A gastronomia, o património e a cultura na rota (de vinhos) da Península de Setúbal

Eis os momentos incontornáveis de uma viagem a explorar, com a História e a poética paisagem da Arrábida a ornamentar uma região onde o Moscatel é rei.

A antiguidade de José Maria da Fonseca tem a Adega dos Teares Velhos como referência

Iniciemos o itinerário pela cultura da vinha na Península de Setúbal. Segundo a página da Internet da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal (CVRPS), o vetusto ofício remonta “a um período muito anterior à formação de Portugal”. Hoje, e com o registo de cerca de 9500 hectares de vinha, esta massa de terra que avança mar adentro e que é composta pelos concelhos de Palmela, Montijo, Sesimbra e Setúbal (Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines), é dona de três castas que lhe são muito características: Moscatel Roxo, Moscatel de Setúbal e Castelão.

A primeira indica uma produção mais restrita, devido à fragilidade que a define. “No passado, a Moscatel Roxo quase a desapareceu, chegou a haver apenas cinco metros quadrados de vinha com esta casta”, adiantou Andreia Lucas, representante da CVRPS, “a replantação da casta Moscatel Roxo aconteceu há cerca de uma década” e o resultado traduz-se num vinho fortificado da cor homónima. Já a Moscatel de Setúbal é mais conhecida, pois a produção é menos limitada e “faz-se” ouvir mais, conquanto o conjunto de conhecedores deste tipo de vinho é ainda exíguo. A par com a casta Moscatel Roxo, a Moscatel de Setúbal, preenchem em 85 por cento a composição do vinho baptizado com o nome da casta principal.

Por sua vez, a Castelão ou Periquita, ocupa mais de metade da região e revelam um enorme esplendor nos vinhedos em solos arenosos (concelhos de Palmela e Montijo, e bacia do Sado), assim como nas vinhas velhas da Península de Setúbal. Porquê? “Por causa da água, dos dias quentes e das noites frias”, declarou Andreia Lucas enquanto falava sobre esta casta numa região onde “projectos familiares perduram”, segundo Maria do Carmo Guilherme, da Divisão de Comunicação, Turismo e Economia Local, da Câmara Municipal de Palmela, sublinhado a crescente importância do enoturismo favorável no panorama que dá a conhecer “a diversidade das nossas adegas” e, ao mesmo tempo, proporciona “o contacto directo com o produtor e o gestor”.

O vinho no feminino

Joana de Freitas representa a quinta geração da Casa Ermelinda Freitas

Sem mais delongas, partamos para a descoberta do saber-fazer que, num universo ainda muito “deles”, é enaltecido pelo trabalho contínuo de cinco gerações de mulheres. Eis a razão pela qual é determinante iniciar esta viagem na Casa Ermelinda Freitas em Fernando Pó, na aldeia de Águas de Moura, freguesia da Marateca, no concelho de Palmela, onde o ano 1920 foi determinante. “A casa tinha vinhas, tinha o vinho e tinha as duas adegas”, revelou Joana de Freitas, representante da quinta geração de uma família que soma e segue no mundo vinícola.

A corrida contra o tempo começou com Deonilde Freitas, seguida por Germana Freitas e, mais tarde, pelas mãos de Ermelinda Freitas que, após o falecimento do marido – Manuel João de Freitas Júnior – deu continuidade à actividade económica da família, com o apoio da filha, Leonor de Freitas – mãe de Joana de Freitas –, que tomou as rédeas da empresa. Assim, em 1997, é criada a primeira marca em homenagem à terra: Terras do Pó. Em 2002 foi a vez do tributo a Manuel João de Freitas Júnior, avô de Joana de Freitas, com M.J. Freitas. E em 2005, foi fundada a Casa Ermelinda de Freitas.

O espólio desta família matriarcal contempla uma diversidade enorme de objectos antigos a (re)descobrir

Toda a história desta família matriarcal encontra-se documentada na Casa de Memórias e Afectos Ermelinda Freitas através de registos escritos e fotográficos, e de objectos pessoais, testemunhos de uma época que é do desconhecimento, sobretudo, das gerações mais novas. As alfaias agrícolas de outrora, as caldeiras onde era feita a destilação da aguardente, as balanças de tamanhos diversos são peças que mantêm vivo o passado, tal como os depósitos originais do mosto, os primeiros vinhos engarrafados e os prémios.

São 1600 o número de barricas que repousam na Adega Leonor de Freitas

Quando chegou a hora de modernizar a adega “nunca mais parámos, até agora”, declarou a nossa anfitriã ao referir-se à Adega Leonor de Freitas cuja visita antecedida por uma vinha pedagógica. “Resolvemos plantar castas diferentes” e, neste momento, contam com 450 hectares de vinha própria. Mesmo assim, “compramos uva de agricultores da região”.

O número de litros produzidos por ano é de 12 milhões “e temos estado a aumentar cada vez mais”, avançou Joana de Freitas, sendo o maior investimento feito na tecnologia utilizada, “para aproveitarmos o melhor da matéria-prima”, rematou.

Tudo boas razões para conhecer as vinhas e a Casa de Memórias e Afectos Ermelinda Freitas, sendo imperativa a reserva com dois dias de antecedência. Por sua vez, no âmbito do programa Rotas do Sado – À Descoberta das Vinhas de Fernando Pó, criado em parceria com a CP-Comboios de Portugal, a Casa Ermelinda Freitas – além de outras duas adegas da região – organiza, em plena vinha, um repasto composto pela típica sopa caramela, feita com legumes, partes diversas de porco e massa, pão e queijo. O objectivo é retratar o almoço que acalentava o estômago e a alma de quem trabalhava a terra. A visita termina com uma prova de vinhos comentada. O valor dos bilhetes (inclui as viagens, os tranfers entre as adegas e as experiências) é de €54 para adultos e €38 para jovens dos 12 aos 16 anos. A reservar através de gruposlc-rg@cp.pt, reter informações através do 212 334 398 e ir até 27 de Maio de 2017. Está tudo aqui.

+ Casa Ermelinda de Freitas

De casa agrícola a vinicultora

Venâncio Costa Lima Moscatel Roxo 2013 DO Setúbal abriu as hostes para o repasto composto também por iguarias locais

Falamos de Venâncio Costa Lima, fundador da Casa Agrícola Venâncio Costa Lima, há cerca 103 anos, na Quinta do Anjo, freguesia do concelho de Palmela. Com o vinho, o azeite e os cereais na lista de vendas, mais tarde inicia o fabrico e a comercialização exclusiva do legado de Baco. E poucos foram os anos para que esta casa se tornasse a segunda maior produtora da região, registo datado entre as décadas de 1930’ e 1950’.

Quatro gerações passaram e a Venâncio Costa Lima prossegue o seu percurso. “Podemos dizer que somos uma das adegas familiares mais antigas da região”, sublinhou Joana Vida, do clã Costa Lima cuja produção ascende aos três milhões de litros anuais feitos a partir de uvas de agricultores da região e das vinhas dos sócios da empresa, uma vez que não é proprietária de vinhas próprias.

O Moscatel de Setúbal repousa nas barricas expostas de forma ordeira na Adega Velha

Mas para chegar mais longe e ocupar, de novo, lugar de destaque num mercado tão extenso como o do vinho, foi preciso aplicar mudanças. Assim, “em 2007 iniciamos uma pequena revolução nesta adega” reformulando-a, sem distorcer a história nem o DNA da empresa.

A aposta no enoturismo veio em Agosto de 2015. Resultado? “Abrimos uma loja de vinhos, renovámos a área de atendimento ao cliente e criamos um programa com provas simples.”

Para conhecer a elaboração dos bancos, dos tintos (Regional Península de Setúbal e/ou DO Palmela) e Moscatel de Setúbal, e aprofundar a história da casa Venâncio da Costa Lima, há que a visitar e, por fim, provar os vinhos na Adega Velha, onde repousa o Moscatel de Setúbal, e não é preciso marcação, excepto aos Sábados.

Se o tempo é generoso, recomendamos o programa que inclua a degustação de iguarias da região – o Queijo de Azeitão, o pão caseiro, o enchidos e a fogaça de Palmela. Neste caso a reserva é feita através do 212 888 020 ou de vcl@venanciocostalima.pt. O mesmo procedimento se aplica aos eventos temáticos anunciados pela página de facebook do produtor, sendo o valor revelado na respectiva informação.

Na visita com prova de 3 vinhos o preço é de €3, de 3 vinhos e 1 Moscatel é de €4, com degustação sobe para €10 por pessoa.

Venâncio Costa Lima

A tradição ainda é o que era

Quinta do Piloto Moscatel de Setúbal Superior 2011 entrou, em Dezembro, no mercado dos vinhos

A próxima paragem é feita na Quinta do Piloto, na vila de Palmela, uma das adegas construídas no tempo de Humberto da Silva Cardoso que, no início do século XX, adquiriu as Herdades da Fonte da Barreira, do Lau e do Alboal, e também mandou erigir a Adega da Serra.

A venda do vinho a granel incrementou o negócio, mas o impulsionador – que também desempenhou a função de presidente da câmara local e foi mentor do Cineteatro S. João, na vila de Palmela – trocou a cultura do vinho pelas vida cultural e pelas viagens. O legado passou, deste modo, para as mãos dos filhos, Rui e Álvaro Cardoso. Mais tarde entrava na empresa o sobrinho do fundador, Humberto Cardoso cujo sonho de desenhar os próprios vinhos se tornou realidade pelas mãos do filho, Filipe Cardoso.

Em 2008 nasceu, assim, o projecto vínico Quinta do Piloto, mas os vinhos começaram a ser engarrafados cinco anos depois. No presente, produzem cerca de dois milhões de litros por ano e possuem com 12 referências no portefólio, já a contar com o novo espumante com apresentação agendada para este ano, além das duas colecções de família de moscatéis de colheitas efectuadas no tempo de Humberto da Silva Cardoso.

Nas contas constam ainda 200 hectares de vinha – dos quais 30 é de vinha velha da casta Castelão e 40 é ocupado com Moscatel Roxo – e duas adegas. A da Quinta do Piloto, desde a altura do avô de Filipe Cardoso que “praticamente não sofreu alterações”, mantendo o sistema das ânforas argelinas, a entrega das uvas, que é feita por gravidade directamente par as cubas, e a sustentabilidade, pois “não precisa praticamente de bombas, as paredes são grossas e tem luz natural”, diz-nos apontando para a enorme janela rasgada na parede com um pé direito enorme virada para um horizonte longínquo.

A caldeirada é uma das receitas emblemáticas da família Cardoso e uma das mais típicas da região

O legado quase intocável não fica por aqui. “Há 52 anos que o meu avô trouxe as festas das vindimas para Palmela”, contou-nos, enquanto falava da adiafa, com o “prato típico do início de Inverno” e também desta região banhada pelo Atlântico e pelo rio Sado, a caldeirada. Ou o vinho que é oferecido às paróquias da região, o qual é feito a partir do mosto das primeiras uvas que são pisadas e, cerca de seis meses depois, é engarrafado para, em seguida, chegar às mãos da Igreja.

Porém, as histórias não ficam por aqui, pelo que o melhor é reservar visita através do 212 333 030 ou de enoturismo@quintadopiloto.pt, sendo o horário de Inverno das 11 às 15.30 horas, e o de Verão das 11 às 16. Por sua vez, a loja, instalada na antiga destilaria da quinta, mantém as portas abertas das 9.30 às 13 horas e das 14 às 18.30, no Inverno; das 10 às 13 e das 14 às 19 horas, no Verão.

Quinta do Piloto

A harmonização de Minerva e Baco

O rés-do-chão do palácio é um expositor vivo de arte e de História

O percurso ganha contornos de grande beleza à medida que o arvoredo da singular Serra da Arrábida se estende aos pés de Azeitão – vocábulo de origem árabe azzeittum, que se referia aos olivais enormes outrora ali existentes. Situada na área montanhosa da Região Vinícola de Península de Setúbal (da qual também fazem parte os montes de Palmela, São Francisco e Barris, assim como as serras da Arrábida, São Luís e Rasca), a freguesia de Setúbal é o palco vivo do cruzar do passado com o presente numa quinta com registo nas páginas da História – primeiro pelo Infante D. João, Mestre da Ordem de Santiago e Condestável do Reino, depois pela filha, Dona Brites, mãe de D. Manuel I, “O Venturoso” que, no século XV mandou erigir os muros, o tanque e o edifício.

Eis o Palácio da Bacalhôa, a representação da união da arte com o vinho, duas paixões do mui conhecido do Comendador Joe Berardo, empresário português e patriarca da família à qual pertence a Fundação Berardo, proprietária do Palácio e da Quinta da Bacalhôa.

A casa dos prazeres é o ex-líbris da Quinta da Bacalhôa

Da arte destacamos os medalhões de faiança das Caldas que ornamentam o muro que percorre o jardim até à casa dos prazeres contígua ao tanque e construída, no século XVI, por ordem de D. Brás de Albuquerque, filho do Vice-Rei da Índia Afonso de Albuquerque. Aqui, o nevoeiro deixa o traço de uma paisagem bucólica a preguiçar em redor das paredes cujo interior ostenta uma parte da colecção de azulejos, que se estende ao rés-do-chão do Palácio da Bacalhôa (o nome deve-se a Dona Maria Mendonça de Albuquerque, casada com D. Jerónimo Manuel, o “Bacalhau” pois, quando enviuvou, ficou conhecida como “a Bacalhôa”). A mesma arte que, nos anos 1930’, levou a norte-americana Orlena Scoville a adquirir a propriedade, onde denotou o desvelo de restaurar tão importante e avultado património datado dos séculos XV e XVI.

A vinha preguiça aos pés do edifício renascentista adquirido, em 2000, pelo Comendador Joe Berardo

De volta ao presente, e porque foi pelo vinho Catarina que se apaixonou José Berardo, em 1998 – motivo que o levou a comprar acções da Bacalhôa e, por fim, adquirir a quinta e o palácio homónimos –, a homenagem à Infanta D. Catarina de Bragança (1638-1685) é eternizada numa exposição permanente no piso inferior do edifício renascentista. O mesmo néctar de Baco, apresentado em 1982, permanece na lista de prioridades dos, agora, enólogos da casa, Vasco Penha Garcia e Filipa Tomaz da Costa, responsáveis também pelos vinhos JP Azeitão, Serras de Azeitão, JP Private Selection, Meia Pipa Private Selection, Cova da Ursa, Má Partilha Quinta da Bacalhôa, Palácio da Bacalhôa, as referências do Bacalhôa Moscatel.

E como muito ficou por escreve o melhor, recomenda-se a visita, que se realiza durante cerca de uma hora, de Segunda a Sábado, e o valor do bilhete ronda entre os €3 e os €6. Uma vez que é acompanhada por com um guia, o melhor é marcar através do 212 198 067 ou 916 485 206, ou de visitas@bacalhoa.pt. Se além do Palácio Bacalhôa quiser visitar também o Bacalhôa Museu, a dupla visita tem a duração de cerca de duas horas, começando às 10.30, às 14.30 e às 15.30 horas, e todas terminam com uma prova de vinhos.

+ Bacalhôa Vinhos de Portugal

Sete gerações com história

Periquita é a primeira grande marca criada pela José Maria da Fonseca

É no ano de 1834 que são anunciados os primeiros passos de uma das mais antigas empresas familiares de Portugal: José Maria da Fonseca (JMF). Criadora dos emblemáticos Periquita (1850), Lancers rosé (1944), BSE (1945), Terras Altas (1959), a Colecção Privada Domingos Soares Franco (2000) e Hexagon (2003), a contagem de referências ultrapassa, nos nossos dias, as três dezenas e reúne mais de 300 castas (portuguesas e de além fronteiras) distribuídas pelos 650 hectares de vinha.

No entanto, foi o Torna-Viagem que elevou a importância da JMF neste admirável mundo novo do vinho. O nome foi atribuído ao moscatel (produzido nesta casa desde 1834) que José Maria da Fonseca enviava, no século XIX, em cascos e à consignação, para o Brasil, onde nem sempre era adquirido na totalidade. Por conseguinte, ao longo da viagem de regresso, este vinho fortificado da Península de Setúbal era submetido às oscilações climáticas e às adversidades dos mares, atravessando o Equador e a imensidão do Atlântico. Assim, quando à casa mãe voltava, denotava uma qualidade superior, conferindo-lhe uma importância maior no mercado.

A história é contada na Casa Museu, erigida no século XIX, em Vila Nogueira de Azeitão, e restaurada, em 1923, pelo célebre arquitecto suíço Ernesto Korrodi (1870-1944), na qual a família Soares Franco residiu até 1974. Depois foi transformada no actual núcleo expositivo da JMF, o primeiro enoturismo da Península de Setúbal, onde se encontram registos vários, desde a Monarquia à instauração da República em Portugal. De todos, destaca-se a máquina, datada de 1850, a qual permitia o engarrafamento em linha de, no máximo,  quatro garrafas de cada vez, perfazendo um total de cerca de 240 garrafas por hora. Hoje, a soma equivale a 30 mil por hora e a seis milhões e meio de litros por ano.

Os melhores anos do Moscatel de Setúbal estão inscritas numa vetusta tampa de balseiro

Na visita, a narrativa passa pela Adega da Mata, onde estagia o famoso Periquita, pela Adega dos Teares Novos, palco dos “Sons do Vinho” – iniciativa que associa o legado de Baco e a música –, e pela Adega dos Teares Velhos, onde tudo começou. Por conseguinte, é onde repousam os mais vetustas colheitas de vinho moscatel da família, cujo registo está inscrito na tampa de um balseiro de outrora, dos quais foram eleitos os três melhores anos de sempre (1900, 1934 e 1965) para o Trilogia DOC Moscatel de Setúbal elaborado, em 1999, pelo enólogo Domingos Soares Franco com o propósito de celebrar a passagem para o novo milénio que nos trouxe mais estórias para contar e a ouvir entre as 10 e as 12 horas, e as 12.30 e as 16.30 horas, de Novembro a Março; e das 10 às 12 horas, e das 12.30 às 17.30 horas, de Abril a Outubro. A visita, que requer marcação prévia através do 212 198 940 ou de enoturismo@jmfonseca.pt, termina sempre com uma prova de vinhos na loja.

José Maria da Fonseca

Do mar para o prato

As boas vindas do restaurante Ostradomus

Peixe e marisco são imperativos no prato ou não estivéssemos nós a escrever sobre uma península, onde a criação das ostras é uma das mais importantes actividades no Estuário do Sado e o ex-líbris do Ostradomus, o n.º 414 da Avenida Todi, em Setúbal, que consta no Guia Michelin 2017.

Ostras marinadas com manga pelo cozinheiro Mário Pinheiro

À frente do restaurante estão Mário Pinheiro e Rosemary, marido e mulher, uma dupla que levam a felicidade da cozinha para a mesa. É aqui que o palato é desafiado com as ostras marinadas com manga e “ao alhinho”, além das naturais, trilogia que mostrou quão bom é o produto português, mesmo no alinhamento que se seguiu neste espaço quase vizinho do Estuário do Sado. Sem esquecer a sobremesa, simples e cheia de sabor.

Por sua vez, a harmonização recaiu em vinhos de Palmela – Espumante de Moscatel Bruto da Adega Cooperativa de Palmela, fundada em 1955; em um ASF branco 2015, um DOC Palmela feito a partir da casta Viosinho e desenhado em homenagem ao fundador Amílcar da Silva Freitas na adega em Fernando Pó e que resulta da união das famílias Freitas e Palhoça; e em um Quinta da Invejosa Reserva 2011, um Palmela DOC 100 por cento Castelão, do produtor Filipe Palhoça e desenhado pelo enólogo Jaime Quendera.

E muito mais há para constar no registo gastronómico, entre a já referida sopa caramela e o coelho com feijão à moda de Palmela, passando pelo Queijo de Azeitão, a manteiga de ovelha e o pão caseiro ou o arroz doce feito com leite de ovelha, entre outras iguarias inscritas no receituário da região.

+ Ostradomus

O misterioso convento da Arrábida

O enigmático Convento de Nossa Senhora da Arrábida aberto ao silêncio ancestral da Serra da Arrábida

“A visita é feita, faça chuva, faça sol!” A afirmação veemente é de Quirino Lopes de Almeida, guardião, há 25 anos, do Convento de Nossa Senhora da Arrábida, datado de 1542 e fundado por Frei Martinho de Santa Maria que, “a convite do primeiro duque de Aveiro”, D. João de Lencastre (1501-1571), “veio fazer uma visita e, no sítio onde estava com D. João terá dito ’Se não estou no paraíso, estou nos arredores’”. As palavras fazem jus à vista alcançada de quem explora a paisagem em redor, dona de uma beleza singular. As terras da encosta da serra foram cedidas ao franciscano castelhano, que “foi viver para um gruta, lá em cima”, enfatizou o nosso cicerone, apontando para um ponto mais alto da serra, onde Frei Martinho ter-se-á inspirando no fundador da sua ordem, São Francisco de Assis.

Até ao exterior do Convento Novo, localizado a meio da encosta da serra, percorrem-se espaços carregados pelo peso do silêncio. Passamos o portão, aberto com uma chave bem antiga, entramos num pequeno átrio fechado, onde está representada a Via Sacra através de 14 cruzes e, por fim, na capela, local escolhido para contar a história sobre o convento sempre com muitas perguntas à mistura, num desafio constante ao conhecimento de quem faz a visita.

“O que precisavam os frades para sobreviver?” Atira o guardião quando já estávamos no exterior. Após as escassas respostas, responde: “Era de água. A água que corre do lado de cá da serra.” Ao mesmo tempo indica o local de origem de tão precioso elemento para a vida humana.

A graciosa Serra da Arrábida que se converte num paraíso para quem a visita

No silêncio prolonga-se a enorme serenidade preenchida pelo casario erigido, em tempos há muito idos, no rochedo cravejado de vegetação endémica. São as pequenas celas também elas com pequenas janelas outrora carecidas de mobiliário e cujas portas estão numeradas. Há 114, ao todo mas, ainda hoje, os números são alvo de um enigmático enredo a descobrir numa visita a agendar às 10 horas ou às 15. O valor do bilhete é de €5 por pessoa (a partir dos sete anos), o qual desce para €3 (por pessoa) para grupos de 15 pessoas, estudantes e maiores de 65 anos. A reserva é feita através do 212 197 620, do 212 197 628 ou de arrabida@foriente.pt.

Convento de Nossa Senhora da Arrábida

Vamos à história!

No Castelo de Palmela, o relógio datado do século XVII – e apenas com um ponteiro – é alvo de grande curiosidade de muitos forasteiros além fronteiras

“Queríamos rever muitas histórias e estas pedras têm muito para contar”, salientou Maria do Carmo Guilherme na visita ao Castelo de Palmela considerado, há séculos atrás, uma das principais fortalezas do país conquistada pelo primeiro Rei de Portugal.

Mas um dos episódios mais importantes dos anais alude sobre a enorme fogueira (almenara) que D. Nuno Álvares Pereira, o “Santo Condestável”, acendeu entre muros, para advertir o Mestre de Avis – que se encontrava em Lisboa aquando do cerco feito pelos castelhanos – de que a ajuda estava próxima. Por esse motivo, este momento foi, uma vez mais, reinterpretado em Setembro de 2016, ou seja, 633 anos depois, através do “Ritual Almenara” que teve lugar, em simultâneo, nos castelos de São Jorge e de Palmela, por forma a dar a conhecer a ligação histórica de ambos os monumentos.

Outro dos pontos de interesse do castelo da vila é a Igreja de Santiago caracterizada pelo estilo gótico e despojada de alfaias religiosas. Do património milenar persiste a arca tumular de D. Jorge, Duque de Coimbra e o último Mestre da Ordem de Santiago, a qual permaneceu na fortaleza ao longo de cinco séculos e cuja forte presença é testemunhada pelo símbolo da ordem nos azulejos do século XVII e XVIII e pelos quadros expostos no alto do altar – os originais estão no Museu de Arte Antiga, em Lisboa.

E mais vale a pena acrescentar ao saber, pelo que o melhor é agendar uma visita guiada (gratuita) através do formulário a preencher aqui.

Castelo de Palmela

De uma paixão nasce o museu

O candeeiro de pé com fonógrafo é uma das peças adquiridas por Luís Cangueiro

Caixas de música, pianos mecânicos, órgãos, realejos. Ao todos são mais de 600 as peças e todas funcionam através de sistemas mecânicos. “Quando eu tinha os meus seis, sete anos, descobri uma máquina com discos de melodia. Comecei a desmontá-la e nunca mais foi a mesma.” A revelação é feita por Luís Cangueiro, o mentor do Museu da Música Mecânica, no Pinhal Novo, concelho de Palmela.

Desde cedo que Luís Cangueiro está ligado à música interesse que, associado ao espírito coleccionista que o levou a adquirir a primeira peça em 1986 e daí nunca mais parou. O resultado contempla um acervo datado entre os finais do século XIX e a década de 30 do século XX e que vai da Europa (França, Alemanha, Suíça, Portugal) aos Estados Unidos, a visitar numa gigantesca caixa de música projectada pelo arquitecto Miguel Marcelino.

Terão sido estes os primeiros headphones produzidos para ouvir música?

A somar a tão extenso e enriquecedor espólio expositivo – composto pelas Galerias Nascente, Poente e Sul e pela Antecâmara –, o anfitrião possui uma colecção de 1666 discos de 78 rotações para gramofone, no qual são reproduzidas vozes conhecidas, como o actor e cantor norte-americano Frank Sinatra ou a actriz portuguesa Beatriz Costa. Um mundo encantador para pais e filhos, onde também é dada especial atenção ao maior disco do mundo, com 2.200 quilos, o qual não passa despercebido aos visitantes que vão a este museu Terça a Domingo, das 14.30 às 17.30 horas. Para as visitas com marcação, as portas do museu abrem de Terça a Sexta, das 10 às 13 horas (encerra à Segunda e nos dias 25 de Dezembro, 1 de Janeiro e de Páscoa). O valor dos bilhetes oscila entre os €3,50, dos 2 aos 18 anos, e os €14 para as famílias (2 adultos e 2 crianças).

+ Museu da Música Mecânica

Em jeito de resumo, será a cultura, a história, a gastronomia, a paisagem da Península de Setúbal incontornável? É ir para (re)descobrir! •

Agradecimentos:
+ Câmara Municipal de Palmela
+ Rota de Vinhos da Península de Setúbal
+ Entidade Regional de Turismo da Região de Lisboa
+ Comissão Regional Vitivinícola da Península de Setúbal
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: Adega dos Teares Velhos da JMF

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