Brilhante ou a recriação da identidade gastronómica lisboeta da década de 1970

As receitas clássicas e intemporais são valorizadas neste restaurante intimista, localizado a dois passos do Cais do Sodré, em Lisboa, onde a cozinha francesa e da capital de outros tempos é notável e os produtos da época estão em voga na ementa Primavera/Verão.

Os tons carmim e vermelho-vivo conferem uma atmosfera intimista ao Restaurante Brilhante


À entrada, o bar do Restaurante Brilhante ostenta uma enorme coleção de garrafas de uísque. Entre escoceses, irlandeses, norte-americanos, japoneses, franceses, mexicanos e até de Taiwan, há mais de 60 referências desta bebida destilada em carta própria. Para além de outras sugestões, como aguardentes e os clássicos do circuito dos coktails.


A cozinha, instalada no centro da sala, é o palco do chef Luís Gaspar e da sua equipa


A sala, decorada em tons carmim e vermelho-vivo candeeiros, tem, ao centro, um enorme balcão clássico, em madeira escura a combinar com os candeeiros, que nos levam a viajar aos anos 1970. Esta década comunga com a época áurea de uma cozinha com grande influência francesa. 


Vieiras, puré de pastinaca e emulsão de erva príncipe para abrir as hostilidades à mesa


“É um projecto que está pensado desde 2019 e não foi a pandemia que nos fez desviar. Aliás, a pandemia deu-nos a maturidade para fazer melhor. Em termos de estrutura esta isto, mas em relação à carta deu-nos tempo para reflectir, planificar, testar, provar”, revela Luís Gaspar, o chef de cozinha deste restaurante e recentemente distinguido pela Academia Internacional de Gastronomia, com o Prémio Chef de L’Avenir.


O robalo, espargos e beurre blanc de Champagne é servido com um viciante risotto de espargos


A inspiração remonta à década de 1970, época em que a influência da cozinha francesa estava em alta, a par com as tabernas, onde imperava a cozinha popular. “Na realidade, estamos a valorizar receitas clássicas e intemporais, que foram caindo em desuso”, afirma Luís Gaspar. São recriações, que se querem trazer de volta para o Brilhante, “um restaurante intimista, romântico. Ao jantar tem um ambiente mais boémio, por causa do efeito da iluminação”, descreve.


O já célebre bife à Brilhante, inspirado no bife à Marrare, é o clássico do restaurante


O bife à Brilhante é o início de toda esta história. “A valorização de uma receita, trazida por António Marrare, um cozinheiro, que no final do século XVIII se fixou em Lisboa”, esclarece Luís Gaspar. A narrativa desta famosa figura da restauração lisboeta começa na copa, mas foi na cozinha que ganhou destaque. O sucesso valeu-lhe a aberta dos seus próprios espaços de restauração. “Chegou a abrir quatro em Lisboa, sendo que um deles ficava aqui bem perto, na Rua dos Remolares. Nós recuperámos a parte histórica [da gastronomia lisboeta], que é o bife à Marrare” e deram-lhe a volta. Isto é, “quisemos fazer a nossa interpretação, que, na realidade, fez evoluir o prato ou o produto. Trabalhamos com carne portuguesa. O molho, em vez de ser à base de manteiga e natas, leva caldo de carne, tomilho e Vinho Madeira”, porque não é tão adocicado quanto os demais vinhos generosos – à excepção do Vinho de Carcavelos. “Ao reduzir fica mais gastronómico”, declara o chef.

A história também pode ser contada por Virgílio Nogueiro Gomes. O reconhecido gastrónomo transmontano, a residir em Lisboa, é uma das “enciclopédias gastronómicas” que Luís Gaspar faz questão de ouvir. “Consulto sempre por uma questão de segurança, de cortesia, de admiração, seja por causa da cozinha portuguesa ou não. Basta enviar-lhe um WhatsApp e ele responde em pouco tempo! Depois há referências bibliográficas, como Auguste Escoffier, Paul Bocuse, Alan Ducasse”, enumera.


O pão de brioche caramelizado, recheado com puré de abacate, lima e molho cocktail fumado, e as batatas fritas fazem companhia ao lobster roll


Mas se falarmos de tendências, o Brilhante ruma contra a maré da actualidade. A procura por produtos nobres, como o lavagante, o foie gras, e a trufa, sem esquecer os molhos saborosos, as sobremesas opulentas. “Este conceito vai completamente contra aquilo que é a tendência”, os ingredientes de qualidade e a “optimização dos recursos”, designação do chef para a questão da sustentabilidade, são levados a sério na cozinha do Restaurante Brilhante. A sazonalidade tem igualmente peso na cozinha do Brilhante, daí que, agora, esteja em cena a ementa de Primavera e Verão.


Lobster roll é feito com lavagante nacional


A curta ementa, perfeita para indecisos, comprova essa preocupação. Luís Gaspar refere o lavagante, usado no lobster roll e no arroz de lavagante, como exemplo relativamente ao aproveitamento de cada produto. Ou o robalo, cuja parte gorda é usada no prato homónimo. “Tudo o que é aparas e do rabo servem para fazer um tártaro de robalo com uma emulsão de coco, gengibre e erva-príncipe.”

O mesmo acontece com os escalopes de foie gras, do qual aproveitam as aparas para usarem no phitivier com foie gras e jus de Vinho do Porto. Sobre este prato, um clássico da cozinha francesa “com várias derivações”, o chef esclarece que “o princípio é igual ao do bife Wellington em que a carne é envolvida por uma fina folha de crepe, para absorver a humidade e esta não passar para a massa”. Assim fica assegurado “o equilíbrio entre a cremosidade da Phitivier e a percentagem da humidade, de modo a não afectar a cozedura da massa”. À mesa prossegue o serviço, que confere a cortesia deste clássico restaurante.

Soufflé de avelãs de Piemonte e chocolate, e crème brûlée, com gelado de natas, para terminar


Apesar do Outono e Inverno estarem a uma distância considerável no tempo, Luís Gaspar, natural de Leiria e já com dez anos de Plateform no currículo (Cais da Pedra, Henrique Sá Pessoa no Mercado, Sala de Corte, Pica Pau e Brilhante), pensa na possibilidade de integrar pratos de caça na ementa. Até lá, o melhor é experimentar esta viagem gastronómica a um passado áureo da gastronomia. Depois, pode fechar a refeição com a parte de morango e ruibarbo ou o mil-folhas de baunilha e caramelo, ou deliciar-se com a selecção de queijos do Brilhante.

Bom apetite!


Restaurante Brilhante
© Fotografia: João Pedro Rato

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