A nova carta de Diogo Noronha reflecte o seu contínuo respeito pela sazonalidade, pelos recursos naturais do mar e pela redução do desperdício. Sem esquecer a simplicidade do sabor, a qualidade do produto, nem a sua criatividade neste restaurante em Lisboa.
O pão “caseiro” de Clayton Ferreira
A boa nova mergulha em dois menus de degustação do Pesca, restaurante de portas abertas desde Setembro de 2017, no Príncipe Real, em Lisboa. Além da carta de Verão, na qual o peixe e o marisco são reis entre sabores da terra confeccionados a preceito pelas mãos do chef Diogo Noronha e da sua equipa, desta feita composta por oito entradas, oito pratos principais, quatro sobremesas e uma selecção de queijos portugueses. Uma verdadeira viagem criativa e plena de sabor entre a costa portuguesa, o alto mar e a terra firme. Desengane-se, desde já, quem pense que, por aqui, peixe não puxa carroça.
Mexilhão fumado com negroni (nome do cocktail italiano inventado, em 1919, pelo Conde Negroni) e areia da praia foi o amuse-bouche do chef harmonizado com Larmandier-Bernier Longitude Blanc de Blanc Extra Bruto Premier Cru, um orgânico champanhe feito a partir da casta branca Chardonnay
Da cozinha inspirado no mar sai uma das experiências à mesa do Pesca: Maresia. Este é o nome escolhido para o conjunto de três pratos criados em homenagem a produtos-bandeira do país: as ostras do rio Sado e a garoupa da pedra do arquipélago açoriano. Este trio marinho é rematado pela pré-sobremesa e pela dupla protagonizada por morango e ruibarbo, acompanhado de sable linzer, creme namelaka de zéphyr 34% e sorvete de orchata de arroz um exclusivo do chef pasteleiro Clayton Ferreira para este alinhamento.
A experiência começa com os saborosos espargos verdes na brasa, cantarelos glaceados, mostarda do mar, queijo da ilha e carvão vegetal, o primeiro momento do menu Maré e o par perfeito para o Pasmados branco 2008, com as castas Arinto, Viognier e Viosinho, da José Maria da Fonseca
Ao menu de degustação composto por sete momentos criados para degustar calmamente, Diogo Noronha chamou de Maré. O mote é mostrar quão diversa é a fauna marítima da “nossa” costa e o quão imensa é a cumplicidade entre o mar e a terra no prato. No alinhamento são servidos os espargos verdes na brasa, as gambas da costa algarvia, as sardinhas da nossa costa, o peixe espada preto e nori, o salmonete braseado e o chocolate Santo Domingo 70% antecedido pela pré-sobremesa.
Ainda acerca da pastelaria e, por conseguinte, da autoria de Clayton Ferreira fica, desde já, o destaque para o tomate, com cremoso de leite e manjericão, azeite DOP transmontano e terra de vegetais. Ainda assim é de salientar a conquista da importância do pão no Pesca, o qual continua a ser confeccionado como se de um pão “caseiro” se tratasse ou não fosse feito a partir de farinhas escolhidas a dedo e com recurso à massa mãe.
A frescura da entrada protagonizada pelas gambas da costa algarvia “dos pés à cabeça” com salmorejo, chalotas em pickle, alfaces do mar e da terra biológica, o segundo momento do menu Maré
No que às experiências vínicas diz respeito há, agora, um novo rosto: Francisco Guilherme. O escanção de 32 anos volta a trabalhar ao lado de Diogo Noronha uma década depois de já o ter feito, outrora, em Pedro e o Lobo. Desta feita, ficam em destaque os vinhos brancos mais antigos, os biológicos e os naturais, bem como as castas portuguesas mais raras, até porque, para além da comida e do serviço, a carta de vinhos retoma a importância na restauração do país.
Sustentabilidade. Sazonalidade.
Peixe espada preto e nori, couves de temporada, manteiga de caril de Madras, rábano e ovas de arenque, o quarto momento do menu Maré, foi acompanhado por Kressman Monopole Sauvignon Blanc 2016, um vinho branco de Bordéus, que se destacou pelo seu lado vegetal em consonância com o do prato
“Trabalhar algumas espécies na sua temporada parece-me um princípio muito válido, não só pela sustentabilidade das próprias, mas também porque conseguimos utilizar o peixe no seu melhor momento.” A afirmação de Diogo Noronha é peremptória quando lhe pedimos para explicar de que forma é possível elevar o peixe e o marisco portugueses a outro patamar, como acontece com a sardinha, acompanhada por cremoso de grão-de-bico, pimentos vermelhos braseados, citrinos confitados e ice plant.
A sublimação é consequência da utilização de “técnicas e combinações que não só complementam o sabor e textura do peixe”, mas também permitem a apresentação de versões diferentes do mesmo produto “pouco esperada pelos nossos clientes, o que tem surpreendido pela positiva”. O chef dá como exemplo “pratos que saem de um contexto mais comum”: o peixe espada preto, o pregado, a anchova dos Açores e a sardinha. Ou o tártaro de atum de temporada, morangos e soja, couve rábano e sumo de beterraba, uma das entradas da carta.
“O marisco já é outro assunto. Deve-se aplicar os mesmos princípios de temporada e sustentabilidade, mas o processo de valorização começa com as relações com os fornecedores e os apanhadores que, muitas vezes, levam o marisco para Espanha onde é mais valorizado em geral.” Diogo Noronha diz mesmo que, a respeito desta matéria, “há um caminho a percorrer”. Face a este cenário, o chef dá o bar de ostras do Pesca como exemplo, assim como o carabineiro e as gambas da costa algarvia.
O salmonete braseado migas de pão e puré de alcachofra surpreendeu pela combinação com as favas, tomatada e ovo a baixa temperatura, prato que integra o quinto momento do menu Maré e cujos sabores contribuíram para a harmonização com o Quinta da Revolta Touriga Fêmea 2014, um monovarietal tinto DOC Douro
Para Diogo Noronha, “a dieta alimentar, a indústria que a rodeia e a restauração em particular” determinam a sua preocupação, além de que são temas em permanente debate na actualidade. A questão assenta na mudança gradual da alimentação no mundo inteiro, uma realidade a verificar nas gerações vindouras. “Temos de trabalhar com a missão de preservar o nosso meio ambiente, garantir a sobrevivência das espécies e garantir a evolução dos nossos hábitos alimentares nesse sentido.”
O prato da garoupa da pedra dos Açores (com tomate de temporada, patissons, cenouras do poial na brasa e erva cidreira) é disso exemplo. O facto de ser muito abundante, entre junho e outubro, no arquipélago motiva, agora, o chef do Pesca a tê-la na carta e a integrá-la no menu Maresia. “Temos de trabalhar com a missão de preservar o nosso meio ambiente, garantir a sobrevivência das espécies e garantir a evolução dos nossos hábitos alimentares nesse sentido.” A adaptação a uma nova realidade é, por si só, cenário indicativo de evolução da cultura gastronómica.
O refrescante cocktail de sabugueiro e pepino de Fernão Gonçalves, responsável pelo bar de ostras do restaurante
A qualidade do produto utilizado na cozinha do Pesca, o respeito pela sazonalidade, a escolha dos fornecedores e parceiros, a redução do desperdício – requisito complementar visível na carta de cocktails assinada por Fernão Gonçalves – são algumas das iniciativas da cozinha do Pesca que conduzem a uma conduta baseada na sustentabilidade.
A frescura do morango e do ruibarbo combinaram na perfeição com os restantes ingredientes – sable linzer (biscoito tradicionalmente recheado com geleia de framboesa) creme namelaka de zéphyr 34% (creme japonês feito com chocolate branco zéphyr 34%) e sorvete de orchata (bebida de origem vegetal espanhola) de arroz – e, curiosamente, com o AM tinto, o abafado molecular feito com a casta Baga, do produtor vitivinícola da região vitivinícola da Bairrada, Luís Pato
Em suma, são estas as premissas da filosofia de vida de Diogo Noronha: “Faz parte da minha maneira de estar e ver a vida. É um desafio diário com o qual eu e a minha equipa estamos comprometidos.”
Chocolate Santo Domingo 70%, cremoso frio de banana da Madeira e sésamo negro é a sobremesa exclusiva do menu Maré, para a qual Francisco Guilherme escolheu Blandy’s Bual 2002, um Vinho da Madeira meio doce
Acicatado o palato, está na hora de reservar de Terça-feira a Domingo, das 12 às 15 horas e das 19 às 00 horas através do 213 460 633 ou de pesca@restaurantepesca.pt .
Bom apetite! •