A divina cozinha do chef David Jesus

O Oriente domina à mesa do Bastardo, o restaurante do Internacional Design Hotel, numa viagem pelos sabores da América Latina e pela nossa cozinha, com uma apresentação pautada pelo desvelo e pelas cores no prato.

A vista preenche-se pelo casario típico da Baixa Pombalina lisboeta, desta vez, numa linguagem depurada pela luz do astro-rei, que entra Bastardo adentro, o filho ilegítimo da cozinha portuguesa, como lhe chamam, através das enormes janelas do, outrora, Hotel Internacional, datado de 1923.

Dotado de uma irreverência acolhedora e intimista projectada pela designer de interiores Mónica Penaguião, que optou pela eleição de diferentes materiais, formas e conceitos de marcas reconhecidas no Mundo inteiro e, em simultâneo, de um humor nonsense e provocador q.b exposto nos concebidos pela designer gráfica Inês Maldonado, o Bastardo revelou o quanto gosta de ser mutante. Assim, em Janeiro de 2017 abriu as portas para um novo chef que trouxe uma carta nova para acicatar os sentidos dos mais curiosos. Falamos de David Jesus, o assinante de uma ementa mais sofisticada, primada pelos sabores genuínos dos produtos meritória do nosso aplauso. Porquê? Porque a cozinha portuguesa continua como ponto de partida de uma viagem (quase) à volta da terra, na qual a predominância de sabores exóticos nos remete, sobretudo, para a cozinha oriental, mas também para os sabores da América Latina, ganhando vida nova nos pratos da divina cozinha de David Jesus, que explorou destinos inimagináveis além fronteiras, como a Antártica, além da Polinésia Francesa, da Argentina, entre outras paragens, sem esquecer a cozinha do The Chiltern Firehouse, do chef Nuno Mendes, em Londres – para ler em breve em entrevista. Resultado? Uma mescla de culturas que, de uma forma ou de outra, cabem numa carta que deixa transparecer um maior desvelo, em particular, pela forma como os produtos são confeccionados e pela apresentados de cada prato.

Vamos à mesa? Para começar, é servido o couvert, onde cabe a fogazza, o pão alentejano e os gressinos, servidos numa caixa feita a partir de peças da Lego, e acompanhados pela manteiga de camarão, o irresistível húmus e a tapenade de azeitona.

A mescla de sabores do ceviche de camarão, polvo e creme de milho é para saborear até ao fim

Nas boas novas lista o ceviche de camarão, polvo e creme de milho, um dos pratos novos da carta do Bastardo, no qual o leite de coco atribui a cremosidade necessária para este prato nativo da América do Sul. No mesmo alinhamento está o tataki, feito com atum, manga, aipo e molho ponzu, uma das mais apreciadas “partidas” – assim são conhecidas as entradas no Bastardo – , triunfando pelo sabor agridoce que David Jesus inscreveu na feitura deste prato que comprova, por si só, o exotismo da renovada cozinha do restaurante do Internacional Design Hotel, em Lisboa.

Os sabores do clássico do Bastardo permanecem intactos na boca

O clássico, o bife tártaro (100 gramas) é, por sua vez, o legado da cozinha do Bastardo, a respeito do qual a ficha técnica ficou intacta, pelo que o sabor continua a surpreender os mais audazes à mesa.

Aos que não dispensam o queijo para iniciar o repasto, recomenda-se a entornada composta por queijo de ovelha, compota caseira e tostinhas. Para partilhar – porque não – enquanto aguarda pelo prato principal e, ao mesmo tempo, apreciar na companhia de uma boa conversa.

Na (casa) Partida constam ainda o sab’apato (salada de pato), o novo bao (pão asiático) com porco confitado, esparguete de rábano e molho de iogurte, e a sopeira. Esta é feita com tomate, ovo escalfado, pão frito e piso, esta partida está repleta de ingredientes que nos remetem para o Alentejo, em particular para a cozinha da Herdade da Malhadinha Nova, onde David Jesus esteve partilhou experiências com os chefs Bruno Antunes e Joachim Koerper, o chef consultor do restaurante da country house em Albernoa, Beja.

Octopus é o nome da composição que tem o polvo como ingrediente principal, na qual o pickle de rábano e piso de salsa conferem frescura

No momento da Lagarta – dos pratos principais –, o jovem chef, mostrou quanto vale um prato de bacalhau confeccionado comme il faut e acompanhado por um puré de beringela, grelos, kombu (alga marinha), picadito algarvio (pimentos, presunto, salsa, coentros) e pó de azeitona. Eis o asiático, uma das novidades do chef lisboeta, no qual entram sabores das terras algarvias e o azeite, produto tão nosso e quem, juntos, conferem um sabor que é “de comer por mais”.

O mesmo se aplicou ao octopus, o prato de polvo, batata fondant, couve flor e tinta de choco, pickle de rábano e piso de salsa, os quais dão frescura ao conjunto de sabores que, nesta composição, conquista o palato numa assentada só.

Ao porco à colher versão 2.0, ao nosso ramen, ao caril de frango e ao italiano cabem também a assinatura de David Jesus. Já o malandrinho (risotto de abóbora, espinafres, goji e azeite de trufa), assim como o marinheiro (peixe do dia, malandrinho de amêijoa e piso de coentros) mantém-se, enquanto o filé à portuguesa foi submetido a uns ajustes na cozinha, agora, liderada pelo mais recente chef.

O curd de limão faz sempre uma excelente companhia de um crème brûlée

De Fugida comem-se as sobremesas, como o cremoso cuja composição é feita a partir de crème brûlée, sorbet de coco, chá verde e curd de limão, uma mistura que fica na memória, ou a tigelada que, na taça, junta o quindim de amêndoa, a maçã, o morango e o creme inglês despertando, assim, boas reminiscências. Aos amantes do chocolate recomendamos o brownie feito com um cremoso de chocolate, framboesa e gelado de caramelo salgado, convertendo-se numa mistura explosiva e bem conseguida de sabores.

Já aos gelados XPTO, que se encontram, desde há muito, na carta do Bastardo, David Jesus juntou a framboesa, o coco, a baunilha ou o caramelo e flor de sal na mesma linha dos tradicionais de morango ou de chocolate.

Para quem não arrisca, o jovem chef recomenda o #sosaude, a salada de fruta do Bastardo, ou a tábua de queijos servidos  com compotas, frutos secos e tostinhas.

Na harmonização de Baco, os eleitos foram dois vinhos da Região do Dão: Picos do Couto Chardonnay 2015 e Quinta do Serrado Touriga Nacional Reserva 2016. Porém, caso queira ficar nas mãos do Bastardo, cada prato tem, na carta, uma sugestão para acompanhar.

Para quem o tempo escasseia, há os Almoços do Bastardo, com um prato diferente para cada dia da semana, e o Menu do Dia, composto por couvert, prato do dia, sobremesa do dia, copo de vinho da casa ou água e café (17€ por pessoa).

Agora é ir, pois vale bem a pena embarcar nesta viagem de sabores pautada pelo chef David Jesus. Bom apetite! •

+ Bastardo
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: O bacalhau genial do chef David Jesus é “de comer e chorar por mais”

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