A viticultura de montanha e a vinificação registam a sabedoria empírica com mais de 300 anos, a qual culmina com o segredo da lotação enaltecida também por David Guimaraens, descendente de uma família de enólogos do Douro.
David Guimaraens representa a sexta geração de de uma família de enólogos da história do Vinho do Porto
Ao longo de seis semanas, as rogas, com cerca de quatro centenas de pessoas, oriundas dos quatro cantos do país, fizeram a colheita manual das uvas das vinhas que ornamentam um total de 107 hectares de uma das mais belas propriedades do Douro Vinhateiro, a Quinta da Roêda, bem perto do coração da vila do Pinhão, onde David Guimaraens, viticólogo e enólogo da Taylor’s, da Fonseca e da Croft, e um dos administradores da The Fladgate Partnership estava à nossa espera. “No fim há uma festa, com o senhor Pica – figura emblemática e que fez parte da história do grupo – e oferece-se um ramo feito de videira com uvas ou flores aos patrões e versos, o qual fica na cantina até à vindima do ano seguinte, sem se mexer, para evitar o azar”, explica. “Só quem vive a vindima é que percebe.”
David Guimarães pertence à sexta geração dos Fonseca Guimaraens e, por conseguinte, à mais extensa série de gerações de uma família de enólogos dos anais do Vinho do Porto, ou seja, desde 1860, têm as vindimas debaixo de olho e fazem os lotes do “ouro do Douro”, segundo palavras de Adrian Bridge, o diretor da The Fladgate Partnership, na entrevista já publicada na Mutante (leia aqui a reportagem). Após a conclusão dos estudos em enologia na Austrália, David Guimaraens ingressa, em 1990, na The Fladgate Partnership e, quatro anos depois, destaca-se na produção da Taylor’s e da Fonseca, ambos premiados com 100 pontos pela revista norte-americana Wine Spectator.
“Pão e vinho anda caminho”
A frase está inscrita num dos tonéis de um dos armazéns que fazem parte da planta da adega da Quinta da Roêda, propriedade da Croft desde 1889 e que voltou às mãos da família em 2001, aquando da aquisição da vetusta casa de Vinho do Porto pela The Fladgate Partnership, a qual foi fundada em 1588 sendo, por conseguinte, a empresa em atividade mais antiga da área. A acompanhar está o nome do tanoeiro e o ano em que foi executado. Ao todo são 22 os tonéis feitos à medida para guardar o que as uvas dão.
Em duas divisões, uma das quais com janelas rasgadas para a vinha há, ao todo, oito lagares de granito para o pisa-pé das uvas da Quinta da Roêda e das uvas das outras quintas do grupo, o testemunho dos tempos em que “o conhecimento empírico com mais de 300 anos” advoga a utilização do lagar tradicional para o pisa-pé, “um método com um carácter próprio, especial, e que nós queremos manter”, sublinha David Guimarães. Para o efeito, há dois grupos de homens e mulheres, em lados opostos no lagar que, ao fim de uma hora vão até ao meio e, uma hora depois estão, de novo, de volta ao princípio – na companhia do rogador, que marca o ritmo. Ao fim da segunda hora todos gritam bem alto “liberdade” e cantam mais duas horas. Ao soar as 12 badaladas da noite vão dormir. Segue-se a fermentação, que decorre durante 12 horas.
Há mais dois dias de pisa pé combinado com a pisa mecânica. “Com isto vamos buscar o melhor de dois mundos” e, ao mesmo tempo, aliviar o extremo esforço feito pelo Homem. E repete-se o processo da fermentação, que para ao fim do terceiro dia, sendo o vinho distribuído nas cubas de inox e, depois, para estágio em madeira. Em fevereiro/março é feita uma segunda prova para avaliar cada uma das castas, com a finalidade “de eleger as melhores para cada categoria de vinho”. Para o viticólogo e enólogo da The Fladgate Partnership, “o trabalho de avaliar cada vinho é a grande arte do provador”, para a feitura dos Vintage – bem como dos Reserve e dos LVB’s –, “de forma a conduzir o seu envelhecimento até à altura do seu aperfeiçoamento”, esclarece. Nessa mesma altura do ano, “obrigam o vinho a casa com a aguardente proveniente da região de Cognac, uma lua de mel forçada quase no fim do inverno”, sendo o segundo inverno passado já em Gaia.
Em suma “o Vinho do Porto une a combinação de duas riquezas: O trabalho da viticultura e de vinificação, por um lado, e o trabalho e a sabedoria de lotar, envelhecer e levar para o mercado, ao longo de séculos, de gerações de famílias, um dos vinhos mais representativos a nível mundial”. Um trabalho que começa no vinhedo, na arte de trabalhar a planta, ofício que requer sabedoria, também esta geracional, elementar numa região demarcada por oscilações climáticas conjugadas pela diferente disposição solar de cada vinha, pelas elevações serpeantes da terra e pelo solo xistoso, variações essas que, no seu todo, “fazem um grande vinho, o Vinho do Porto”, salienta David Guimaraens.
O emblemático Porto Vintage da Croft
Croft Quinta Roêda Vintage Port 2008
A eleição da Quinta da Roêda não aconteceu por acaso. Uma janela aberta para a obra protagonizada pelo Homem ao longo de séculos, acrescentando valor ao que de mais valioso há nesta que é a mais antiga região vitivinícola demarcada do mundo, o Vinho do Porto, a Quinta da Roêda é o berço das melhores uvas utilizadas na feitura do Vintage Port Croft, produção iniciada no período entre as duas guerras mundiais e que valeu o incremento da reputação da Croft na época, com particular ênfase no lendário Croft Vintage 1945.
No presente, o destaque vai para o Croft Quinta Roêda Vintage Port 2012, um ano vitícola de feição para a produção de um Vintage desta casa, o qual casou com uma vindima que decorreu sob as condições exigidas para um resultado distinto. Em paralelo, falamos do Distinction Port Special Reserve, um Vinho do Porto Fine Reserve feito a partir de um lote de vinhos do Porto cujo estágio decorreu, entre quatro a cinco anos, em tonéis de carvalho, podendo o consumo ser imediato, ao contrário do primeiro, que deve ser decantado, a fim de evitar o depósito acumulado no fundo da garrafa.
Aos mais arrojados, a recomendação recai no Croft Pink, o primeiro Vinho do Porto rosé. Sobre o processo de vinificação deste néctar de Baco do Douro, este consiste em submeter as uvas de castas tintas ao processo de vinificação de um vinho branco não envelhecido, sendo a decantação feita a frio, antes da fermentação, feita também a frio. Agora há que dar corda à imaginação – ou ver aqui as sugestões de receitas – e brindar com os amigos e em família.
No roteiro pelo Douro
A amplitude da loja contíngua à sala de provas do Centro de Visitas
Sobre a Quinta da Roêda importa falar ainda sobre o Centro de Visitas inaugurado no passado mês de setembro. A ocupar os antigos estábulos da propriedade duriense, restaurados a preceito, respeitando a rusticidade da traça original do edifício, o Centro de Visitas é uma janela para o vinhedo que preguiça longamente na encosta até ao rio. Um cenário que merece a visita guiada, a começar no miradouro, com uma indescritível vista sobre o Douro, que recorta a paisagem vibrante ora dominada pelos tons terra, oura pelo verde, ora pelos dourados das folhagens das vinhas.
Falemos do programa. Na lista estão descritas três experiências distintas que alia a sala de provas do Vinho do Porto da Croft, onde se encontra a loja com o Vinho do Porto e o azeite virgem extra da Quinta da Roêda. Comecemos pela Experiência Base, com degustação de três vinhos do Porto e visita autónoma (€ 7). Já a Experiência Personalizada inclui a degustação de três vinhos do Porto e a visita guiada aos lagares e à vinha com explicação detalhada dos processos da vinha ao vinho (€ 10). A Experiência de Vindima, que requer reserva antecipada, abrange a degustação de três vinhos do Porto, a visita guiada aos lagares e à vinha, com explicação detalhada dos processos da vinha ao vinho, e a entrada em lagar, para pisar as uvas (€ 22).
O Centro de Visitas da Quinta da Roêda mantém as portas abertas todos os dias, das 10 às 18 horas. Para solicitar mais informações, pode ligar para o 220 109 830 ou através de turismo.roeda@croft.pt. •
+ The Fladgate Partnership
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Vista para o Centro de Visitas da Quinta da Roêda
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