Houve tempo para criar uma horta e dedicar-se a quem mais gosta, e o takeaway “acabou por ser uma surpresa positiva”. Falamos de Marlene Vieira, mulher do Norte, empreendedora e imparável que reabriu, esta semana, a esplanada do seu Zunzum Gastrobar, restaurante localizado no terminal de cruzeiros de Lisboa.
Natural da Maia, perto da cidade do Porto, Marlene Vieira escreveu-se, ainda jovem, na Escola de Hotelaria de Santa Maria da Feira. Daí para o outro lado do Atlântico foi um salto, de mochila às costas, com Nova Iorque como destino no início do século XXI. Regressou mais tarde a Portugal e abriu o Avenue, em 2012, e o seu food corner no Mercado Timeout, em 2014, ambos em Lisboa, em 2016, o catering com o seu nome, e em 2017, o Panorâmico by Marlene Vieira, em Oeiras. Um livro e participação em programa televisivo depois, dá a vez ao Zunzum Gastrobar que quer muito levar a bom porto, através das viagens gastronómicas inspiradas no vasto receituário que temos por cá, e também porque há um projecto de fine dining a “marinar” e a aguardar pelo “ponto certo”.
A que se dedicou a fazer durante estes últimos meses?
Durante estes últimos meses, dediquei-me mais à família. Eera inevitável, até porque estivemos praticamente parados sem a nossa rotina e, no meu caso, confesso que me deixou à deriva e acabei por me refugiar nos que estão próximos de nós.
Houve tempo para pôr em prática o que anteriormente lhe era impossível?
Houve sim! No meu caso foi construir uma horta de alguma dimensão, o que me deu bastante prazer, mas confesso que o trabalho do campo é duro. Fiquei a admirar ainda mais quem faz este trabalho todos os dias!
Se lhe pedisse para falar sobre o seu percurso profissional, o que diria acerca destes 12 meses?
Faz, mais ao menos um ano, estávamos pela primeira vez a mergulhar em águas totalmente desconhecidas, no entanto adaptamo-nos à situação e decidimos abraçar um novo modelo que viria a manter-se até aos dias de hoje, o takeaway. Acabou por ser uma surpresa positiva. Trouxe desafios que nos ajudou a enriquecer a capacidade criativa e acabou por aproximar-nos, também, dos nossos clientes. Por incrível que pareça, esta pandemia enalteceu o lado bom das pessoas. Do nosso lado, estavamos mais receptivos em satisfazer os pequenos caprichos de alguns clientes e que, em outras alturas, com a azáfama do dia-a-dia, não estávamos totalmente cuidadosos nesse sentido; do lado dos clientes, a simpatia e o cuidado com que comunicam foi, sem dúvida, melhorada. Entretanto, também fomos capazes de abrir um novo espaço com uma proposta gastronómica que marca uma posição na cidade de Lisboa, o que acabou por ser, também, super positivo e enriquecedor. Infelizmente viemos a fechar portas temporariamente devido à pandemia, mas mantivemos o takeaway.
Está a desenvolver pratos/criações para a nova temporada que se avizinha? Pode levantar o véu?
Estamos muito lentamente a retomar a nossa rotina, até porque para podermos experimentar/criar tem de haver um orçamento e, como podem calcular, os gastos, neste momento, têm de ser muito bem geridos, para podermos continuar sem muitas surpresas más pelo caminho, mas posso dizer que há novas propostas.
Que novidades pondera incluir nos menus de degustação e na carta aquando da reabertura do Zunzum Gastrobar?
Alguns dos nossos pratos mais emblemáticos e que, de certa forma, marcam muito a identidade e conceito do Zunzum irão manter-se, até porque acreditamos que as saudades são muitas e não queremos dar o desgosto de retirar esses pratos do menu. Em relação às novidades são algumas que estão ligadas a produtos da estação, o que também marca a identidade do Zunzum.
Vai implementar mudanças na sua cozinha, no sentido de abranger um público mais lato ou a estratégia é cingir o serviço a um grupo mais restrito de clientes? Como explica esta decisão?
Não vou, para já, mudar nada na nossa forma de trabalhar, apenas melhorar alguns aspectos internos que passam despercebidos aos clientes, mas para nós é muito importante para podermos continuar a evoluir enquanto equipa e enquanto empresa.
Qualidade. Criatividade. Preço. Como é a sua cozinha e como vê o futuro do sector da restauração a partir destas três palavras?
Sem dúvida que qualidade é uma palavra de ordem na nossa forma de estar na gastronomia e também começa a ser para uma grande maioria dos clientes que nos procuram. É a nossa base de trabalho acima de qualquer outra.
Criatividade é super importante para mim enquanto empreendedora e cozinheira, pois gosto de inovar, gosto de novos desafios e de evoluir. Hoje sente-se que as pessoas procuram algum conforto ainda mas, ao mesmo tempo, precisam de alguma novidade e o factor surpresa provoca curiosidade e entusiasmo.
Em relação ao preço, sinto que, para a grande maioria das pessoas, é sem duvida um factor decisivo, no entanto existem clientes para todos os conceitos e propostas, e no nosso caso são cada vez mais os clientes dispostos a pagar por qualidade e criatividade.
Quão desafiante se tornou este último ano no percurso do chef?
Posso começar por dizer que foram meses de muito desgaste mental. Ao nível da gestão da empresa, ainda estão a ser os meses de maiores desafios desde sempre na nossa empresa e, claro, está tudo ainda um bocadinho à deriva. Ainda não chegamos a terra e temos estado a lutar muito para chegar a bom porto!
Mas falando também das coisas boas e das quais nos podemos orgulhar muitíssimo, abrimos um restaurante em plena pandemia, o Zunzum, e que está a ser um sucesso para nós, até porque superou as nossas expectativas e, se não fosse o a pandemia ter atacado em força, estaríamos agora a abrir um novo espaço que temos adiado devido a toda a conjuntura que vivemos. Esperamos, em breve, poder continuar a caminhar e a conquistar novos objectivos. Para já, só queremos mantermo-nos à tona.
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© Fotografia: Mário Ambrózio / Rawstudio