Dos generosos secos aos melosos doces naturais há um Xerez para todos os gostos e ocasiões.
O histórico vinho Xerez é produzido há mais de 3000 anos, no sul da Andaluzia, no designado Marco de Xerez. É o resultado natural da passagem de diversos povos que se instalaram na Península Ibérica, em particular nesta região, e que foram cultivando a vinha e produzindo vinho, cada um à sua maneira. Distribuído pelo Mediterrâneo por Fenícios, Romanos, Gregos e Cartagineses, desde as suas origens, o vinho Xerez adquire uma das suas características mais importantes que marcou a sua identidade ao longo dos séculos: a de ser um “vinho viajante”.
A descoberta da América marcou a conquista de novos mercados e um forte crescimento das vendas de vinho de Xerez. A proximidade de Sevilha, cidade centro das descobertas espanholas, transformou os pequenos negócios familiares da região numa indústria vitivinícola, à qual se juntaram numerosos investidores e comerciantes. Na época os britânicos eram dos maiores compradores das colheitas de vinho Xerez.
As grandes transformações do século XVIII
O século XVIII é uma época marcada por alterações dos padrões de consumo que levaram a difíceis relações entre produtores, a maioria viticultores, e comerciantes. Os primeiros, marcadamente conservadores e protegidos por privilégios de produtores locais, queriam continuar a produzir vinhos frescos, mais claros e leves ou mal envelhecidos, que necessitavam de ser fortificados para evitar que se deteriorassem durante as longas viagens. Os comerciantes, mais atentos às mudanças do mercado procuravam vinhos mais fortes, mais escuros e mais envelhecidos. A pressão dos negociantes e as tendências liberalistas levaram à extinção das instituições protecionistas, dando origem a uma das maiores revoluções na indústria do vinho Xerez: a criação do famoso mecanismo de envelhecimento permanente constituído pelascriadeiras (linhas de cima) e pela solera (linha junto ao chão).
Com o prolongamento do tempo de estágio do vinho em barricas, a prática da fortificação deixou de ser apenas um meio de estabilização dos vinhos mais frágeis, para se tornar uma prática enológica, através da qual o enólogo decidia a tipologia de vinho que queria produzir. A adição de aguardente vínica em diferentes proporções deu origem à ampla tipologia de vinhos Xerez que hoje conhecemos.
Este processo foi uma etapa crucial para a formação da identidade dos vinhos Xerez que hoje conhecemos e contribuiu para um grande impulso de produção de qualidade e vendas.
Do século XX à atualidade
No final do século XIX surgiu a epidemia de filoxera, que dizimou vinhas por todo o mundo. Xerez não foi excepção. No entanto, a chegada tardia do inseto à região levou a que a recuperação das vinhas no Marco de Xerez fosse relativamente rápida, uma vez que já se conhecia a solução para o problema. Mas logo a seguir outro desafio se cruza nesta longa caminhada do vinho Xerez: a proliferação de vinhos “estilo Xerez” chamados de xerez australiano, xerez sul-africano ou xerez canadiense.
A resposta foi a criação de um sistema jurídico de defesa chamado Denominação de Origem, à semelhança do que o Marquês de Pombal já tinha feito em 1756, para proteger a qualidade do Vinho do Porto. O primeiro Regulamento da Denominação de Origem Xerez e do seu Conselho Regulador foi publicado em janeiro de 1935.
Atualmente, existem duas Denominações de Origem para proteger legalmente os vinhos produzidos na região de Xerez. De acordo com processos tradicionais e cumprindo as condições específicas, há as denominações de origem “Jerez-Xérès-Sherry” e “Manzanilla – Sanlúcar de Barrameda”. A estas duas Denominações de Origem, juntaram-se, em 1989, a Denominação de Origem “Brandy de Xerez” e, em 1994, o “Vinagre de Xerez” da região de Xerez.
Da vinha à mesa
Implantado entre os rios Guadalquivir e Guadalete, na província de Cádiz, o Marco de Xerez é fortemente marcado pelas escaldantes terras do sul da Andaluzia. É aqui que se situa o triângulo de Xerez constituído pelas cidades de Jerez de la Frontera, El Puerto de Santa María e Sanlúcar de Barrameda. A estas juntam-se outras seis: Chiclana de la Frontera, Chipiona, Puerto Real, Rota, Trebujena e Lebrija. Esta última pertencente à província de Sevilha.
As vinhas plantadas em solos calcários, que absorvem bem a água das raras, mas torrenciais chuvas, vão sobrevivendo aos mais de 300 dias de sol por ano, pontilhados pelo quente e seco Levante atenuado pelo vento fresco do Atlântico. As uvas, exclusivamente brancas, das castas Palomino Fino, Pedro Ximénez e Moscatel são o ingrediente perfeito para a criação do vinho Xerez.
A diversidade do vinho Xerez
Dos generosos secos aos melosos doces naturais há um Xerez para todos os gostos e ocasiões. O vinho Xerez pode organizar-se em três grupos: Vinhos Generosos, Vinhos Generosos de Licor e Vinhos Doces Naturais.
Os Vinhos Generosos Xerez são caracterizados pela sua forte secura, têm no máximo cinco gramas de açúcar residual por litro (5 gr/l), e não são os mais consensuais. É preciso gostar bastante para apreciar. O processo de produção inclui uma fermentação completa dos mostos, principalmente de uvas da casta Palomino. No final desta aparece o véu de leveduras, a chamada “flor” do vinho base que o protege do contacto com o oxigénio e, desta forma, impede uma forte oxidação. O grau alcoólico está entre os 15 º ou mais de 17 º, fator determinante para o tipo de envelhecimento a que o vinho será posteriormente submetido. Este processo dá origem aos diferentes tipos de Vinho Generoso Xerez: Manzanilla, Fino, Amontillado, Palo Cortado e Oloroso. A coloração pode variar entre a palha clara e o mogno profundo, dependendo do processo de envelhecimento de cada um.
Os Vinhos Generosos de Licor são o resultado da mistura de Vinhos Generosos com Vinhos Doces Naturais. A coloração pode variar da palha clara ao mogno escuro, dependendo do processo de envelhecimento. Sem o típico amargo, dependendo da quantidade de açúcar e da base utilizada estes vinhos dividem-se em:
Creme Pálido para os apreciadores de vinhos que envelhecem organicamente mas são doces e suaves. Se tiverem menos de 45 gr/l de açúcar é Pálido Seco
Médio, vinho equilibrado que agrada a um leque bastante amplo de consumidores. A quantidade de açúcar varia entre cinco e 115 gr/l, é Médio Seco, caso tenha menos de 45 gr/l, ou Médio Doce se tiver mais;
Creme, um vinho aveludado e com muito corpo, geralmente feito com uma base de Oloroso e adoçado com Pedro Ximenez. A quantidade de açúcar varia entre 115 e 145 gr/l.
Por fim, mas não menos importantes, temos os monovarietais Vinhos Doces Naturais que se dividem entre o perfumado e sedoso Moscatel e o intenso e guloso Pedro Ximénez. Com mais de 212 gr/l de açúcar, Pedro Ximénez é, provavelmente, o vinho mais doce do mundo, só atenuado pela acidez. É uma sobremesa em si mesmo. O processo de envelhecimento, baseado no contacto direto com o oxigénio, dá-lhe uma cor mogno escuro.
Cada presunto tem várias zonas com sabores, texturas e características distintas. E cada uma delas encaixa com o seu vinho de Xerez. Sugestão de prova: o “maza” que tem mais marmoreio e humidade é perfeito com um bom Fino; a “contramaza” e a “babilla” são um pouco mais secas e magras, são ideais para acompanhar um Fino-Amontillado; o “codillo” (ou “jarrete”) é mais doce, mais aromático e o corte preferido dos apreciadores, perfeito para acompanhar um jovem Amontillado ou Palo Cortado; e a “punta” é ainda mais húmida que a maza e deve acompanhar com Manzanilla Pasada.
© Fotografia João Pedro Rato
Dada a grande diversidade do Vinho Xerez são inúmeras as combinações que se podem fazer à mesa. No que toca aos Vinhos Generosos Xerez, peixes, mariscos e saladas vão bem com Manazanilla e Fino; presunto e enchidos com Manazanilla, Fino, Amontillado e Oloroso. O Amontillado, talvez o mais abrangente, acompanha ainda sopas e consomés, carnes brancas, peixes azuis (atum), cogumelos selvagens, pratos especiados ou de caça e queijos semi curados.
Os Xerez Generosos de Licor estão bem para o foie-gras, gelados, cítricos e pastelaria. Para os Doces Naturais reserve um bom queijo azul ou um chocolate negro.
Agora que já temos uma breve introdução ao Vinho de Xerez, há que partir à descoberta in loco, para conhecer a região, o povo, a paisagem e as monumentais adegas, que mais parecem catedrais de veneração.
Até breve.