderança. Por exemplo, o The Yeatman: Desde setembro de 2010 que fazemos um jantar a cada quinta à noite, não só de Vinho do Porto, mas também de outros vinhos portugueses e, obviamente com a nossa oferta turística, a qual iremos ampliar no Porto onde temos armazéns, até porque o Porto é uma das três cidades do mundo que dá o seu nome ao vinho, as quais são Porto, Bordéus e Xerez.
Há projetos para o futuro?
Temos projetos! Temos um que está em fase de planeamento que não é possível anunciar. Temos muitos hectares da zona histórica de Vila Nova de Gaia que já não precisamos para armazenar Vinho do Porto, porque já construímos e vamos construir mais armazéns no Douro. E também temos os novos escritórios nas antigas instalações da Real Companhia Vinícola [do Norte de Portugal], que comprámos em 2011, e libertar este espaço no meio da cidade onde estamos a construir mais centros de visitas para os nossos visitantes terem novas experiências. Depois existem dois dois pontos estratégicos, como o Vintage House, em que temos de ter eventos em janeiro e fevereiro, para alargar a época; outro desafio é prolongar a visita de, por exemplo, dois dias e meio para três dias e meio, porque há sempre muitas coisas para ver numa região, numa cidade. Falamos de turismo e não apenas sobre alojamento, porque as pessoas não vão de férias só para dormir e ficar ao lado da piscina, até porque há muitos países no mundo onde a capacidade de bronzear é muito maior – aqui o grau de diferenciação está nas experiências únicas, nas experiências portuguesas. •
Em “solo britânico” no coração do Porto
A sala de estar contígua ao salão de baile da Feitoria Inglesa
Testemunho de uma história secular, o edifício da Feitoria Inglesa, erigida entre 1785 e 1790, na rua do Infante D. Henrique, na zona histórico da Invicta, é utilizado, apenas, pelas famílias britânicas detentoras das casas de Vinho do Porto – como o grupo The Fladgate Partnership, com as marcas Taylor’s, Croft, Fonseca e Krohn – e onde “temos as nossas regras”, disse-nos Adrian Bridge, tesoureiro de 2016 desta Associação Britânica, detentora de uma coleção singular da categoria Vintage e de uma biblioteca fora de série, repleta de vetustos livros sobre mil e uma temáticas lidas e relidas, deixando as marcas do tempo nas cores suavizadas pelo tempo e espalhadas pelas estantes que trepam paredes do primeiro piso, para o qual o acesso é feito pela imponente escadaria de granito.
“Não sei se, no futuro, será aberto ao público e se se transformará num museu importante do Vinho do Porto – os membros agora não o querem fazer, mas não sei qual é a opinião das próximas gerações”, revelou o nosso entrevistado após o almoço na sala de jantar da Feitoria Inglesa contígua, de um lado, ao salão de baile pintado de um azul palaciano, decorado com detalhes em gesso e ornamentado por imperiosos candelabros – ao lado da sala de estar, com vitrinas preenchidas com delicadas porcelanas, entre outras peças, e quadros e o jornal The Times de 1916, mas com a data correspondente ao dia do ano 2016 – e, do outro, à cozinha mais atual, que substitui a antiga, no último piso, onde tudo permanece intacto – os fornos a carvão, os utensílios de ferro, a mesa de madeira ao centro… Um acervo ímpar e intocável, ao qual se juntam tantos outros objetos decorativos dispostos pelo edifício, como os quadros da escadaria e as fotografias que remontam a um passado longínquo de quem construiu a emblemática Feitoria Inglesa que “mostra a realidade da nossa cidade, uma cidade com história, rica em arquitetura, rica na gastronomia e rica nos vinhos e com uma grande diferenciação em relação a outras cidades do mundo. Não tenho qualquer dúvida para achar que esta cidade é especial, é um centro de turismo nacional ao nível de Florença, Veneza, Paris…” Eis o mote para um roteiro pela Invicta e não só, na companhia de um brinde com Vinho do Porto. •