São dez anos de vida e de saber-fazer no mundo do vinho / Herdade do Rocim

Junho de 2017 é o mês do décimo aniversário de uma propriedade no Alentejo que, de um presente de um pai a duas filhas, se converteu no testemunho de uma produção vitivinícola com futuro.

A porta entrada para a adega da herdade com uma vista para um infindável vinhedo desenhado na paisagem alentejana

À medida que o trajecto acompanha o compasso do tempo, contemplam-se os contornos da adega incrustada na terra com a minúcia de um mestre dono de um saber-fazer irrepreensível cuja entrada pouco revela. Logo a seguir, o nosso olhar é tomado por uma escala maior, traçada a régua e esquadro, ao detalhe, traduzindo-se num imenso edifício em betão e pedra, e com pormenores cirúrgicos dominados pelo vermelho.

A contemporaneidade caracteriza a adega pensada a três e projectada pelo arquitecto Carlos Vitorino

“A minha irmã e eu, e o nosso Pai, acordamos que a adega deveria ser ou com uma arquitectura genuína do Alentejo, ou com uma arquitectura completamente diferente.” É diferente, contemporânea. “Para nós seria muito importante que os materiais fossem do Alentejo, e que a sustentabilidade tivesse presente nos materiais usados e na forma de fazer e construir a adega”. Assim é, na verdade, a adega projectada pelo arquitecto Carlos Vitorino pelas palavras da co-proprietária, produtora e enóloga Catarina Vieira.

Estamos na Herdade do Rocim. Entre a Vidigueira e Cuba, no Baixo Alentejo, onde o vinhedo preguiça numa planura quase infinita testemunhada por um património de décadas reunido em 70 hectares dos 120 que totaliza no somatório. “Estas vinhas já existem há muitas décadas e sobre estas não temos dados muito rigorosos do ano de plantação”, salienta Catarina Vieira sobre ao que se pode chamar de felicidade imensa cuja entrega faz de corpo e alma, “porque a minha formação foi agronomia – a inspiração poderá ter vindo dos meus avós” e porque “gostava de ter um terreno para experimentar sistemas de condução, etc.. Achei que essa experiência seria mais rica se fosse no Alentejo. E, no Alentejo, só poderia ser na Vidigueira”.

Sonho concretizado. A varinha de condão para que o desejo se tornasse realidade, podemos nós dizer, esteve na perseverança do pai, José Ribeiro Vieira, que pediu a um amigo para o informar caso houvesse propriedades à venda no Alentejo, em particular, pela Vidigueira. “Encontrou-se a Herdade do Rocim e aquilo que eu pretendia era apenas um terreno!”

Apesar das vinhas velhas, outras vieram com o passar do tempo. “As plantações principais decorreram nos anos 2001, sobretudo Aragonez e também algum Syrah, em 2004 (Touriga Nacional, Aragonez, Alicante Bouschet, Trincadeira), 2005 (Antão Vaz, Arinto, Alvarinho), 2009 (sobretudo Alicante Bouschet mas também Petit Verdot e Tannat), 2010 e 2011”, avança. Nesta última, a lista de castas principais regista o Alicante Bouschet, a Trincadeira, o Petit Verdot, a Tannat e o Cabernet Sauvignon. Mas vamos por partes. Numa súmula, nas castas brancas entram Antão Vaz, Roupeiro, Perrum, Rabo de Ovelha e Manteúdo, enquanto nas tintas há registo de Aragonez, Trincadeira, Alicante Bouschet, Moreto e Tinta Grossa.

Os vinhos “de” Reserva

Comecemos pelo Olho de Mocho, a primeira marca apresentada pela Herdade do Rocim e que foi baptizada pelo nome “de uma planta que existe muito nas nossas vinhas, um malmequer amarelo com o centro preto e, por isso, parece um olho e um mocho”, explica Catarina Vieira. À prova estiveram as colheitas de 2007 a 2014 de Olho de Mocho Reserva branco – assim como a colheita de 2005 e de 2016, que acompanhou a sopa de peixe da dupla de chefs Vítor Sobral e Hugo Nascimento, no almoço de comemoração dos dez anos da Herdade do Rocim –, e todas feitas a partir da casta Antão Vaz, “uvas brancas em silos arenosos”, segundo a nossa anfitriã nos diz no dia da visita à Herdade do Rocim, as quais são vindimadas à mão “como todas as nossas uvas”, salienta, e a colheita é feita uma vez e não por talhão.

“Os trabalhos são feitos com as borras que resultam da fermentação do vinho”, as quais “incorporamos, no inox, com battônage diária por cinco meses”, acrescenta o enólogo Pedro Ribeiro e director-geral da Herdade do Rocim sobre estas colheitas. A escolha das melhores uvas de cada vindima está também associado às colheitas Olho de Mocho Reserva tinto, das quais destacamos as de 2004 e 2013 escolhidas como para acompanhar a presa de porco preto com puré de cogumelos, beringela e migas de espinafres.

Já o DOC Alentejano Grande Rocim Reserva tinto é produzido apenas em anos considerados excepcionais pela equipa de enologia da Herdade do Rocim. “O pisa-a-pé é feito em lagar de pedra” e, depois da fermentação maloláctica, o vinho estagia em barricas de carvalho francês durante 18 meses, com dupla passagem por barrica nova, seguindo-se o estágio em garrafa durante seis meses, de acordo com a ficha técnica das colheitas de 2007, 2009, 2011 e 2013, as quais não faltaram à prova, tendo a primeira e a última feito parte da harmonização com o pudim de água, sopa fria de cenoura, mel, alecrim e maracujá do referido repasto.

Outra das grandes apostas da Herdade da Rocim é o vinho de talha. Na verdade, “algumas já faziam parte do acervo da propriedade e outras fomos adquirindo”, esclarece Catarina Vieira. Quanto à produção, esta é feita na vetusta adega da herdade, a qual “foi sempre, e desde o início, usada para a produção do vinho de talha”, processo a que foi dado o seguimento natural. “A mais-valia é produzirmos mais um tipo de vinho com características diferentes dos restantes.”

Na lista de produção constam as colheitas 2015 e 2016 do DOC Herdade do Rocim Amphora branco, ambas feitos a partir das castas Antão Vaz, Perrum, Rabo de Ovelha e Manteúdo, e DOC Herdade do Rocim Amphora tinto, a respeito do qual, as duas colheitas contém na sua “fórmula” Aragonez, Trincadeira, Moreto e Tinta Grossa. Além disso, “são vinhos que fermentam e estagiam em talhas de barro” e a feitura “rege-se completamente de acordo com a tradição”, diz-nos Catarina Vieira.

Na lista das boas novas, há uma a assinalar: Herdade do Rocim Terracota Clay Aged. “É um vinho que é fermentado em lagar de Pedra e que estagia também em talhas de barro, mas estas são de capacidade de 140 litros apenas”, revela a enóloga da casa.

A vinha do avô Manuel Alves Vieira

Da Herdade do Rocim, no Alentejo, embarcámos numa viagem vinícola, para (re)descobrir néctares de Baco com características diferentes. Falamos de vinhos da vinha do Vale da Mata datada de 2005 e conhecida como a vinha do avô da Catarina Vieira, Manuel Alves Vieira, em Cortes, no concelho de Leiria, sub-região vinícola da Alta Estremadura. “É uma vinha que tinha, naturalmente, de ser e que teria de existir. Por tudo!” Porque era do avô, porque é da família, porque é um regresso às origens, à terra natal, onde a adega fora palco das brincadeiras de infância de Catarina Vieira e o respeito pela Natureza, o modo de vida de Manuel Alves Vieira.

Na lista de castas, as principais são a Tinta Roriz, a Touriga Nacional, o Aragonez e a Syrah, e ora umas, ora outras, tomam conta do registo no contra-rótulo das colheitas de Vale da Mata Reserva tinto. A vindima é manual e “a fermentação é feita em conjunto, sem separação de castas”, adianta Pedro Ribeiro na apresentação mas, na enologia, pouco há a intervir, para que a autenticidade do terroir desta região, marcado pela frescura e a mineralidade do Atlântico, se sinta no nariz e na boca, “sem filtros”.

Os Virgem Suta brindaram à primeira década da Herdade do Rocim

O ano de 2007 regista a primeira colheita do Vale da Mata Reserva tinto feito a partir de Aragonez, Syrah e Touriga Nacional, o conjunto de castas que integrou a composição dos anos 2008, 2009 e 2010. De 2011 a 2013, o Vale da Mata Reserva tinto foi elaborado a partir das castas Touriga Nacional e Tinta Roriz – tendo os de 2007 e 2013 eleitos para fazer companhia ao prato de bacalhau com grão, gengibre e cominhos servido no almoço assinado pela dupla Vítor Sobral e Hugo Nascimento, na adega da Herdade do Rocim sobre a qual, na próxima década, “esperam-se bons, sempre e cada vez melhores vinhos da Rocim. Espera-se uma próxima década risonha”, remata Catarina Vieira, que também faz parte do projecto d’Uva – Portugal Wine Girls e em relação ao qual “acredito que é um sector cada vez mais profissional, mais rigoroso, com melhores produtos. Acredito que temos cada vez mais excelentes profissionais. Independentemente do género, é mesmo importante fazermos bem, saber fazer. Existem muito mais mulheres agora neste sector, é verdade. Neste e em muitos outros sectores, e é importante que todos saibamos trabalhar em conjunto e bem”. •

+ Herdade do Rocim
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Pedro Ribeiro, enólogo e director-geral da Herdade do Rocim, e Catarina Vieira, enóloga, produtora e co-proprietária da Herdade do Rocim

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