Os vinhos de (uma) família Valente / Casal das Freiras

A cultura da vinha e a feitura dos néctares do deus romano Baco constituem um legado e um saber-fazer preservado pela quinta geração de um clã, nas terras dos Templários.

São 180 hectares de história de uma quinta outrora pertencente a uma comunidade de freiras, daí o seu nome

Os vetustos muros abrem caminho para a entrada do Casal das Freiras, propriedade da freguesia da Madalena, freguesia de Tomar, no distrito de Santarém, na região vitivinícola do Tejo. Por aqui, os vestígios deixados pelos Romanos e, mais tarde, pelos monges da Ordem de Cristo assumem a importância devida no brasão de Madalena, onde a ânfora e a talha representam, respectivamente, o vinho e o azeite, indissociáveis por estas terras outrora pertencentes aos Templários.

A tradição secular de tão apreciadas culturas são preservadas por José Valente de Castro Vidal, proprietário de Casal das Freiras. Propriedade de 180 hectares, dos quais 15 estão ocupados pelo olival – daqueles, três contêm “oliveiras centenárias e, se calhar, algumas são mesmo milenares”, diz-nos.

Cepa de vinha velha desta propriedade vitivinícola

Quanto à vinha, com exposição a sul, estão reunidos 12 hectares divididos em cinco talhões de diferentes anos: um com mais de 50, outro com 50, um com 25, outro com 12 e um com apenas 2 dois anos. Nas castas ganham as tintas, com Touriga Nacional, Aragonês, Cabernet Sauvignon e Syrah mas, na lista das mais antigas, destacam-se a Castelão, a Tinto Cão e a Trincadeira. Nas brancas constam a Fernão Pires, a Rabo de Ovelha, nas vinhas velhas, e a Arinto, na parcela alugada fora do perímetro desta quinta. O restante está reservado ao campo de cereais, bem como a pinhal, floresta e sobro.

A Serra d’Aire serve de pano de fundo em tão bela e bucólica paisagem, protegendo a vinha dos ventos do Atlântico. Factores que, juntamente com o solo de barro ou argilo-calcário resultam numa “grande concentração de taninos e num vinho com estrutura”, sublinha José Valente de Castro Vidal.

A paixão pela lavoura e pela vinha é notória em cada frase proferida pelo proprietário à medida que seguimos viagem pelo campo afora.

Uma história, cinco gerações

A adega (do lado esquerdo da imagem) data do século XIX

Esta propriedade da freguesia de Madalena entra na família Valente em 1882, ano em que foi adquirida por Manuel Valente, natural de Ovar – na época um importante porto piscatório de sardinha e de extracção de sal “que era transportado até à Régua, no Douro”, segundo o proprietário – e bisavô de José Valente de Castro Vidal. António Valente de Almeida, avô do atual proprietário, foi o sucessor a quem se seguiu a filha, Rosa Coimbra Valente de Castro Vidal e o marido desta, José Vaz de Castro Sequeira Vidal, mãe e pai do actual proprietário.

Em 1973, com 24 anos, José Valente de Castro Vidal decidiu trocar Ovar por Tomar, para se dedicar à terra e à cultura do vinho nesta quinta cuja origem do nome se prende com o facto de a gestão ter estado nas mãos “de uma pequena comunidade de freiras até meados do século XIX”, esclarece Rita Vidal, a filha.

Já em terras de Templários, José Valente de Castro Vidal ajudou a fundar a Adega Cooperativa de Tomar e chegou a fazer parte do Concelho Geral da Comissão Vitivinícola Regional do Ribatejo tendo assistido à passagem desta entidade para Comissão Vitivinícola Regional do Tejo, em 2009.

No Casal das Freiras, em particular, a adega do século XIX foi e continua a ser palco de muitas histórias. Os lagares são intemporais, assim como a tradicional pisa a pé, mas o investimento na tecnologia foi – e é – um imperativo. Em paralelo, as ânforas argelinas ainda não foram transformadas em meros objectos museológicos. A cada vindima que passa continuam em grande actividade mal as uvas entram na adega, onde os vinhos são feitos sob a consultoria de Teresa Nicolau, a enóloga, mas “o meu pai continua a dar a sua opinião nos lotes”, acrescenta Rita Vidal.

O novo ‘Capítulo’

Os tintos do portefólio desta casa que já vai na quinta geração

Em 1991, “o meu pai iniciou a produção e a comercialização do vinho de quinta engarrafado sob a marca Casal das Freiras”, explica Rita Vidal, e a cada Setembro “procuramos fazer o contrato de amizade com São Pedro”, acrescenta José Valente de Castro Vidal. Para o nosso anfitrião, as melhores colheitas foram as de 1992, 1994 e 2015, considerado “o melhor ano agrícola de sempre” e o da mudança, uma vez que também esteve marcado pela passagem do testemunho para as mãos da filha, com a função de tomar conta da adega e da papelada da quinta, e do marido, Ricardo Gonçalves. Afinal, estamos perante “um sector com futuro”, afirma veemente o proprietário no que ao vinho diz respeito.

Este virar de página da história do Casal das Freiras é – podemos dizê-lo – uma alusão ao Capítulo 2015 o tinto com uma imagem gráfica inspirada na emblemática Janela do Capítulo do Convento de Cristo, em Tomar, desenhado no rótulo.

Rita Vidal, no velho lagar da propriedade, mostra como se transportam os tabuleiros das tradicionais e mais célebres festas tomarenses

Apesar da nova identidade e imagem gráfica, o ADN dos vinhos manteve-se. Abriu-se a loja e reforçou-se a aposta no enoturismo. No âmbito desta acção são organizados passeios pela vinha e actividades na época da vindima, mas o programa depende sempre da faixa etária dos interessados em participar. As provas vínicas têm lugar no antigo lagar de azeite da propriedade, o qual deixou de funcionar na década de 50 do século XX. No âmbito da criação da Rota dos Vinhos do Tejo, em 2009, foi transformado num espaço reservado também às refeições vínicas, respeitando a rusticidade de tempos idos, como se de um museu se tratasse e onde os tradicionais tabuleiros das festas típicas de Tomar levam os anfitriões a contar a súmula deste cortejo que se realiza a cada quatro anos e, pela quantidade de flores, do pão e das espigas de trigo, remonta às antigas festas das colheitas, actualmente, com data marcada para o mês de Julho.

A cozinha tradicional vai à mesa nos almoços marcados no âmbito das actividades enoturísticas

As provas tanto podem ser simples como acompanhadas por produtos regionais – queijos, enchidos, azeitonas, compotas, pão e tostas. A marcação prévia é recomendada, mas imperativa com almoço, recheado de petiscos e prato regionais, que apenas é servido mediante reserva e que conta, agora, com a participação mais assídua de Rita Vidal, já que a grande mudança aconteceu há pouco tempo, quando a filha do proprietário e Ricardo Gonçalves decidiram mudar de vez, juntamente com as filhas, para o Casal das Freiras já que, até então, esta propriedade era visitada pelos quatro apenas quando rumavam, ao fim-de-semana e durante as férias, do Porto em direcção a Tomar para ajudar os pais na cultura da vinha e do vinho, e do azeite.

No portefólio vínico do Casal das Freiras constam cinco tintos – Casal das Freiras Capítulo 2015 (Aragonês, Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional), Casal das Freiras Colheita 2016 (Aragonês, Castelão, Cabernet Sauvigon e Touriga Nacional), Casal das Freiras Family State 2016 (Syrah), Casal das Freiras Reserva 2015 (Vinhas Velhas, Cabernet Sauvignon e Aragonês) e o bivarietal Casal das Freiras Touriga Nacional e Cabernet Sauvingon 2015. As boas novas são um branco e a estreia do rosé, ambos da colheita de 2017. Tudo feito “para privilegiar a qualidade”, assegura José Valente de Castro Vidal.

+ Casal das Freiras
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Ricardo Gonçalves, (marido de) Rita Vidal, (filha de) José Valente de Castro Vidal

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