A fundação da mais antiga casa de Vinho do Porto em actividade foi celebrada a preceito na Feitoria Inglesa, na Invicta, com uma prova de Vintages datados desde o lendário Vintage de 1945 ao da colheita de 2016, e a apresentação do Croft 430th Anniversary.
O emblemático Croft Vintage 1945 foi o primeiro da fila a ser testado
“Ao longo da prova de hoje há muito em comum, que é a Quinta da Roêda”, afirmou David Guimaraens, director de enologia da Croft e administrados do grupo The Fladgate Partnership desde 10 de Setembro de 2001. Acima de tudo, há história. É disso exemplo o lendário Croft Vintage de 1945, o primeiro de um desfile composto por 17 Vintage que deu o mote para a prova realizada por ocasião do seu 430.º aniversário, na Feitoria Inglesa, localizada a escassos metros da zona ribeirinha da cidade do Porto. A degustação contou com três momentos.
O primeiro abarcou as colheitas de 1945, 1948, 1955, 1960, 1963 e 1966. O ano histórico de 1945 foi unânime nas preferências dos presentes, nota comprovativa de que um excelente Vintage precisa de tempo, de envelhecer bem, para – numa analogia à sabedoria dos decanos – proporcionar uma experiência memorável, desta feita, nas papilas gustativas. Aliada ao saber fazer está o ancestral conhecimento empírico associada à vindima, ao tratamento das uvas na adega, à salvaguarda da pisa a pé, ao rigor do processo produtivo.
A mudança de rótulo é visível nas garrafas da década de 1990
Os anos de 1970, 1975, 1977, 1991 e 1994 espelham uma nova era na Quinta da Roêda – localizada no Pinhão, na sub-região do Cima Corgo, no coração da mais antiga região demarcada do mundo –, “a primeira adega mecanizada do Douro”. Este período é, por conseguinte, marcado pela implementação das novas tecnologias, devido às mudanças que o país atravessou nessa altura.
Ainda na década de 1970 e início da de 1980, houve o registo da nova fase na vinha, com a sua reconversão, na Quinta da Roêda, o que “permitiu recuperar as castas que as vinhas velhas têm”, continuou o director de enologia da Croft.
A implementação da vinha um bardo, disposição que permite a sustentabilidade do ecossistema envolvente, foi disso prova.
Após a compra da Quinta da Roêda pela The Fladgate Partnership – esta aquisição “foi, na altura, um investimento substancial para a nossa empresa”, revelou o director-geral da Croft Adrian Bridge – foram construídos, em 2002, os quatro lagares de granito que, ainda hoje, permanecem na adega da Quinta da Roêda. O objectivo foi retomar a prática secular da pisa a pé, um regresso ao passado em nome do futuro. Actualmente, “uma parte é feita a pisa a pé e a outra parte é mecanizada”. Vamos saber porquê mais à frente.
“Combinar cor, corpo, qualidade, frescura e longevidade é que é difícil”
No terceiro momento foram postos à prova os Croft Vintage de 2000, 2003, 2007, 2009, 2011 e 2016. O ano de 2000 registou a escolha de outra aguardente, “com uma pureza e uma limpidez que permite que a fruta se exprima muito mais”, explicou David Guimaraens. Mas “o Vintage da minha carreira” foi o da colheita de 2003, o reflexo da qualidade, da identidade e da personalidade de um terroir que exprime o estilo da Quinta da Roêda: “Diz muito sobre o salto que dei”. Já o de 2007 reflecte a “complexidade e a frescura semelhante ao de 1963”, até porque é fácil obter cor e corpo num Vintage. “Combinar cor, corpo, qualidade, frescura e longevidade é que é difícil”, enfatiza o director de enologia da Croft comparando o Vintage de 1963 com o de 2007.
A súmula da história desta casa converge no novo Croft 430th Anniversary Celebration Edition (€17,90), um Vinho do Porto Reserva Ruby de edição limitada com o carácter frutado, a elegância e a complexidade ao estilo da Quinta da Roêda. Fica a recomendação de acompanhar com um bom queijo cheddar e sobremesas à base de chocolate preto e frutos silvestres. O rótulo deste néctar ostenta a recriação da obra “Naufrágio da Armada Espanhola em 1588” – ano da fundação da Croft –, da autoria do artista plástico holandês Jan Luyken, a qual integra o acervo do Rijksmuseum, de Amesterdão.
Às voltas com as castas
António Magalhães, director de vitivinicultura na Quinta da Roêda e das demais propriedades da The Fladgate Partnership, grupo detentor da Croft, continua a cativar com as suas histórias sobre a história do Douro e das castas autóctones desta região demarcada
António Magalhães, director de vitivinicultura na Quinta da Roêda, aguarda a nossa chegada à propriedade duriense, na companhia de David Guimaraens. Em análise estão os 75 hectares de vinha e os 12 de vinha velha. Todos são ocupados por castas autóctones do Douro, à excepção do Alicante Bouschet. O director de viticultura menciona um conjunto de factores-chave que formam o terroir desta propriedade duriense ou, melhor ainda, “a viticultura de montanha em clima quente”, segundo António Magalhães: localização, altitude e exposição solar.
A altitude da Quinta da Roêda, no Pinhão, na sub-região do Cima Corgo, situa-se entre os 80 e os 320 metros. Logo, há o registo de uma diferença de altitude à medida que se sobe na propriedade, com a vinha virada a Sul, beneficiando de uma exposição solar durante a maior parte do dia.
A pluviosidade é outro dos factores que diferencia as três sub-regiões da mais antiga região demarcada (Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior). Ou seja, “aquilo que distingue a divisão do Douro é precisamente a quantidade de chuva que cai num ano.” António Magalhães fala ainda do ciclo da chuva que, em média, completa ao fim de 30 anos.
Sobre a história do Vinho do Porto, o director de viticultura retrata a evolução da vinha no Douro, desde as primeiras situadas em Lamego, no distrito de Viseu, no lado Sul do rio, num Douro do século XVI.
Já o episódio acerca das castas tintas Mourisca e Touriga, autóctones da região duriense e da vinha-escola a céu aberto – está tudo aqui. Só há um detalhe a acrescentar a este relato: além de ser a preferida de António Magalhães, a casta Tinto Cão deve ser estimada, assim como deve ser preservado o património genético da Mourisca que, do cruzamento com a Touriga, deu origem à Touriga Francesa – desde o ano 2000 que passou a ser denominada de Touriga Franca.
David Guimaraens, director de enologia, fala sobre os Vinhos do Porto da Croft com a dedicação devida
David Guimaraens centrou-se, por sua vez, no trabalho realizado na adega: “saber escolher as uvas que vêm para o lagar” e quão importante é “deixar abrir a película e deixar sair a grainha” inicialmente; mexer, fazer a pisa pé, bem como saber quando se pode introduzir a pisa mecânica e a passagem para o macaco, a qual é feita assim que começa a fermentação. Relembrou que “o Vintage está no nosso DNA” e de que esta foi a primeira adega a desenvolver a pisa mecânica, “para nos prepararmos para o futuro”, isto é, por causa da escassez de mão de obra, problema que está a afectar grosso modo a região do Douro (leia a reportagem da Mutante).
No quadro das castas, David Guimarães deixa uma nota: “na [Quinta da] Roêda, a Tinta Francisca é muito importante”. Além desta, a Rufete e a Tinto Cão contribuem para o equilíbrio dos Vinhos do Porto produzidos nesta propriedade “ou por sabor, ou por acidez”.
Regra geral, “os vinhos da [Quinta da] Roêda são muito aveludados”, facto associado com a exposição solar e a mistura de castas.
As velhas páginas da mais antiga casa de Vinho do Porto em actividade
A Quinta da Roêda, aqui representada pelos socalcos predominantes na paisagem que a caracteriza, é o berço dos icónicos Vintage da Croft
A narrativa sobre a Croft começa em 1588, em York, no nordeste de Inglaterra, pelas mãos de Henry Thompson e no mesmo ano da tentativa da invasão protagonizada pela Armada Invencível do Rei Filipe II de Espanha, em terras de Sua Majestade.
Depois da aquisição de caves de vinhos, em 1947, em Bordéus, e da continuidade no ramo da importação têxtil, desde o século XVII, a família vem para Portugal em 1654. À frente ficou Richard Thompson, responsável pela mudança para uma empresa de Vinho do Porto.
O nome Croft surge em 1681, aquando da união entre ambas as famílias, seguindo-se a entrada de John Croft para o negócio pelo qual a empresa ficou conhecida até hoje. O primeiro Vintage é produzido cem anos depois, isto é, em 1781. As colheitas de 1784, 1785 e 1786 também foram anos especiais.
A história continua, desta vez protagonizada por John Croft III, mais conhecido por Jack que, em 1810, pela altura das invasões francesas, foi recrutado pelo ministro britânico Charles Stuart, para descrever os movimentos das tropas napoleónicas no Norte de Espanha. A informação era transmitida, nada mais, nada menos, do que Arthur Wellesley que, mais tarde, foi tornado Duque de Wellington. Terminada a guerra, Jack Croft ficou com a missão de administrar um fundo, o Distribution, entre Setembro de 1811 e Julho de 1812. O objectivo era apoiar as famílias portuguesas, do interior de Portugal, atingidas pela devastação provocada pelos invasores franceses. O acto heróico valeu-lhe o título de Sir John Croft e o de Barão da Serra da Estrela, por parte da Coroa Portuguesa.
Em 1824 tornou-se o único proprietário da Croft, mas depressa regressou a Inglaterra. A gerência foi delegada à empresa Gonne, Gribble e Holford.
A Quinta da Roêda aparece em 1889, com a compra desta propriedade localizada no Pinhão, na região da Douro. A aquisição está na origem da fama dos Vinhos do Porto Vintage produzidos nesta quinta. O negócio do Vinho do Porto Croft floresceu graças ao apoio fornecia pela Gilbery’s, em Londres que, primeiro comprou metade das acções a John Frederick – filho de Jack Croft – e, 1911, ficou com a totalidade das quotas. No período de tempo entre as duas guerras mundiais, a Croft conquistou a reputação no universo do Vinho do Porto, como uma das melhores no que à produção de Vintage diz respeito.
“As histórias são a riqueza de uma casa, mas o futuro é muito mais importante”, remata Adrian Bridge. •