Os aromas da cozinha alentejana são o prato forte do Degust’AR Lisboa, o restaurante que conta, na cozinha, com este cozinheiro de mão cheia.
Nasceu em Beja, em 1969. Das avós guarda as memórias dos sabores da cozinha alentejana, com aprimorados temperos doseados pelas mãos da mãe, exímia cozinheira, segundo as suas palavras. Os dotes culinários de casa foram determinantes para António Nobre, que, na Escola Naval acabou por tirar “um curso básico de cozinheiro”. Entre 1990 e 1992, o chef António Nobre teve a oportunidade de “conhecer bons profissionais e de cozinhar em sítios especiais”.
Ao regressar à cidade berço, foi trabalhar para um restaurante. Seguiu-se a abertura da Pousada de São Francisco, na capital do Baixo Alentejo. Mais tarde, a integração na equipa do então Hotel da Cartuxa, o atual M’AR De AR Muralhas, em Évora, e posteriormente no M’AR De AR Aqueduto, localizado na mesma cidade. A vontade de acumular conhecimento foi decisiva na constante formação na área fora de portas, com o Luxemburgo e a Holanda como destinos de aprendizagem.
A troca definitiva de Évora por Lisboa, onde o chef António Nobre vive há nove anos, aconteceu em 2019, aquando da abertura do Degust’AR Lisboa, espaço de restauração discreto e intimista, onde a comida típica alentejana tem lugar de destaque, como as empadas de galinha, a sopa de cação, migas várias, o ensopado de borrego, a cabidela, as açordas. Em Julho e Agosto, o gaspacho é um prato a constar na ementa. Este alinhamento é uma constante ao almoço, confecionado e apresentado com esmero.
Além da cozinha típica alentejana, as alternativas culinárias são complementadas por um menu de degustação. Aqui, os produtos alentejanos, em consonância com outros, são submetidos à influência da cozinha francesa. O resultado confere pratos mais criativos e com garantia de sabor, uma vez que, para o chef António Nobre, “também se pode inovar”.
Como era a gastronomia alentejana na época na viragem da década de 1960 para a de 1970’?
Sempre vivi com a comida alentejana. As minhas avós são as minhas raízes alentejanas. A minha mãe também, que era uma excelente cozinheira. São as minhas grandes referências. A cozinha alentejana é uma cozinha de aproveitamento. Os alentejanos sempre souberam aproveitar tudo o que a Natureza dava e continua a ser assim. Como sabemos, a gastronomia alentejana é variada e riquíssima.
O que mudou nesta área desde então?
Noto que se tenha mais cuidado com a quantidade de gordura com que é feito cada prato. Antigamente cozinhava-se com mais gordura, embora haja pratos, como a cabidela, que, no Alentejo, é feito com galinha – nunca com frango – e se for do campo, melhor. A cabidela “leva” um pouco de banha. Há uma grande diferença entre adicionar só azeite ou juntar um pouco de banha na cabidela. Outra coisa que está a mudar, e que antigamente utilizava-se muito e agora voltou-se a usar, são as ervas aromáticas, mas sem exagerar na quantidade, caso contrário, acaba-se por interferir no sabor dos alimentos. Ao colocar ervas aromáticas na comida, podemos reduzir automaticamente a quantidade de sal. Hoje em dia, os cozinheiros já têm essa preocupação. No caso dos secretos, não há necessidade de introduzir outra gordura, pois basta cozinhar com a gordura dos secretos.
Até que ponto o quilómetro zero é atingível no Alentejo, uma vez que se trata de uma região profícua em produtos alimentares?
É quase. Não acredito no quilómetro zero, mas depende do que se procura. Também depende da estação do ano e do que se gosta de cozinhar. Quem gosta de cozinhar pode inventar muita coisa. Em Lisboa também é fácil, no que toca à questão da sazonalidade. Aqui, trabalho muito com o Mercado 31 de Janeiro, que é próximo daqui, onde encontro produtos vindos directamente do Alentejo. Mas há produtos que tenho de trazer mesmo do Alentejo, como os espargos bravos, que, aqui, são difíceis de encontrar, o poejo – o daqui de Lisboa não tem aroma –, as beldroegas, as silarcas. As carnes vêm do Alentejo, como a Mertolenga e a Montanheira. Os nossos enchidos são também todos do Alentejo, o queijo de ovelha vem das Cachopas [em Évora], mas também tenho aqui o de Serpa e o de Nisa. Como já estou há muitos anos nesta área da cozinha, conheço muitos produtores de lá, que facilitam este trabalho.
O Alentejo também tem mar, mas a maioria das pessoas associa esta região ao interior, com a prevalência das carnes e dos hortícolas.
Cada vez que se vai a congressos, é importante lembrar que o Alentejo também tem litoral, mas estamos muito associados ao interior, daí a variedade de receitas que existem na região. Em aldeias próximas, a confecção do mesmo prato é feita com base em receitas diferentes. Isto acontece, porque, antigamente, quem tinha muito, adicionava mais ingredientes; quem tinha pouco… pouco tinha. Em relação à sopa de cação, por exemplo, em Moura juntam tomate a este prato, mas na zona do Alvito, no distrito de Beja, já não colocam tomate na sopa de cação. O corte do pão, para a açorda, pode ser cortado aos cubos, como fazem em Évora, enquanto em Beja cortam às fatias e, na zona de Moura cortam à mão. Esta [última] é a mais correcta, porque assim o azeite “entra” mais facilmente no pão.
Enquanto chef consultor nos restaurantes do M’AR De AR Aqueduto e do M’AR De Muralhas, e confrade da Confraria Gastronómica do Alentejo, o que acha que se poderia mudar, para melhorar a cozinha alentejana?
Não é possível fazê-lo. Nem nas receitas dos doces conventuais se pode mexer, senão já não são a mesma coisa. Se usamos claras e ou gemas pasteurizadas, por exemplo, não conseguimos fazer aquele doce. A única coisa que devemos melhorar é na redução da gordura. Mantenho a minha linha, que é a mais tradicional, mas também se pode inovar.
Que aspetos melhor definem a comida típica alentejana e podem ser favoráveis à classificação da gastronomia alentejana como Património Mundial da UNESCO?
Antes de mais, há o sabor. Depois, temos produtos simples, com os quais conseguimos fazer coisas maravilhosas. É uma cozinha humilde, honesta, que não precisa de ser manipulada. Basta ter a dose certa dos ingredientes, para fazer cada prato brilhar.
+ Restaurante Degust’AR Lisboa
© Fotografia João Pedro Rato
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