Juntou-se vinho, pão, azeite, queijo, enchidos, picantes, arroz. Reuniram-se amigos e pequenos produtores, e puseram-se em prática dois workshops na propriedade alentejana deste produtor de vinhos e não só.
Joaquim Arnaud abriu, no passado dia 1 de dezembro, as portas da sua casa, em Pavia, para receber os seus amigos e quem mais quis provar vinho, azeite, enchidos, queijos entre outros produtos
“Há uns anos”, Joaquim Arnaud, o (re)conhecido produtor de vinhos dedicado à terra, onde o montado, o olival, o cultivo de cereais e a criação de gado preenchem o seu dia a dia, realizou um evento com dez chefs. Cada um cozinhou uma parte de um Barrosão, raça bovina originária do planalto do Barroso, localizado entre Montalegre e Boticas, festa que serviu para casar com a dádiva de Baco. Desta vez, desafiou, em finais de Setembro, dois dos seus muitos amigos, a realizar um evento a 1 de Dezembro.
A este deu o nome de Joaquim Arnaud & Friends, em homenagem à antiga loja que a família teve, em tempos, em Cascais. O objectivo foi “reativar o nome e replicar em Pavia”, bem como dinamizar esta freguesia do concelho de Mora. Para o efeito, o anfitrião abriu as portas da sua casa de família, história documentada que nos leva a viajar ao início do século XVII.
Luís Gradissímo, responsável da Enóphilo e organizador de eventos ligados, sobretudo, ao vinho, foi um desses amigos, a quem ficou atribuída a tarefa de organizar a primeira edição do Joaquim Arnaud & Friends. “Foi uma produção à Enóphilo, mas adaptada à realidade Joaquim Arnaud”, explica. Fazer o evento no exterior foi posto logo de parte, porque “a probabilidade de chuva seria o mais certo”. Mas São Pedro deu a volta e brindou com sol o primeiro dia do último mês de cada ano, neste caso, de 2022. “Este é o dia do Joaquim e dos amigos produtores”, continua Luís Gradissímo, para quem Joaquim Arnaud “tem um dom natural para se relacionar com as pessoas”.
O certo é que a quinta encheu-se de gente ávida de conhecimento em relação a cada produto. “Estão ali presentes os próprios produtores”, realça Luís Gradíssimo e todos foram convidados por Joaquim Arnaud – onze de vinho, dois de azeite, um de queijos, um de picantes e um de arroz, além dos padeiros da padaria local. Quando perguntamos a Joaquim Arnaud o que fez para, em um mês, reunir tantas pessoas, afirma: “Foi a coisa mais fácil do mundo! São aquelas pessoas com quem falamos todas as semanas.”
A adega encheu-se de gente, que quis conhecer vinhos, que desafiaram os presentes a fazer uma viagem pelo país
De cabeça, nomeou cada um numa assentada. Da Região Demarcadas dos Vinhos Verdes foram Paulo Ramos, da Quinta de Paços, situada em Santa Eulália, Barcelos, na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, com mais de 400 anos de história e um vinhedo com cerca de 200 hectares; o projecto vitivinícola 1000 Curvas, de Rodrigo Soares, actual proprietário, que conta com o apoio do enólogo Pedro Mota, na sua Quinta da Castanheira, localizada em Baião; e Pedro Andresen Guimarães, que tem nas suas Vinhas de Cypriano, em Ponte da Barca, uma das mais belas histórias, desta feita, de um antepassado seu – Cypriano Joseph Rocha –, que, no século XVIII, escrevia, a partir do Brasil, cartas à sua mulher, para saber como estavam as suas vinhas, daí esta homenagem, com dois vinhos, um tinto, feito a partir da casta Sousão, e um branco de curtimenta, elaborado a partir de Loureiro, duas variedades de uva típicas da região. A vinha, de 6,5 hectares “vai até ao Rio Lima”, conta Pedro Andresen Guimarães. O mesmo quadro idílico é partilhado pelo vista dos seis quartos da propriedade, onde “tudo é feito em família”.
Os vinhos à prova num dos workshops realizados neste evento
A viagem prossegue rumo ao Douro. Filipe Leonardo, cuja família comprou, em 1998, “todas as partes” da Quinta do Todão, “unificando, assim, toda a Quinta do Todão num ramo só familiar”, foi outro dos produtores de vinhos que marcou presença no evento. Os reserva tinto desta propriedade localizada em Gouvinhas, no concelho de Sabrosa, sub-região do Cima Corgo, são vinificados sob a supervisão de Manuel Lobo, enólogo da vizinha Quinta do Crasto, e os restantes feitos sob a batuta de Jean-Hugues Gros (Vinhos Odisseia).
Pimentel Pereira Wines, que, segundo Joaquim Arnaud “está a trabalhar comigo em vários projectos”, com “vinhos novos na região de Lisboa” e a dar o apoio necessário na feitura dos vinhos em Pavia, tem o Dão como epicentro da sua produção. João de Gouveia Osório também esteve com os seus vinhos do Dão, bem como de Távora-Varosa e Lafões, e Henrique Cizeron deu a conhecer a sua produção, um roteiro vínico com paragens na Região Demarcada dos Vinhos Verdes e no Douro, a somar ao desvio feito na Nova Zelândia.
António Maria Cannas levou colheitas produzidas a partir de castas vindimadas na sua Quinta das Carrafouchas, em Santo Antão do Tojal
A região dos Vinhos de Lisboa estive representada pela centenária Quinta das Carrafouchas. Situada em Santo Antão do Tojal, freguesia de Loures, foi representada pelo seu produtor de vinhos, António Maria Cannas, defensor da Arinto – casta-rainha da Região Demarcada de Bucelas –, mas também das suas castas tintas. Estas “dão corpo” ao seu Çaloyo, vinho feito em homenagem aos ovinos de raça Saloia, que está a recuperar, por forma a evitar a sua extinção.
De Cabeção, freguesia do concelho de Mora, houve vinho de talha, algumas das quais com cerca de 400 anos, dos Vinhos Cananó, fiéis à designação “vinho forte”, associada ao seu grau alcoólico, que, de acordo com a cartilha, tem de ultrapassar os 14 °.
A Quinta dos Plátanos, na região dos Vinhos de Lisboa, é a propriedade vitivinícola de Luísa Menezes e de seus irmãos
Da Quinta dos Plátanos, situada na Aldeia Galega da Merceana, no concelho de Alenquer, estiveram à prova várias colheitas. Pertencente a Luísa de Manezes, mulher de Joaquim Arnaud e aos seus irmãos, esta histórica propriedade vitivinícola está inserida na região dos Vinhos de Lisboa. Como não poderia deixar de ser, Joaquim Arnaud mostrou o seu eclético portefólio vínico composto por referências produzidas em várias regiões vitivinícolas do país, como Lisboa, Bairrada, Vinhos Verdes ou Península de Setúbal.
MarchaLégua é um projecto que chegou de terras algarvias
Sigamos até terras algarvias, com o projecto vitivíncola representado por Aníbal Neto, que, com o seu irmão Michael Neto, criaram o MarchaLégua, apostado na vinificação de castas antigas, bem como em vinhas velhas, localizadas entre Lagos e Tavira.
O roteiro fez-se até ao exterior, onde o forno a lenha foi acesso atempadamente, para cozer a massa. O pão, de tão cobiçado que foi, cedo desapareceu. Quem conseguiu chegar a tempo, pode experimentar logo como ficava com os queijos “O Castiço”, de ovelha e cabra, de Diogo Amaro, pastor na Serra de Montejunto, na Região Oeste, e queijeiro.
Francisco Pavão, figura maior no que ao azeite diz respeito, esteve presente no Joaquim Arnaud & Friends
A companhia foi igualmente válida para os Azeites Casa Anadia, de Alferrarede, no Ribatejo, e o da Casa Santo Amaro, de Francisco Pavão, doto conhecedor de tão precioso líquido extraído – de preferência, a frio – da azeitona. Somaram-se os enchidos de Joaquim Arnaud, com particular destaque para o presunto de vaca, cujo processo de cura é feito em Espanha. Quanto ao arroz, da Ourivárzea fundada em 1997, na lezíria ribatejana, a prova teve de ser feita em casa.
Os mais corajosos, foram conquistados pelos piri-piri e molhos picantes da Stopover 520, de João Rodrigues e Inês Duarte. O casal dá primazia aos produtos de Montemor-o-Novo, como a cebola-roxa, e à malagueta, produzida em modo biológico na propriedade de ambos, na feitura destes produtos, além de whiskey, o único ingrediente proveniente de fora de portas.
Os dois workshops deram a conhecer vinhos dos pequenos produtores ali presentes
Paralelamente à mostra de vinhos e outros produtos, houve dois momentos importantes, já que deram a conhecer vinhos dos produtores ali presentes. O primeiro workshop, conduzido por Carlos Janeiro, conhecido pelo seu blogue “Comer. Beber. Lazer”, contou com alguns vinhos de produtores presentes neste Joaquim Arnaud & Friends.
Cada um “foi usado como ponto de partida para a apresentação de cada produtor”, com a finalidade de “provar vinhos diferentes”, explica Carlos Janeiro. No fundo, este evento teve como objectivo mostrar vinhos “que fossem representativos de uma linha diferente do que vemos habitualmente em Portugal”. A expectativa foi alcançada, pois “havia a ideia de que iriam provar coisas diferentes” e o objectivo de “valorizar estes pequenos produtores” também.
Já Luís Gradíssimo escolheu vinhos imprevisíveis, para fazer a harmonização com quatro enchidos de Mora – um chouriço de sangue, uma farinheira e duas chouriças de carne. A sessão de trabalho revelou-se “muito interessante”. Só para levantar o véu, este enófilo escolheu um Vinho do Porto Tawnie para provar com farinheira, “para quebrar barreiras”, como bem disse, “sem fundamentalismos”.
Fundamentalismos à parte, foi com muita vontade de conhecer, provar e partilhar, que em 1 de Dezembro de 2022 se fez a festa em Pavia!