A porta aberta do edifício branco convida a entrar. Lá dentro, o copos e os jarros de vidro, em cima da mesa, dão corpo ao vinho, retirado dos enormes recipientes feitos em barro, legado recuperado a par com os tarecos.
Paio de Oriola, queijos alentejanos, chouriço assado, como manda a cartilha, – feito no fumeiro da Cooperativa de Produção e Consumo Vilalvense – e, claro está, vinho da talha.
Há branco e tinto, mas também o palhete, produzidos na Adega do Mestre Daniel, situada na esquina da perpendicular, sem saída, à Rua General Humberto Delgado, em Vila Alva, freguesia do concelho de Cuba, no Alentejo.
Eis a casa-mãe do XXVI Talhas. O projecto vitivinícola dos irmãos Daniel e Alda Parreira foi criado em homenagem ao avô Daniel António Tabaquinho dos Santos, com dotes de carpinteiro e queda para fazer vinho de talha, e que lhes deixou este edifício, reativado em 2018. A ambos juntaram-se o primo Samuel e o enólogo Ricardo Santos, também da terra, para, em conjunto, contribuirem para dar mais ênfase ao vinho de talha, porque “antes da Adega Cooperativa da Vidigueira, [Cuba e Alvito], havia 72 adegas, com, pelo menos três talhas. Actualmente, são cerca de 20, das quais dez ou 12 estão activas”, afirma Daniel Parreira.
Das 26 talhas da Adega do Mestre Daniel, a mais antiga data de 1845. Todas foram revestidas, no interior, com pez, substância feita a partir da resina de pinheiro, mel e azeite. A receita é de José Miguel, de Tomar, que aprendeu este processo artesanal com o pai.
As uvas são prensadas com cerca de dez por cento do engaço. Uma parte é colhida nas parcelas de vinhas de sequeiro da família, plantadas pelo Mestre Daniel, e que, hoje, pertencem a Genoveva Santos, mãe de Daniel e Alda Parreira, e ao tio de ambos, e não só. Outra parte é comprada. Todas têm castas típicas da região alentejana, como a Diagalves, a Manteúdo, a Perrum, a Antão Vaz ou a Reoupeiro, nas brancas; a Tinta Grossa, a Aragonês, a Trincadeira, nas tintas.
O vinho Mestre Daniel – Talha X, por exemplo, é elaborado com as uvas vindimadas na vinha, de 45 anos, de Genoveva Santos, enquanto Mestre Daniel – Talha XV é feito a partir das uvas provenientes da vinha, com meio século, do tio de Daniel e Alda Parreira.
“Os lotes vêm feitos na vinha”, explica Ricardo Santos, que se auto-intitula de adegueiro. “O meu pai é que é o enólogo, aqui”, ou não fosse João Santos quem mexesse as massas, nas talhas, duas vezes por dia, com o auxílio do rodo, de acordo com a sua justificação. A fermentação dura entre duas a três semanas.
Segundo a tradição, as talhas abrem-se a 11 de Novembro. “No Dia de São Martinho, as adegas enchem!” E os hábitos permanecem: “cada um traz comida e a navalha, uma ferramenta muito importante [para cortar o pão, os queijos e os enchidos], come e bebe.”
O batoque, a rolha de cortiça colocada no buraco da talha, é retirado nesta data, já com a pia em barro em baixo, para onde jorra o vinho. Com um pequeno pau, Daniel Parreira empurra as massas, que impedem a passagem do líquido.
Quando está tudo feição, utiliza o maço e, com o rigor de um mestre, introduzi uma pequena mangueira, por onde escorre o vinha da talha. Leva-se o jarro à pia e prova-se o vinho!
Também há tarecos na Adega do Mestre Daniel. São talhas em barro, mas mais pequenas, que os habitantes de Vila Alva habitualmente tinham – e continuam a ter – em casa, para produzir o seu próprio vinho.
O nome Tareco faz parte do portefólio vínico do projecto XXVI Talhas. A primeira edição é de 2018 e, tal como a de 2019, não teve direito a certificação por parte da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana. Em contrapartida, a colheita de 2020 – branco, tinto e palhete – contam com a Denominação de Origem Alentejo.
A quem quiser experimentar estas vivências, em Vila Alva, Daniel Parreira e Ricardo Santos contam toda a história sobre a Adega do Mestre Daniel, onde as paredes brancas realçam os tons terra das talhas e a simplicidade de cada gesto se funde com os sabores do Alentejo, desde os queijos e os enchidos, o pão e as azeitonas, ao vinho de talha e ao tradicional cozido alentejano (€25).
Se imperar a vontade de melhor conhecer a terra, ambos acompanham numa visita guiada, pelas vinhas e pelas gentes, até ao miradouro, sempre em ambiente festivo (€55), com os costumes enaltecidos por quem respeita um património em constante recuperação. É ir!
Brindemos!