O superlativo da mais antiga região vitivinícola demarcada do mundo

A paisagem duriense faz jus ao belo, ao árduo trabalho de homens e mulheres que concederam o encanto a um cenário inóspito delineado por socalcos e pelas vinhas, que acompanham o olhar a perder de vista. No fim do mundo, como lhe chamam, onde o o vinho protagoniza o passado e o futuro.

Com os olhos na Quinta da Ervamoira

As curvas sinuosas do asfalto delimitam o traçado com vista privilegiada entre vinhas que socalcam montanhas erigidas pela natureza com o rio Douro no papel de cicerone, a querer guiar quem passa, quem por ali viaja, quem visita o Douro. O superlativo na feitura de vinhos com história e estórias para contar, desde a ocupação romana na Península Ibérica, passando pelo ano de 1756, quando Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro-ministro do reinado de D. José I, criou a mais antiga região vinícola do mundo – a Região Demarcada do Douro –, e pela criação do Vinho do Porto que, ao longo dos séculos XVII e XX, era transportado nos barcos rabelos, a partir do Douro Superior até às caves, em Vila Nova de Gaia, graças à desobstrução do Cachão da Valeira, abrindo portas à navegação, tendo sido substituído pelo comboio, no início do século XX, o ponto de partida para o incremento da vitivinicultura nesta sub-região do Douro, o “Novo Douro”.

Hoje, é imperativo falar sobre os traços curvilíneos das estradas que preguiçam Douro Superior afora, nos quais recordamos as palavras do reconhecido sociólogo português, António Barreto que, no colóquio “Vinho e Turismo no Douro Superior” sublinhou: “Ainda hoje é difícil viajar e passear no Douro”. Mesmo assim, vale a pena ir, pois “essa dificuldade preservou a genuinidade do Douro”, bem como o “património arqueológico, vínico e humano”, continuou. Vale a pena percorrer as estradas longas e turtuosas, desfrutar do silêncio recatado, observar a paisagem incansável ao olhar, saber como se faz o Vinho do Porto, provar os vinhos do Douro e estar à mesa em boa companhia. Tudo é possível sem grande intromissão dos ponteiros do relógio no tempo.

Com a vinha a seus pés

O testemunho dos tempos da casa Ramos Pinto

Às portas do Douro Superior está o concelho inserido na mais antiga região vitivinícola demarcada do mundo e detentor de um património singular, as pinturas de arte rupestre. Falamos de Vila Nova de Foz Côa, o ponto de partida da viagem até à aldeia de Muxagata, onde começa a aventura em viaturas todo-o-terreno até à Quinta de Ervamoira fundada, em 1880, por Adriano Ramos Pinto. Pelo caminho, as estradas sinuosas e de terra batida desenham o percurso, seguindo a ribeira de Piscos, onde se encontra o célebre Homem de Piscos, a figura humana do Poleolítico, numa das 22 rochas gravadas no mesmo período num total de 28 rochas que fazem parte do Parque Arqueológico do Vale do Côa.

O enólogo João Nicolau de Almeida e a nora, Teresa Ameztoy, na apresentação dos vinhos

Sem mais delongas, chegamos à Quinta da Ervamoira, com 150 hectares de vinha plantados entre os 110 e os 240 metros de altitude, localizada num vale rodeado de montanhas que se erguem imponentes, dando corpo a uma paisagem inóspita com as vinhas a seus pés. Um verdadeiro oásis no tumultuoso Douro, outrora conhecida como Quinta de Santa Maria e adquirida, em 1974, por José Ramos Pinto Rosas, então administrador da casa Ramos Pinto, tio do enólogo João Nicolau de Almeida que, em 1976, entra na casa Ramos Pinto sendo, hoje, “uma das mais importantes pessoas do Douro”, segundo António Barreto, e que nos deu as boas-vindas, ao lado de sua nora, a enóloga Teresa Ameztoy, com um emblemático vinho com 25 anos de histórias, o Duas Quintas, no Museu Ervamoira, o espaço museológico que ocupa o piso térreo da antiga casa de xisto, no qual a cultura e a história da Quinta de Ervamoira, assim como a arte rupestre, estão bem presentes.

Os 25 anos de Duas Quintas à prova

Desenhado, em 1990, por João Nicolau de Almeida, o Duas Quintas é feito a partir de uvas selecionadas das quintas de Ervamoira e Bons Ares, estas nas freguesias de Touça e Sebadelhe, Vila Nova de Foz Côa. Em prova estiveram Duas Quintas branco 2000 e 2014, Duas Quintas tinto 1990, 1994, 2001, 2007 e 2013 e Duas Quintas Reserva tinto 1991, 1994, 2000, 2008 e 2012, com Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinta da Barca na lista das tintas, e o Rabigato, o Viosinho e o Arinto, na composição das brancas. Por sua vez, cada ano foi acompanhado por uma estória da região que, há 40 anos, conquistou o enólogo português, para quem “a riqueza do Douro são estas castas todas”. As mesmas que harmonizaram o repasto da noite. Afinal, um bom vinho requer sempre uma boa companhia.

Duorum, “de dois”

A biodiversidade e a preservação das espécies são preocupações inerentes ao projeto Duorum

Porque a beleza das paisagens do Douro Superior convidam a uma viagem ímpar pela região, estamos de volta à estrada com a Quinta de Castelo Melhor no mapa do próximo destino. Localizadas em Castelo Melhor, freguesia de Vila Nova de Foz Côa, a propriedade é o berço da Duorum Vinhos, criada em janeiro de 2007.

José Maria Soares Franco, o anfitrião da Quinta de Castelo Melhor

O projeto “Duorum foi feito do zero” revelou José Maria Soares Franco, que aceitou o desafio apresentado por João Portugal Ramos, sendo ambos os co-fundadores da casa duriense com duas propriedades – a Quinta de Castelo Melhor e a Quinta do Custódio – e de uma adega em Ervedosa do Douro, o que perfaz um total de 300 hectares. Um projeto agrícola e, em simultâneo, ambiental, pois uma parte de ambas das quintas fazem parte da Rede Natura 2000, a rede europeia de conservação da natureza, assim como da Zona de Proteção Especial para Aves do Douro Internacional, comprometendo-se a preservar espécies de aves em risco de extinção, como o chasco-preto ou o britango, o abutre do Egito.

Os Duorum que subiram de tom o repasto do dia

A somar ao cenário envolto num silêncio imaculado com vista para o rio Douro José Maria Soares Franco falou sobre o futuro enoturismo da Quinta de Castelo Melhor na companhia de um Tons de Duorum branco 2014, ao qual se seguiram Duorum Colheita tinto 2013, Duorum Reserva tinto 2012 e Duorum Vintage Vinha de Castelo Melhor 2012, à mesa da casa de xisto da quinta, harmonizados com um prato bem típico da cozinha portuguesa.

Quanto às vinhas, a Duorum, palavra que advém do latim e significa “de dois”, aposta em Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Sousão, Tinto Cão e Tinta Francisca, para os tintos, e em Viosinho, Verdelho, Arinto e Rabigato para os brancos. Brindemos!

P de Palato

A adega recém-inaugurada da Quinta da Saudade

De regresso a Muxagata, a visita prossegue entre vinhas, desta vez, na Quinta da Saudade, onde as castas de eleição são Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alicante Bouschet na lista dos tintos, além do Rabigato, Viosinho e Códega do Larinho, para os brancos. A aposta resulta na união de cinco amigos: Carlos Magalhães, João Nuno Magalhães, Manuel Castro e Lemos, Albano Magalhães e Bernardo Lobo Xavier, da qual nasceu a sociedade 5 Bagos, em 2008. O nome do projeto: Palato do Côa. Com efeito, vinho e palato estão inteiramente ligados. Em 2011 a sociedade abriu portas a João Anacoreta Correia, que tem uma vinha, de três hectares, com o seu nome.

Ao todo são cerca de 16 hectares de vinha que salpica de verde o solo da quinta onde, em 2014, foi erguida a adega, onde são produzidos os vinhos feitos apenas com uvas da propriedade, como o Palato do Côa branco 2014, o Palato do Côa Reserva branco 2014, o Palato do Côa tinto 2012 e o Palato do Côa Reserva tinto 2011, que harmonizaram o jantar, que terminou com um pudim Abade de Priscos.

A jóia da casa Ferreira

O enólogo Luís Sottomomayor junto às vinhas que preguiçam à beira do rio Douro

Já no último dia, com o sol sem dar tréguas, a visita estava marcada para a Quinta da Leda, na freguesia de Almendra, Vila Nova de Foz Côa. Adquirira em 1979, a propriedade é composta por 100 hectares espalhados pelo vale aos quais se juntam 60 hectares que se estendem pela margem esquerda do Douro.

A história da Quinta da Leda é contada por Luís Sottomayor, enólogo da Sogrape, que relembrou o ex-líbris do Vinho do Porto, o Barca Velha, sem deixar de referir a primeira plantação de vinha, datada do ano da compra da propriedade, e de falar sobre o monte da Callabriga que, no presente, batiza um dos vinhos da casa e, outrora, fora o nome atribuído ao título de Bispo de D. José Pelicarpo, Bispo de Callabriga.

A adega da Quinta da Leda, de portas abertas desde 2001

Curiosidades à parte, Luís Sottomayor revelou que por lá fez sempre a vindima desde o ano em que entrou no grupo Sogrape, em 1989. Onze anos depois, em 2001, contribuiu para a “idealização desta adega, em 2001”, uma obra de engenharia que possibilita o seu funcionamento por gravidade, provas dadas desde o primeiro piso ao mais abaixo, onde as cubas de inox são suportadas por vigas. O “focus principal desta adega é a produção do vinho tinto”, daí a aposta nas castas tintas – Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Tinto Cão.

Os néctares de Baco da Casa Ferreirinha que desfilaram num almoço descontraído ao ar livre

Em 2006, e por incumbência de outras funções no grupo, deixou de fazer as vindimas na Quinta da Leda, onde o silêncio toma conta de tudo assim que a festa chega ao fim. Mas a nossa mal começou, pois estava na hora do repasto, onde a Casa Ferreira Vinha Grande Rosé 2014 deu as boas-vindas ao início da tarde, seguida de Casa Ferreira Planalto branco 2014, Casa Ferreira Papa Figos tinto 2013 e Porto Ferreira 20 Anos, este para terminar a viagem pelo vinho e sabores do Douro Superior.

Assim ficamos em Vila Nova de Foz Côa, por ocasião do Festival do Vinho do Douro Superior, realizado entre 22 e 24 de maio, onde 55 dos 154 néctares de Baco do Douro Superior foram a concurso, para serem distinguidos em três categorias por um júri composto por 30 elementos, uma iniciativa organizada pela Revista de Vinhos. Em destaque, e com o intuito de acicatar o palato dos apreciadores de um bom vinho, aqui ficam os grandes vencedores nas categorias de branco, tinto e Vinho do Porto, respetivamente: Bons Ares branco 2013’, da Ramos Pinto, Duorum Vinhas Velhas Reserva tinto 2012, da Duorum Vinhos, e Quinta de Ervamoira Porto Vintage 2005, da Ramos Pinto.

Ficamos no Douro Superior, “uma das mais belas regiões vinícolas do mundo”, segundo António Barreto, no fim do mundo, onde vale mesmo a pena ir. •

Festival do Vinho do Douro Superior
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© Fotografia: João Pedro Rato

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