O Convento de Cristo marca o início da História, do país e da cidade, protagonizada por uma das ordens religiosas mais enigmáticas de sempre. Eis o ponto de partida de uma visita com muitas estórias, desde a enigmática Mata Nacional dos Sete Montes ao moderno Complexo Cultural da Levada, da sua sinagoga, da Corredoura e da Festa dos Tabuleiros.
É no alto da colina da cidade de Tomar, outrora local de culto eleito pelos Romanos, que está o Convento de Cristo. Classificado de Património da Humanidade, pela UNESCO, este monumento testemunha 700 anos de história que se confunde com a História do nosso país, já que, em 1128, D. Afonso Henriques – filho de Henrique de Borgonha, conhecido por Conde D. Henrique – integrou a Ordem do Templo, aquela que viria a apoiar o primeiro Rei de Portugal na conquista do território.
Da Porta do Sol, designação atribuída à entrada de acesso ao Convento de Cristo, avista-se a Torre de Menagem do Castelo Templário, de 1160, construído sobre uma superfície rochosa natural, o alambor. Este edifício medieval e a vila de Tomar foram erigidos pelo Mestre D. Gualdim Pais, formando um complexo monumento rodeado por uma muralha similar à da cidade de Jerusalém, a qual é complementada pela Porta do Sol, a entrada para o jardim de acesso ao Convento de Cristo.
A charola octogonal foi construída nesta primeira fase, ou seja, na segunda metade do século XII. Este oratório românico, inspirado na basílica paleocristã da referida cidade do Oriente, para a qual está virada a porta original – uma verdadeira peça escultórica a contemplar com vagar –, tem as suas arcadas complementadas por colunas somam 16 lados preenchidos por ímpares obras de arte.
A construção do Convento de Cristo deve-se, por sua vez, ao Infante D. Henrique. O então governador e regedor da Ordem de Cristo – que surge graças a D. Dinis e à bula papal de D. João XXII em substituição da Ordem do Tempo, extinta pelo Papa Clemente V – manda ali erguer o seu Paço e dois claustros demarcados pelo estilo Gótico. A estes somam-se outros seis.
No seu conjunto, este património edificado reúne diversos estilos de arquitectura que se fundiram ao longo de séculos e reinados, de histórias repletas de segredos. Destaque-se a igreja Românica ao claustro da Hospedaria projecto sob o traço do Maneirismo, passando pela icónica Janela da Sala do Capítulo, de onde sobressai o estilo Gótico português tardio, às obras realizadas a mando de D. João III e à intervenção efectuada, no início do século XIX, sob a ordem de D. Fernando, casado com D. Maria II, a qual foi retirar a cobertura do Claustro de Santa Bárbara, para que a Janela da Sala do Capítulo ficasse à vista de todos.
É digno de visitar a cisterna – espaço recentemente aberto ao público – e o refeitório, bem como os claustros, desta obra arquitectónica indissociável à Ordem de Cristo que perdura até aos dias de hoje, sendo o seu Grão-Mestre representado pelo Presidente da República.
Desça-se a Cerca Conventual ou Mata dos Setes Montes. Esta designação deve-se à sua constituição morfológica demarcada pelo maciço constituído por sete pequenas colinas e está ligado ao Convento de Cristo a mando de D. João III, responsável pela obra que constituiu o aumento de parte daquele edifício de carácter religioso.
Percorrem-se as ruas de Tomar com destino à Igreja de S. João Baptista. Voltada para os Paços do Concelho, outrora Paço D. Manuel I, e para a estátua de Gualdim Pais, na Praça da República, crê-se que a sua fundação – comprovada, em teoria, pelas duas inusitadas figuras gravadas na parte inferior da torre sineira octogonal, encimada por uma pirâmide – se deva ao Mestre. O edifício, tal como é hoje, foi mandado construir por D. Manuel I. O pórtico Manuelino e as suas simbologias – a esfera armilar e a cruz de Cristo, além do brasão real – dispostas no exterior e interior, são a prova disso. Acresce a arte decorativa dos painéis da autoria de Gregório Lopes, do século XVI, e os azulejos, do primeiro quarto do século XVII.
A Praça da República é, por sua vez, palco da tradicional Festa dos Tabuleiros. Celebrado em cada quatro anos, este evento é caracterizado por vários cortejos, com especial destaque para a profusão de cor dos pendões e dos tabuleiros constituídos por pães, flores de papel, verdura e espigas de trigo. Estes são transportados, à cabeça, pelas mulheres e encimados pela Cruz de Cristo ou pela pomba do Espírito Santo, culto introduzido nesta festa pela Rainha Santa Isabel.
A Praça da República é, também, o ponto de partida para outras duas visitas, já que nela convergem a antiga Corredoura e Rua da Judiaria. A primeira, actualmente conhecida como Rua Serpa Pinto, com início na Ponte Velha, junto ao Rio Nabão, tem a origem do seu nome nos treinos equestres outrora aqui realizados. Nela tem, ainda, um dos mais vetustos e célebres cafés da região, o Café Paraíso, inaugurado em 1911 e mantido como marco da arquitectura com a Art Nouveau nos detalhes decorativos, como os espelhos originais provenientes de Veneza, Itália, ou as cadeiras da escola de artes alemã Bauhaus.
A Rua da Judiaria, em pavimento medieval e com o nome de Rua Joaquim Jacinto, é o nome atribuído à antiga Judiaria de Tomar. A meio, está a sinagoga considerada como o mais antigo templo sefardita construído de raiz, em Portugal, e que tem como patrono Abraão Zacuto – astrónomo, matemático, médico e rabi, autor do “Almanach Perpetuum”, constituído por um conjunto de Tábuas Astronómicas utilizadas aquando dos Descobrimentos Portugueses. O edifício foi requalificado, integra o Museu Luso-Hebraico de Abraão Zacutor e possui um interessante acervo da cultura judaica.
Adiante fica a Casa-Memória Lopes-Graça. Fundada em homenagem ao reconhecido compositor e maestro português nascido, em 1906, no número 25 da, actual, Rua Joaquim Jacinto, em Tomar, este espaço expositivo concentra parte do acervo documental e fotográfico, entre outros registos, de um dos nomes maiores da música para orquestra e piano do país.
Aos moinhos e lagares da vila, de finais do século XII, sucederam-se os Lagares d’El Rei, do século XVI articulados, mais tarde, com oficinas fundadas aquando do período áureo da era industrial, com forte impacto no contexto social e económico, no início do século XX, em Tomar. Este conjunto edificado instalado no Rio Nabão integra, hoje, o Complexo Cultural da Levada. Este núcleo museológico é constituído pela maquinaria utilizada na Central Eléctrica de Tomar, inaugurada em 1901, tendo sido, esta cidade, uma das primeiras do país a ter iluminação pública eléctrica.
Do lado de lá da Ponte Velha, está a capela de Santa Iria, a padroeira de Tomar. Instalada no Convento de Santa Iria, esta pequena igreja apresenta um generoso conjunto de azulejos de “ponta de diamante” do século XVII. A sua singularidade é rematada pelos elementos trabalhados por Nicolau Chanterene e João de Ruão, nomes sonantes na exposição existente no Museu Machado de Castro, em Coimbra.
A Igreja de Santa Maria do Olival, o Aqueduto dos Pegões, o Núcleo de Arte Contemporânea e a Casa Manuel Guimarães – onde viveu o arquitecto João de Castilho aquando da sua intervenção nas obras do Convento de Cristo – são outras das sugestões a incluir neste roteiro pela chamada de Cidade dos Templários. E sempre que ouvir falar da realização de uma peça teatral do grupo Fatias de Cá perto de si, assista!
Do antigo se faz (de) novo, à mesa
Entre no espírito da época no centro histórico de Tomar. Chama-se Taverna Antiqua e o convite traduz-se numa viagem anos-luz até à época medieval. As paredes toscas e as mesas em madeira rústicas fazem parte deste cenário complementado, nas noites de sexta-feira e Sábado, com uma actuação teatral protagonizada por senhores feudais, cavaleiros da Ordem de Cristo, entre outras personagens de então. “Tendo em conta a fase que atravessamos, a peste negra não poderia faltar”, afirma Emanuel Rosa, proprietário deste restaurante, ao referir-se ao espectáculo interactivo.
Quanto à cozinha, “tentamos que o conceito seja baseado na temática medieval” através da “recriação do que se usava e do que se comia na época”, explica. O “Livro de receitas da Infanta D. Maria de Portugal” foi a base do trabalho realizado no âmbito da gastronomia.
Ao invés de batata, pimento e tomate, o menu da Taverna Antiqua inclui outros ingredientes que se comiam por cá, como a castanha, utilizada na sopa feita, também, com cogumelos, as perninhas de rã, a espetada de javali e veado com molho de cerveja do campo. Pernil de porco com molho de castanhas, carne de vaca acompanhada de cevada e bacalhau à mercador são outras sugestões a ponderar neste restaurante. Em contrapartida, há café em cedência aos pedidos intermináveis de quem lá ía e a luz das velas é acompanhada pela ténue iluminação dos discretos candeeiros deste espaço de restauração a ir.
Pelo meio do roteiro, (re)descubra as delícias conventuais que, por aqui, são de comer e chorar por mais. Tome nota: fatias de Tomar, beija-me depressa, quietinhos doces, estrelas de Tomar, janelinhas do Capítulo, barrigas de Iria, rosas de Tomar, telhas do convento, estrelas de Tomar entre uma infinidade de criações provenientes de tempos idos. Sem esquecer o receituário típico deste concelho, com o cabrito à Templários, o bacalhau com carne ou as couves à Dom Prior. Harmonize com os vinhos do Tejo, nome da região vitivinícola em que está inserida esta cidade e com muitas adegas representadas por mulheres, dando o exemplo do Casal das Freiras, situada a pouco mais de sete quilómetros e Tomar.
A súmula da história da cidade cabe dentro deste hotel
Chama-se Tomar Boutique Hotel. Este quatro estrelas, aberto desde Setembro de 2018, está instalado num edifício centenário no centro histórico da cidade e reflecte a paixão que Aida Dias e Cristiano Pires tem pela hotelaria.
A sua decoração descontraída está aliada ao refinamento nas peças de mobiliário e decorativo, e demais pormenores que, em conjunto, espelham a identidade dos quatros períodos mais significativos de Tomar. Estes estão divididos por piso, como se de uma história se tratasse, sendo esta contada de baixo para cima.
A história começa com os Romanos, época em que Tomar era a então Sellium, por onde passava a importante via de acesso entre Olisipo (Lisboa) e Bracara Augusta (Braga). Mais acima está a mais enigmática fase deste enredo protagonizado pelos Templários, seguindo-se os Descobrimentos, epopeia marítima que teve o Infante D. Henrique como figura central.
A Era Industrial, que remonta ao século XIX e ao início do século XX, fecha este ciclo deste boutique hotel, onde o rooftop é o sítio perfeito para assistir ao pôr-do-sol e à envolvente urbana recortada pelo Rio Nabão.
Boa viagem e boas férias!