A nova era da Alves de Sousa começou em 1992. Contou-se com o enólogo Anselmo Mendes e a sabedoria de demais ilustres do mundo vitivinícola, e não só. Hoje, tem a seu lado os filhos, com destaque para Tiago e Patrícia Alves de Sousa. Sem esquecer a mulher. Juntos, todos brindam às três décadas desta casa no Douro.
Nascido em março de 1949, Domingos Alves de Sousa regressa, no início da década de 1990, a terras durienses, berço e casa de família dedicada à feitura de Vinho do Porto. Dar continuidade a esta tradição era o objectivo, mas o representante da quarta geração deste negócio quis ir mais longe. Frequentou cursos de viticultura, enologia e marketing de vendas, e fez-se rodear de especialistas nas áreas que queria desenvolver dentro da empresa. Estavam reunidas, assim, as condições para tornar-se um dos pioneiros do virar da página da história da Região Demarcada do Douro protagonizada pela produção de vinhos DOC (Denominação de Origem Controlada) Douro.
Em que ano decidiu “pôr mãos à obra” no negócio de vinhos da família?
De certa maneira, o início não foi logo pelo engarrafamento dos vinhos, que, aliás, não existia praticamente na região do Douro, mas sim pela gestão e acompanhamento das vinhas. A nossa característica principal e de outros produtores era precisamente vinificar para outras firmas do Douro. A aquisição de uma propriedade junto da Quinta da Gaivosa (esta é uma das quintas da família, com a qual fiquei por herança), a Quinta Vale da Raposa, fez com que eu regressasse ao Douro. Neste regresso à terra onde nasci e vivi, não me esgotei a fazer o que já se fazia. Recuar a este ponto não são 30 anos, mas sim 50. O nosso primeiro vinho é de 1991 e foi um branco, um Quinta Vale da Raposa. Em 1992 começámos a fazer as coisas mais a sério. Fizemos dois tintos de 1992, um Quinta da Gaivosa e um Quinta Vale da Raposa, e também um branco.
Frequentou cursos de viticultura e enologia. Viajou por regiões vitivinícolas francesas. Como era o mundo do vinho em Portugal naquela época?
Quando regressei ao Douro, fui fazer formação. Fiz cursos de viticultura e enologia na Universidade de Trás-os-Montes (UTAD) no princípio dos anos 1990’, o que me permitiu conhecer um pouco o que se fazia pelo mundo. A partir daí comecei a fazer visitas de estudo, principalmente na região da Bordéus. Logo aí pensei arrancar com um projecto de qualidade. A minha vantagem foi pensar que não era um enólogo. Não tenho a ideia que tem a maior parte dos portugueses que é saber de tudo um pouco, e tal qual quando sabemos de tudo um pouco, nunca sabemos muito de nada, daí ter reunido uma equipa profissional. Um bom enólogo, Anselmo Mendes. Vi muitas qualidades nele. Outra pessoa que colaborou muito comigo neste lançamento era professor assistente na UTAD, que em relação a Bordéus, foi muito importante, porque deu-me uma noção do que se fazia em França. Durante dois anos, fez parte da equipa. Trata-se do engenheiro Jorge Dias, que, hoje, está à frente da Granvinhos [conhecida como Gran Cruz até 1 de Janeiro de 2023], a quem reconheci muita qualidade e uma exigência superior. Pôr a fasquia alta foi o mais importante para mim. Mais tarde, para complementar os meus conhecimentos, fiz um mini-curso de Marketing de Vendas, na Universidade Católica do Porto. Participar com os primeiros vinhos que fizémos numa feira luso-espanhola que aconteceu em Vila Real foi outro passo. Na altura, havia 22 stands, dos quais 21 eram brancos e um era preto. Calhámos com o preto, porque eu selecionei o preto. O arquiteto que desenhou o stand em preto foi o mesmo que, passado umas dezenas anos, desenhou a adega, o arquiteto Belém Lima.
Reuniu o arquiteto Elísio Neves e o cronista António Manuel Pires Cabral para, respectivamente, elaborar o design e redigir os textos dos vinhos. Quis rodear-se sempre dos melhores?
Elísio Neves foi meu colega de liceu. Quando estávamos na Junta de Turismo da Serra de Marão ele fazia as brochuras. Um trabalho interessante! Quando ia às feiras, sentia-me mais apetrechado do que a maior parte das empresas. E o António Pires Cabral, para redigir os textos. Ora era importante para mim ter, em cada área, um profissional com valor. Foi um investimento bem feito. É a tal questão de que, quando não sabendo tudo, nos rodeamos de pessoas que nos puxam para cima.
O papel de Anselmo Mendes, ainda um ilustre desconhecido, foi preponderante durante a primeira fase da Alves de Sousa, ou seja, entre 1992 e 2012.
Na altura, o Anselmo trabalhava na Borges & Irmãos e, na juventude dele, eu senti que ele podia dinamizar o nosso projecto. Mostrou-se entusiasmado. Nós puxávamos por ele e ele puxava por nós! Tivémos um procedimento juntos.
Como era o mundo do vinho em Portugal nessa época e, mais concretamente, no Douro?
Havia a rotina de enviar as uvas para as casas exportadoras de Vinho do Porto. Não havia praticamente nada, porque o Vinho do Porto era suficiente. Se era bom, permitia que a região “vivesse”, mas estava estagnado. Portanto, foi entusiasmante contribuir para o nascimento de uma nova Denominação de Origem, o DOC Douro. Logo aí, avançámos para a exportação. O tal stand preto foi visitado por vários importadores e eu passei a exportar para três ou quatro países. Holanda, Inglaterra e Bélgica eram os principais.
A passagem inevitável da enologia, em 2013 (há dez anos) para as mãos Tiago Alves de Sousa devolve a tradição familiar à empresa.
Por vontade própria, o Tiago resolveu ir para a UTAD, para tirar o curso de enologia e, mais tarde, fez o doutoramento – hoje é professor lá. Passou, desde logo, a trabalhar connosco. Como tudo na vida, há um crescimento e, ao fim de uns tempos, o Tiago assumiu a enologia dos vinhos da família, aí a tempo inteiro. É uma paixão dele!
O que mudou desde esses tempos até hoje, ou seja, entre 2013 a 2023, na casa Alves de Sousa?
O lançamento de novos vinhos, de novos conceitos. Não ficámos parados no que já tínhamos feito. Dou como exemplo o caso de Memórias, uma iniciativa do Tiago. O Abandonado, cujo primeiro ainda foi com o Anselmo, mas o Tiago tem feito muito bem. É uma paixão muito grande do Tiago! Entre outros projectos, como o engarrafamento do Vinho do Porto. O Tiago adora Vinho do Porto, tem uma sensibilidade muito grande na prova, daí que este Memórias tenha sido inspirado nos Portos Tawnies. É um vinho mais difícil de se fazer. Nós estamos a crescer, mas no Vinho do Porto estamos a crescer muito mais. Actualmente tem um peso bastante interessante.
Abandonado, Vinha de Loredo, Reserva Pessoal, Berço, Memórias traduzem-se numa coleção de vinhos icónicos. Quais os requisitos para a produção de cada um? O que os torna tão especiais?
Em anos especiais e normalmente produzidos em edições limitadas. Por exemplo, o Reserva Pessoal branco é um vinho que nós submetemos a estágio tal qual o tinto e só sai sete anos após a vindima. Todo o processo é especial e é um vinho que nos tem dado muita alegria.
Em janeiro de 2013, ou seja, há dez anos, é Patrícia Alves de Sousa, sua filha, quem assume a função de Directora Financeira.
A minha mulher e eu começámos a trabalhar juntos. Fomos adquirindo parcelas e quintas, e fomos investindo. A minha filha é farmacêutica e também se deslocou do Porto para o Douro, para fazer parte da equipa. Além da parte financeira, faz muito a promoção internacional. Muitas das viagens são feitas, hoje, pela Patrícia.
Há ainda os seus filhos Andreia e João Alves de Sousa, que ingressam mais tarde nesta equipa, para assumir, respectivamente, os cargos de responsáveis de marketing e design. Como se consegue gerir um negócio com o coração?
Acima de tudo, é importante estarmos em família! O mais importante é todos rumarem para o mesmo lado e acreditarem no projecto, que também é deles. É um bocado diferente quando estamos a trabalhar para outros, mas também tem vantagens e inconvenientes. Eu vejo mais as vantagens. Espero que continuemos a trabalhar em conjunto em novos projecto e que venham as novas gerações, para nos acompanharem.