É um dos mais distinguidos chefs estrangeiros radicados em solo português. Falamos de Hans Neuner que promete “revelar mais do que Portugal Continental” a partir da sua cozinha, onde “os ingredientes locais e sazonais são os protagonistas”.
De uma pequena aldeia do Tirol, Áustria, Hans Neuner atravessou fronteiras terrestres e marítimas, dando literalmente a volta ao mundo. Veio, de malas e bagagens, em 2007, para o Ocean, o premiado restaurante do Vila Vita Parc, o resort de Porches, em terras algarvias, e bastou-lhe um ano e meio para conquistar os inspectores do Guia Michelin que, na edição de 2010, destacavam o Ocean com uma estrela. Desde então, não mais parou! Ao final de dois anos, recebe duas estrelas Michelin de acordo com o referido “livro vermelho” de 2012. Pouco tempo depois, tem nas mãos o galardão de “Chef do Ano” do guia Boa Cama Boa Mesa, do jornal Expresso, a somar a outros igualmente dirigidos ao restaurante do Vila Vita Parc, onde anseia partilhar e pôr em prática as suas ideias com a sua equipa.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Diria que a descansar e a trabalhar no novo menu para este ano. Por norma, o restaurante encerra para férias nos primeiros meses do ano e este ano não foi diferente. Acabamos foi por ir, a equipa e eu, àquilo que eu gosto de chamar de “viagem de inspiração e motivação de equipa”. Já tinha uma ideia do tema do menu, mas não há nada melhor do que ir aos sítios, ver os ingredientes e falar com os produtores para ter mais conhecimento e uma experiência diferente. Calhou bem, porque foi mesmo antes de surgirem as restrições para viajar embora, claro, tivéssemos seguido as medidas de prevenção aconselhadas.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Deu para fazer as viagens de trabalho com a equipa, que acho muito importantes para nos inspirar-nos e criar novidades, e houve tempo para todas as outras coisas que normalmente aproveito para fazer durante o período em que o restaurante está fechado para descanso, embora com algumas excepções, dado o confinamento. Foi o suficiente. Agora quero é testar todas as ideias que tivemos e estou cheio de vontade de voltar para a minha cozinha, o que já está quase.
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Este ano que passou, foi um misto de muitas emoções que, com certeza, não tinha vivenciado nem de perto em todo o meu percurso. Quase que se compara com uma verdadeira montanha russa. Foi um começar e acabar, e volta a começar sem se saber o que iria acontecer de seguida. Se é para ir para cima ou se vai para baixo. E alguns restaurantes nem sequer tiveram essa oportunidade e, esse sim, foi um cenário que tivemos de ver com tristeza e frustração. Tanto negócio a fechar, não pelo nível do seu valor ou qualidade do trabalho, mas porque simplesmente se tornou incompatível a nível financeiro. Isto não pode deixar ninguém indiferente.
Está a desenvolver pratos/criações que para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Sim, já temos muitas ideias e sabemos exactamente o que vamos explorar este ano. Estou a concebê-lo como uma continuação do menu que apresentamos no ano passado, que se intitulava ‘À descoberta de Portugal’. É o passo seguinte, que vai revelar mais do que Portugal Continental e tem tudo para ser um menu espectacular.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Ocean?
Vai ser apenas um menu e todo ele novidade, a contar uma estória através dos pratos tradicionais portugueses como fonte de inspiração e onde os ingredientes locais e sazonais são os protagonistas.
Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Não. Vamos manter as mesmas características ajustadas às medidas de higiene e saúde oficialmente comunicadas. Não fugirá muito das que foram adoptadas no ano passado. Assim, a capacidade da sala de jantar continuará a ser de cerca de 20 pessoas em vez das habituais 30, por exemplo.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Este ano, não difere muito do que podemos observar na situação do ano que passou. Houve vários casos de reinvenção e adaptação criativa no setor, sem comprometer a qualidade ou o preço. Mas um facto é flagrante: com toda esta situação é notória a redução de concorrência no mercado.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Foi muito, muito desafiante sem dúvida. Fomos obrigados a fazer uma redução no número de elementos da equipa na cozinha (também em geral) e isso gerou um maior esforço e dedicação por parte de todos. Pouco depois de abrirmos, sobretudo nos meses de Verão, tínhamos a sala cheia todas as noites e lista de espera, superando as expectativas que tínhamos.
Requereu muita adaptação de todos sem excepção, da equipa de sala, da equipa da cozinha, de mim. Devo dizer que só posso sentir orgulho de todos e do trabalho extraordinário que desenvolveram. Fizemos acontecer com um resultado muito, muito bom. O menu foi dos mais apreciados. Pessoalmente, exigiu-me mais envolvimento em todo o processo.
A maior parte dos eventos a nível nacional e internacional teve de ser cancelada e, por isso, não precisei viajar tanto. Isso deu-me a oportunidade de estar mais presente, de estar mais na minha cozinha, o que me deu um gozo extraordinário! Toda a mise en place, todos os dias, com equipa, é do que mais gosto de fazer. Estive mais na minha cozinha, que afinal é o meu trabalho!