A permanente vontade de experimentar está no sangue da família Cerdeira. Com berço em Melgaço, começa com um hectare de vinha em 1974. Hoje, reflecte uma enorme vontade em ir mais além.
António Luís Cerdeira é produtor e enólogo principal do Soalheiro, e grande impulsionador da incubadora de ensaios desta quadragenária adega
O Soalheiro celebrou 40 anos em 2022, já que 1982 corresponde ao ano em que foi feito o primeiro pela família, mas a história começa em 1974. Eis quando João Cerdeira, pai de António Luís Cerdeira, produtor e enólogo, e Maria João Cerdeira – responsável pelos departamentos de viticultura e enoturismo, e pela produção de infusões biológicas –, planta um hectare de vinha na sua propriedade, em Melgaço, que, juntamente com Monção, forma uma das sub-regiões da Região Demarcada dos Vinhos Verdes. “Não foi fácil”, adianta António Luís Cerdeira. Naquela época só havia dois ou três produtores de vinho na região, até porque “a terra era bastante cara”, acrescenta.
Hoje, a cultura da vinha e do vinho continua a ser uma tarefa desafiante, daí que a família Cerdeira permaneça numa constante procura pelo conhecimento e pela inovação. “Quanto falamos em inovação temos de perceber que se trata em criar valor (…), fazendo produtos diferentes”, esclarece o produtor. Mesmo quando se tratam dos clássicos, por forma a conferir-lhes intemporalidade.
O clássico intemporal da família Cerdeira, neste caso, da colheita de 2015, foi engarrafada por ocasião dos 40 anos do Soalheiro
É o caso do Soalheiro Alvarinho 2022 (€11,50), que reflecte esse trabalho ininterrupto, que tem vindo a ser efectuado desde 1982, pela família Cerdeira. A frescura aromática e o sabor intenso da casta rainha da região, colhida nas vinhas do vale de Monção e Melgaço, está lá. O potencial de evolução em garrafa também. António Luís Cerdeira fala de “precisão”, processo meticuloso associado à qualidade da matéria-prima, daí que a viticultura seja “cada vez mais importante”, em particular o conhecimento relativamente aos solos.
Desenvolvimento sustentável e partilha de conhecimento
Maria João Cerdeira é responsável pelos departamentos de viticultura e enoturismo – a Quinta da Folga –, bem como pela produção de infusões biológicas
Todo conhecimento obtido é partilhada com o Clube de Viticultores, que abarca mais de 150 famílias, facto que se traduz em “várias parcelas em diferentes altitudes e idades diferentes”, e se rege por uma filosofia muito simples: “continuar sem sair do lugar”.
Juliana Pires é a autora dos rótulos dos vinhos
O objectivo é garantir o desenvolvimento sustentável do território, o que, para Maria João Cerdeira significa evolução. “É bom para a Soalheiro, que está sempre a aprender”, argumenta. A finalidade é testar, dar corpo a novos vinhos, cujos rótulos, da autoria da designer Juliana Pires, se coadunam com o estilo do vinho, como o Soalheiro Mosto Flor branco 2021 (€14,50), edição limitada feita a partir das primeiras gotas das uvas de Alvarinho, antes de as submeter à prensagem.
Neste alinhamento cabem o Soalheiro Pé Franco branco 2020 (€45), que, tal como o nome indica, é elaborado com uvas da casta Alvarinho de Monção e Melgaço, vindimadas em vinhas não-enxertadas, plantadas há uma década em solos predominantemente arenosos; e o Soalheiro Revirado branco 2020, outra edição limitada, feita a partir de uvas da variedade Alvarinho colhidas em vinhas plantadas em solo granítico, a 400 metros de altitude, cujo mosto fermentou numa barrica com as próprias borras, conferindo uma maior complexidade ao vinho, que denota uma sensação de mineralidade marcante.
A incubadora de ensaios
O desfile de boas novas teve lugar na Blá Blá Glu Glu, do chef Leopoldo Garcia Calhau, em Lisboa
No mesmo contexto, há umas quantas estórias de parcerias com quem partilha da mesma vontade de arriscar, as quais nasceram na “Cave de Inovação” do Soalheiro. Ag.hora Alvarinho 2021, com taninos presentes, facto que denota a rusticidade deste branco, é o resultado de um desses testes, mais concretamente da parceria de António Luís Cerdeira e o enólogo Gio Chezhia, que, em conjunto, decidiram fazer um vinho ao estilo gregoriano. A estreia aconteceu em 2019 e, para a colheita de 2020, foram testadas ânforas em terracota feitas à mão, do espanhol Juan Padilla.
Nascida na Galiza e apaixonada pela casta Alvarinha, Asun Carballo faz parte da equipa de enologia do Soalheiro
Com o intuito de comprovar a elasticidade das variedades autóctontes de uva branca Alvarinho e Loureiro, e tinta Alvarelhão, António Luís e Maria João Cerdeira apresentam o Soalheiro Pet Nat Alvarinho 2022, bem como o Soalheiro Pet Nat Loureiro 2022 (€20) e Soalheiro Pet Nat Alvarelhão 2022 (€20), vinhos exclusivos do bar de vinhos O Candelabro, no Porto.
Vinhos APRT3
Luís Formiga, Guilherme Maia e Diogo Yebra são os rostos do Vinhos APRT3
Da referida incubadora de ensaios do Soalheiro nasce o Alvarone 2020 (€45). Este vinho é feito a partir da casta Alvarinho e produzido em parceira entre o Soalheiro e o Vinhos APRT3. Aqui, a história começa em 2019. Diogo Yebra, enólogo e escanção do JNcQUOI, e Luís António Cerdeira conhecem-se há uma década. “O Luís é dos poucos enólogos que tem uma atitude extremamente científica na vertente dos vinhos. Sabe muito bem o que pretende, porque lê jornais e revistas de investigação científica”, esclarece o. Outro dos aspectos positivos, que ganha peso na decisão desta parceira tem a ver com o hábito da equipa do Soalheiro vindimar à mão, para caixas pequenas.
Sobre o Vinhos APRT3, trata-se de um projecto criado por três amigos, que, em 2018, se formaram em enologia pelo Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa. São eles Diogo Yebra, escanção, no JNcQUOI, em Lisboa, Luís Formiga, enfermeiro, e Guilherme Maia. O objetivo deste trio consiste em fazer vinho com uvas vindimadas em vinhas que respeitem as boas práticas ambientais e que tenham pouco intervenção.
A (des)ordem do Alvorone branco 2020, do projecto dos três jovens enólogos
A estreia na produção acontece em 2018, colheita que é elaborada numa garagem na Ota, no concelho de Alenquer. Durante este período inicial, exploram as castas Arinto e Touriga Nacional, na região dos Vinhos de Lisboa. Na Primavera de 2019, arrendam um espaço em Torres Vedras. Bastardo, de Trás-os-Montes, e Encruzado, do Dão, são as variedades de uva que entram na lista de ensaios.
A constante vontade de fazer mais e melhor, é determinante na procura de outra adega, desejo concretizado em 2021, quando surge a oportunidade de comprarem uma com cubas em cimento, em Pegões, na região vitivinícola da Península de Setúbal. Quis o destino que, dentro da propriedade houvesse uma vinha de três hectares da casta Castelão. Um ano mais tarde, torna-se a adega principal do Vinhos APRT3.
Actualmente, os três enólogos produzem cerca de 24 mil garrafas e exportam para 14 países, sobretudo do continente Asiático, mas também Estados Unidos e Canadá. Na lista de tarefas, Luís Formiga trata da exportação, enquanto Diogo Yebra e Guilherme Maia estão responsáveis pelo mercado interno.
Brindemos!