Imparável, Leonel Pereira planeia abrir um São Gabriel 2.0, como lhe chama, e dois outros espaços de restauração, mas só quando passar esta tormenta. Para já, a preocupação está centrada em criar, manter a sua equipa e elevar o seu Check-In Faro, em terras algarvias.
Com mais de três décadas dedicadas à cozinha, dentro e fora de portas, Leonel Pereira, continua a surpreender quem tanto aprecia pratos confeccionados com savoir-faire, fiéis ao sabor de cada ingrediente no prato e apresentados com a criatividade de sempre. O palco actual é o Check-In Faro, restaurante aberto, em Fevereiro de 2020, no n.º 40 da Avenida da República, na capital de distrito do Algarve, onde a sala e a esplanada são já ponto de encontro de epicuristas que já tão bem conhecem – e também os que querem descobrir – o seu talento enquanto cozinheiro. Quanto ao histórico, é de enaltecer a permanente conquista de uma estrela Michelin no São Gabriel, onde assumiu o papel de chef de cozinha, a qual consta nas edições de 2014 a 2019 do famoso Livro Vermelho, o mesmo que, em 2020, atribuiu o Bib Gourmand ao Check-In Faro.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Aproveitei, no fundo, para estar com a família. Acho que estive mais tempo com a família nestes últimos meses, do que nos últimos anos. A nossa vida é aquela vida, como sabes, em que não existem natais nem festas de finais de ano. Durante 17 anos da minha vida, passei o Natal e o Fim de Ano a trabalhar. Neste caso, fechamos o restaurante a 18 de Dezembro, com a intenção de ir de férias por um mês e abrirmos a 18 de Janeiro, mas nessa altura estávamos novamente confinados.
A verdade é que esta quarentena custou-nos muito mais do que a anterior. Sou uma espécie de um puto com 50 anos ainda um pouco hiperactivo e custou-me bastante. Tive pouca vontade de pensar na actividade, por isso dediquei-me inteiramente à família. Aproveitei todos os momentos e, como já tinha mudado de casa, no ano passado, dediquei-me, também, à minha pequena horta. E foi muito bom, porque quando estamos com quem gostamos, sabe sempre bem!
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Organizei algumas tarefas relacionadas com as receitas e o escritório, a papelada. Tenho intenção de fazer um livro um dia. Tenho muitos testes e muita história. Está tudo mais alinhado. E, claro, fiz muitas actividades em família: passear, andar de bicicleta…
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
O meu percurso profissional daria uma longa conversa, tendo em vista a carreira de 30 anos que eu tenho e que englobam várias regiões do país onde trabalhei e também do mundo, pois tive a oportunidade de trabalhar em outros países. Em relação à questão, neste últimos três meses, é uma vida parada, um vazio de alguém que é muito activo e, como disse há pouco, considero-me um miúdo de 50 anos, ainda muito reguila, e ver-me numa situação de confinamento é algo surreal para mim.
Estar praticamente preso em casa, sermos prisioneiros de nós próprios, traz-nos um vazio total! São vidas suspensas, paradas, com muitas interrogações, daí que este confinamento me tenha custado muito mais do que o anterior. Ter de repetir, todos os dias, os mesmos movimentos e os mesmos espaços, é simplesmente horrível! Em termos pessoais e de carreira, estes últimos meses foram infrutíferos, porque não produzi nada. Não optei pelo take away porque, para mim, a cozinha é o contacto com as pessoas. Portanto, definiria estes três meses, como um período vazio.
Está a desenvolver pratos/criações para a temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Sabes que a criatividade é aquilo que me move. Ou seja, desistiria de ser cozinheiro se deixasse de ter criatividade, porque se fosse cozinheiro só porque sim, só porque os livros dizem como fazer, deixaria de sê-lo. O sonhar é o que ninguém nos pode tirar, mas durante estes últimos três meses, esses vazios são vidas cheias de nada, mas há sempre o sonho. Portanto, sonho com dias melhores, até porque estamos com duas empresas paradas. A única que está em andamento é a do Check-In [Faro] e, além das novidades para a carta, temos dois projectos em stand by, até chegarem dias melhores, mas vou querer continuar, para conseguir abri-los – há um para abrir um Thay Brás e mais um Check-In – e abrir um São Gabriel 2.0, ou seja, um São Gabriel mais pequeno do que o outro, mas que tenha a ver com o outro.
Sim, sonho bastante e por isso tenho o meu caderno de apontamentos que me segue há 30 anos, está sempre na minha mesinha de cabeceira, e a criatividade não é um on-off, é algo bastante diferente e quando surge temos de estar armados, ou seja, temos de estar munidos de lápis e papel, porque a criatividade surge mesmo nos sítios mais inusitados.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Check-In [Faro]?
Sim, o Check In [Faro] tem novidades, o menu de degustação, que em 2020, não tinha. Portanto, em 2021, as pessoas irão ter a oportunidade de ter um menu de seis ou sete pratos, embora o conceito do Check-In [Faro], com uma carta composta por cerca de 30 pratos diferentes, fosse as pessoas fazerem o seu próprio menu de degustação. Este menu de degustação vai estar em mutação constante e é a novidade deste ano.
Implementou mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Não vamos ter qualquer alteração, porque estamos a falar de um espaço que nem um ano tem e já fizemos três aberturas em tão curto período de tempo. É épico! Tenho uma cozinha nova, um conceito novo e que muita gente quer conhecer, porque não teve a oportunidade de o fazer. Felizmente, estivemos sempre cheios nos meses em que estivemos a trabalhar – de Junho a Setembro – e noites em que servimos 60 couverts – o que é uma loucura para aquele espaço – e mandamos cem embora – no bom sentido, claro –, porque não havia mesas, portanto o Check-In [Faro] não tem de mudar. Espero que este ano todos tenham a oportunidade de conhecer o Check-In [Faro].
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Uma grande questão esta! Nem de propósito jamais imaginaria quando criei o conceito Check-In, que estava criado há três anos – portanto, desde 2017, que este conceito estava desenvolvido – e estávamos à espera de tempo para o pôr em prática, mas a verdade é que o Check-In é isso: qualidade criatividade, preço. Por isso, ao fim de oito meses fomos distinguidos com o Bib Gourmand do Guia Michelin, a melhor coisa que nos poderia acontecer e que representa qualidade e preço e, neste caso, criatividade também.
Portanto, temos um restaurante que é o espelho dessa questão. É um espaço criativo, onde não há limites para a criatividade, com um preço… planeamos um preço médio de 35 euros, 40 euros por pessoa, e os clientes fizeram que essa média subisse, pelo que anda pelos 50 euros por pessoa. Temos um restaurante de grande qualidade, com grandes preços e que é um espaço criativo.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Este ano não foi um desafio enquanto chef. Está a ser um grande desafio para todos os empresários da restauração e não para os chefs de cozinha ou qualquer outro colaborador. O grande desafio está nos patrões, nos empresários. O grande desafio está em manter os salários das pessoas, manter os empregos, renovar os contratos em pandemia e continuar a pagar-lhes, para que mantenham a sua qualidade de vida. Mas as nossas vidas mudaram, portanto está a ser um grande desafio para mim enquanto empresário.
O Estado não tem colaborado! Somos os “patinhos feios” desta pandemia. Todos nós empresários ligados ao turismo e está a fazer-nos feridas que vão demorar muito tempo a sarar. Já tive de fechar um espaço, onde perdemos muito dinheiro – o projecto do Mar Shopping. A resiliência tem um limite e não podemos ser resilientes – palavra que todos dizem, mas muitos não sabem o que significa exactamente –, porque ao sermos resilientes também temos de saber quando vamos parar. Portanto, mantermos aquele espaço durante o ano de 2020 levou-nos a pagar mais do nosso bolso cerca de 80 a 90 mil euros. Por isso, tivemos de saber parar e fechar portas e o projecto já não existe mais. Custou-me muito, porque fui o mentor de todo aquele projecto dos quatro chefs – convidei-os, fiz a abertura, desenvolvi os projectos, sonhei e pus em prática, mas tive de pôr um ponto final.
Este ano não está a ser um desafio para os chefs, nem para mim enquanto chef, está a ser um desafio para os chefs que são empresários. Foi um ano duro e ainda não sabemos quais serão as consequências. Não sabemos se ainda vai a meio, se já estamos no final, ou até mesmo, a começar, por isso não sei bem o que está para vir. Só sei que está muito difícil. As ajudas do Estado são insuficientes. Garantem a totalidade do layoff aos colaboradores, mas não a nós. Somos o único país da Europa em que somos nós que temos de pagar o layoff aos empregados para, depois, o Estado nos reembolsar uma parte. Há empresas que não têm liquidez suficiente para pagar o layoff dos empregados. Nós chegamos a esse ponto e ou pagávamos do nosso bolso ou pedíamos ao banco. Portanto, esta situação está a levar-nos a um stress elevadíssimo não só por mim, como também por todos os empresários em geral e não sei até quando vamos aguentar.
+ Check In Faro
© Fotografia: João Pedro Rato