Chamado, inicialmente, de Festival de Gastronomia de Tiradentes, tem esta cidade brasileira como berço. Conta já com 21 edições e deu origem à esta plataforma dedicada a mapear produtores, para fomentar redes entre mercados e cozinheiros do “País Irmão”.
Ariani Malouf, chef do restaurante Mahalo, em Cuiabá, Mato Grosso, Luiza Fecarotta e Teresa Vivas, curadoras do Brasil e Portugal, respectivamente, João Rodrigues, chef do restaurante Feitoria, e Jorge Raiado, da Salmarim
A cidade de Tiradentes, do Estado de Minas Gerais, no sudeste do Brasil, densamente povoada por portugueses. “Tiradentes é uma cidade muito rica em gastronomia.” Quem o diz é Patrícia Tavares, publicitária, com formação em Comunicação, e coordenadora artística e internacional da Plataforma Fartura que, nos dias 16 e 17 de Novembro, subiu ao palco do Mercado da Ribeira, na capital do nosso país, como Festival Fartura Lisboa.
Ao contrário do que se poderia imaginar, foi a cultura a génese deste grande evento. Criado por Ralph Justino, o então secretário de Cultura e Turismo da cidade, esse acontecimento dá origem ao primeiro Festival de Gastronomia de Tiradentes. “Nesse festival começaram a levar chefs do mundo inteiro”, continua Patrícia Tavares, no qual eram feitos “pequenos jantares”. A pouco e pouco, começou a ser reconhecido como a grande festa da gastronomia do país. “Grande parte desses chefs começaram a fazer a conexão com os cozinheiros brasileiros e a entender os produtos brasileiros.”
A diversidade de produtos do país foi, desde então, reconhecida por muitos cozinheiros, que os “exportaram” para as suas cozinhas. O aumento exponencial da procura levou, dez anos depois, ao registo de um boom da matéria-prima brasileira.
Em simultâneo, surgiram os grandes chefs brasileiros, como Alex Atala, chef e proprietário do D.O.M. (2 estrelas Michelin). “Ele foi muito representativo, porque fez uma pesquisa grande no Norte do Brasil e começou a contar, para o Brasil, o volume de produtos diferenciados que a gente não conhecia”, explica a coordenadora artística e internacional da Plataforma Fartura. Ou seja, em dez anos houve uma viragem marcante tanto para o evento, como para a cozinha brasileira.
Projecto com coração, cabeça e estômago
Arroz carolino de salicórnia queimada e ostra angulara do rio Sado, prato do chef João Rodrigues para o almoço servido, no âmbito do Festival Fartura Lisboa, no premiado restaurante do Altis Belém Hotel & Spa
A simbologia do título da obra de Camilo Castelo Branco – “Coração, Cabeça e Estômago” – não está aqui por acaso, se justificarmos a ligação das três partes da mesma com o desenrolar desta história. Afinal, a primeira parte esteve sempre muito ligada à criação de emoções, se nos remetermos aos “pequenos jantares” organizados no início.
O Festival de Gastronomia de Tiradentes ganhou outra nova página com a compra do mesmo, em 2006, pelo empresário e empreendedor brasileiro Rodrigo Ferraz. O passou seguinte foi dado com o mapeamento dos produtores brasileiros. Este procedimento integrou chefs – e, consequentemente, os restaurantes – e o “mercado comprador de produtos”, trilogia que se resume “no maior PIB brasileiro”, ou seja, no “maior PIB nacional está na gastronomia”, explica Patrícia Tavares, dados que sustentam a racionalidade de um projecto.
Este conceito – de mapear produtos e criar uma rede entre produtores o mercado e os chefs – passou a fazer parte deste projecto. Resultado: “fomos convidados para desenvolver a gastronomia noutros estados.” O Ceará foi o primeiro a dirigir este convite, razão pela qual o Ivan Prado, cearense, foi o chef que, na passada quarta-feira, dia 21 de Novembro, confeccionou um almoço, no passado dia 21 de Novembro, em conjunto com João Rodrigues, chef do Feitoria (1 estrela Michelin), restaurante do Altis Belém Hotel & Spa, em Lisboa. Belo Horizonte, Belém do Pará, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre e São Paulo são os outros estados brasileiros associados à Plataforma Fartura. “Todos esses estados estão investindo muito na gastronomia”, generaliza Patrícia Tavares.
À beira-mar, prato do Ivan Prado, chef e consultor gastronómico do SENAC/CE, no Ceará, composto por crosta de coco queimado, molho verde com leite de coco, coentros e pimenta de cheiro, e pirão com farinha de mandioca
O nome atribuído, há seis anos, a este projecto foi Fartura. “Era exactamente o simbolismo de uma diversidade muito de produtos no Brasil”, justifica a coordenadora artística e internacional deste evento que, desde finais de 2016, está a trabalhar a Plataforma Fartura no âmbito de uma perspectiva estratégica.
A importância da gastronomia, em geral, galgou as expectativas com o aparecimento, no Brasil, de milhões de festivais de gastronomia, para os quais foi preciso ter estômago. Por isso, Patrícia Tavares e toda a equipa do Fartura tiveram de “reposicionar o projecto como Plataforma de Gastronomia Brasileira”. A reformulação determinou a primazia atribuída aos chefs brasileiros, com os internacionais a deixaram de fazer parte da programação deste projecto.
O trabalho minucioso desta equipa começa logo no início do ano, com uma lista de produtores que, depois, são visitados pelos elementos da Plataforma Fartura. “Já visitámos muitos produtores: de peixe, de camarão, de açaí, de tapioca, de café, de cachaça, de queijo…” Uma imensidão de mulheres e homens cujos nomes estão inscritos num mapa com os “melhores produtores do país”, garante Patrícia Tavares.
De acordo com os requisitos instituídos por esta plataforma, são feitas filmagens e a descrição de cada visita. O propósito é contar as histórias dos produtores no site e em livros. Todas as histórias englobem produtores, mercados e chefs, a trilogia indissociável para o contributo maior do PIB do Brasil. “Hoje temos chefs em São Paulo que cozinham com produtos do Norte [do Brasil]”, exemplifica.
A história por detrás do prato
“Como se fosse um bacalhau à Brás”, do chef anfitrião
“Quando decidimos que a Plataforma Fartura divulgaria a gastronomia brasileira, os produtos brasileiros no próprio Brasil e no mundo, a gente começou a pensar: ‘para onde vamos fazer isso?’ Aí a gente definiu que tinha de ser Portugal.” Patrícia Tavares remete para as influências que Portugal exerceu na cozinha do “País Irmão” aquando dos Descobrimentos, apesar dos mesmos pratos terem nomes diferentes num país e no outro. “Os brasileiros não sabiam que essas influências foram totalmente portuguesas e os portugueses não sabiam que existia esse prato no Brasil, que é a mesma receita”, sublinha referindo-se à galinha a cabidela, receita de cá, que é o frango a molho pardo, de lá.
A decisão envolveu a vinda, a Portugal, de Patrícia Tavares. A viagem decorreu em Maio deste ano, após o convite dirigido a Teresa Vivas, para exercer a função de curadora gastronómica portuguesa nesta plataforma brasileira. Com base no trabalho que tem vindo a ser feito no “País Irmão”, foram visitados produtores cujos produtos fossem similares aos do Brasil. A nossa entrevistada referiu o Queijo da Serra da Estrela cujo processo de produção é semelhante ao do Queijo Canastra, localizado na Serra da Canastra, no sudoeste do estado de Minas Gerais.
Este trabalho conjunto determinou, por sua vez, à criação de um canal de comunicação chamado Fartura Portugal. Este é constituído por narrativas sobre o que têm vindo a descobrir dentro de portas. Objectivo: levar produtos de lá para cá e de Portugal para o Brasil. “O nosso interesse é colher esse conteúdo e gerar esse movimento de negócios dentro dessa área”, declara Patrícia Tavares.
Para já está previsto o regresso, a Portugal, da equipa Fartura em Maio de 2019, para mais uma expedições por regiões do nosso país. •