Em Portugal, as estrelas Michelin vão para…

… 26 restaurantes. Feitas as contas somam-se, agora, 32 estrelas, dividas por seis restaurantes com duas e 20 com uma. As novidades são A Cozinha, em Guimarães, o G Pousada, em Bragança, e o Midori, em Sintra, trio que conquistou uma, além das duas arrecadadas pelo Alma, em Lisboa. Todas foram atribuídas, pela primeira vez, ontem, na capital do país. 

O número de estrelas Michelin atribuídas, ontem à noite, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, pelo Guia Michelin Espanha & Portugal 2019, reflecte um país que, a pouco e pouco, está a ganhar terreno no famoso livro vermelho. Sem esquecer, nesta análise, o tamanho do nosso país e o número de chefs comparativamente ao panorama gastronómica de nuestros hermanos. 

Antes do evento, onde o jantar da gala contou com a coordenação de José Avillez, chef do Belcanto (2 estrelas Michelin), e a participação de Joachim Koerper, chef do Eleven (1 estrela Michelin); Sergi Arola, chef do LAB by Sergi Arola (1 estrela Michelin); Henrique Sá Pessoa, chef do Alma, a partir de hoje com duas estrelas Michelin; João Rodrigues, chef do Feitoria (1 estrela Michelin), no Altis Belém Hotel & Spa; Alexandre Silva, chef do Loco (1 estrela Michelin) e do Fortaleza do Guincho (1 estrela Michelin). “Tem sido um gosto preparar este jantar”, declara José Avillez. 

Quão importante é este evento para o nosso país?

“Já estava na altura da cerimónia ser em Portugal. Talvez seja o Guia Michelin a reconhecer que estamos à altura.” A afirmação de Alexandre Silva é partilhada por todos os entrevistados. João Rodrigues destaca esta decisão como sendo “muito importante pela visibilidade”, já que “cria um ambiente de maior proximidade para o nosso país num guia que é conjunto”.

António Geadas, irmão do chef Óscar Geadas, a dupla inseparável do G Pousada, em Bragança que, esta noite, conquistou uma – a primeira – estrela Michelin, vai mais longe: “O facto de a cerimónia ser em Portugal abre, sobretudo, a curiosidade sobre o trabalho elaborado em Portugal, por toda uma nova geração de restauradores e cozinheiros. Os holofotes estão colocados no nosso território e num produto ultra-qualitativo, a gastronomia.” Em simultâneo, a gastronomia “tem vindo a ganhar cada vez mais público” português, daí que “quem fica a saber que esta gala irá acontecer este ano, em Lisboa, pela primeira vez, certamente percebe que é um importante reconhecimento da evolução da restauração em Portugal”, acrescenta José Avillez.

Afinal, “estamos a entrar nos horizontes dos melhores destinos do mundo”, sublinha Rui Paula, chef da Casa de Chá da Boa Nova (1 estrela Michelin), em Matosinhos. Por outras palavras, “Portugal está no centro das atenções, ou seja, já brilha”, conclui João Rodrigues. Portanto, “realizar a gala é consequência disso e ajuda a cimentar esta nossa afirmação”, enaltece o chef do Feitoria. 

É, pois, chegado o momento para o nosso país e as nossas cozinhas brilharem lá fora. “Já diz o ditado, ‘antes tarde que nunca’. Sem dúvida que sim! Temos uma riqueza gastronómica e produtos de alta qualidade a ser trabalhados por gente muito competente. Sem dúvida que merecemos um lugar na cena internacional”, expõe Pedro Mendes, chef do Narcissus Fernandessi, o restaurante do Alentejo Màrmoris Hotel & Spa, em Vila Viçosa. 

A dupla do G Pousada confere essa “maior riqueza do nosso território”, que é “a qualidade diferenciadora dos nossos produtos, de Norte a Sul, passando pelas ilha; da frescura do nosso peixe às mais variadas formas de fumeiro”. Sem esquecer as “tradições seculares” nem os “rituais enogastronómicos”. Singularidades que, ao aliar-se à evolução na cozinha, por um lado, e ao “grande boom turístico”, por outro, poderão fazer “do nosso país a alternativa”. A hospitalidade e o clima são, por sua vez, outra das vantagens do país, desta feita, enaltecidas por Tiago Bonito, chef do Largo do Paço (1 estrela Michelin), restaurante da Casa da Calçada, em Amarante.

Que tal criar-se um roteiro gastronómico?

Pedro Almeida, chef do Midori, no Penha Longa Resort, em Sintra, agora com uma estrela Michelin, é peremptório: “Claro! Estamos sempre prontos para promover o que de bom se faz no nosso país.” 

Alexandre Silva revela que recomenda “restaurantes com que me identifico” aos seus clientes, os quais não são apenas os de fine dining. “Este é o melhor roteiro e os cozinheiros poderem recomendar sem medo”, garante o chef do Loco.

Leonel Pereira também aconselha “restaurantes grandes como os nossos” e refere o extenso roteiro com outros tantos espaços de restauração onde se pratica a arte de bem cozinhar. “Afinal, onde comem os chefs? Há sempre um grupo de restaurantes no país inteiro que está fora do registo da Estrela Michelin cujo produto é de boa qualidade”, expõe o chef do São Gabriel. Louis Anjos, chef do Bonbon (1 estrela Michelin), no Carvoeiro, concorda e acrescenta que esta realidade se deve a “este momento de partilha entre chefs, entre os quais a recomendação de outros restaurantes se torne cada vez mais comum”.

Já João Rodrigues responde prontamente com o exemplo do guia nacional Boa Cama Boa Mesa . Benoît Sinthon, chef do Il Gallo D’Oro (2 estrelas Michelin), do Hotel Cliff Bay, no Funchal, Ilha da Madeira, nomeia o Festival Rota das Estrelas que vai na 9.ª edição e inclui Portugal, Espanha e Brasil, “sempre em restaurantes galardoados com Estrelas Michelin. Mas há vários outros eventos que acontecem em Portugal, onde a gastronomia se destaca”.

Porém, “é muito importante que mais que nunca nos mantenhamos todos unidos em prol da boa gastronomia” e “há lugar para todos os que querem crescer”, assegura Rui Paula.

Vamos a previsões?

“Previsões são sempre complicadas, mas acho que estamos no bom caminho. Tem-se feito muita coisa, temos trabalhado muito para promover Portugal e a cozinha portuguesa”, reforça Alexandre Silva. O chef do Loco justifica a sua resposta com a crescente participação de cozinheiros portugueses em congressos internacionais de renome. “Somos todos embaixadores de Portugal com uma missão muito importante, por isso, se continuarmos todos o que andamos a fazer, o futuro poderá ser risonho.”

O lado positivo estende-se às palavras de Pedro Mendes: “Continuamos numa curva de crescimento que, como tudo, terá eventualmente tendência a abrandar. Ainda assim, se continuarmos a ‘jogar as cartas’ como agora, penso que poderemos tornar-nos numa referência internacional, um destino gastronómico. Num país de dimensões tão pequenas como o nosso, a variedade de produtos e cozinhas regionais são imensas. A nova vaga de cozinheiros capazes de produzir uma cozinha de vanguarda assente no produto e na tradição, são a chave. Temos um futuro risonho pela frente.”

Pedro Almeida, apesar de prever, igualmente, um “futuro risonho”, salienta uma necessidade premente: “precisamos investir muito na formação dos novos cozinheiros.”

De volta à lista dos contemplados pelas estrelas do Guia Michelin estão, também, A Cozinha, em Guimarães, do chef António Loureiro, com uma estrela Michelin, para além do Antiqvum (1 estrela Michelin), no Porto, com o chef Vítor Matos; Pedro Lemos (1 estrela Michelin), Porto, do chef Pedro Lemos; The Yeatman (2 estrelas Michelin), em Vila Nova de Gaia, com o chef Ricardo Costa; L’And (1 estrela Michelin), no L’And Vineyards, com o chef Miguel Laffan, em Montemor-o-Novo; Vista (1 estrela Michelin), no Bela Vista Hotel, em Portimão, com o chef João Oliveira; Ocean (2 estrelas Michelin), do Vila Vita Parc, em Porches, com o chef Hans Neuner; Vila Joya (2 estrelas Michelin), em Albufeira, com o chef Dieter Koschina; Gusto by Heinz Beck (1 estrela Michelin), do Conrad, com o chef Daniele Pirillo; Henrique Leis (1 estrela Michelin), em Almancil, do chef Henrique Leis; Willie’s (1 estrela Michelin), em Vilamoura, do chef Willie Wurger; e William (1 estrela Michelin), do Belmond Reid’s, no Funchal, Ilha da Madeira.

Para fechar, ficam as palavras de José Avillez: “Espero que a exposição mediática desta cerimónia possa trazer visibilidade internacional e confirmar a enorme qualidade dos nossos produtos, da nossa gastronomia, dos nossos profissionais, da nossa restauração e do nosso turismo. E que contribua para que se valide uma boa posição de Portugal no panorama gastronómico mundial.”

Mesmo assim há um longo trabalho de articulação pela frente, em particular na região algarvia. Segundo, Leonel Pereira há falta de massa crítica, “o nicho de mercado que é frequentador deste tipo de restaurante”, no Sul do país. Louis Anjos relembra, por sua vez, que o Algarve não é só praia. “Quem diz que o Algarve está a crescer está a mentir”, enfatiza o chef do Bonbon, que só vê um futuro promissor para o global da cozinha em Portugal quando forem implementadas actividades focadas na dinamização da região, com o propósito de captar uma maior diversidade de turistas e portugueses durante todo o ano e não apenas nos meses de Verão. E para quando estender esta vontade também para as demais regiões do país, de modo a incrementar a economia local em prol da economia do país? Sem nunca desvirtuar as nossas raízes, as nossas tradições, nem a qualidade do produto. •

© Infografia: João Pedro Rato

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