Dupla de saber-fazer na região dos Vinhos de Lisboa

Festival à parte, o evento Vinhos N’ Aldeia abriu as portas a projectos recentes e boas novas do território vitivinícola com o nome da capital do país. Os Vinhos Devaneio e o Casal da Carrasqueira foram apenas uma amostra do que se produz neste território vitivinícola.

Pertencente ao concelho de Alenquer, a Aldeia Galega da Merceana é um museu a céu aberto. Segundo os entendidos da matéria historiográfica, o nome advém da população galega, que por aqui se ficou cerca de 200 anos antes, no século XII. Da história guarda exemplares arquitectónicos, como o Pelourinho, com a inscrição de 1414, ou a Casa das Rainhas, edifício associado à coroa portuguesa, do início do século XIV. 

A Capela do Divino Espírito Santo e a Igreja da Misericórdia aparecem nos registos do século XVI. Sobre esta última, há indicação de que terá passado de templo religioso a adega, em 1989. Já nas nas mãos da Santa Casa da Misericórdia é convertida, em 2007, em Centro Social e Cultural da Aldeia Galega da Merceana, onde, em Junho, por ocasião do Festival Vinho N’ Aldeia, recebeu dois promissores projectos vitivinícolas familiares, que fizeram parte do cartaz deste evento dedicado ao vinho produzido na região dos Vinhos de Lisboa.

Um devaneio de vinhos

Nuno Ferreira, de 34 anos – e 33 de vindimas – foi o primeiro a distribuir os copos com uma das referências dos Vinhos Devaneio, projecto familiar com pequenas vinhas espalhadas por Abrigada, onde ficam as vinhas de casta brancas, e Cabanas de Torres”. Ambas as freguesias de Alenquer estão situadas no sopé da Serra de Montejunto 

As vinhas de castas tintas são do pai, enquanto as de variedade de uva branca foram plantadas por Nuno Ferreira. Entretanto, comprou mais vinhas. No total, são 25,4 hectares. 

Engenheiro de materiais, revelou o potencial do betão – e não cimento, palavra que corrigiu inúmeras vezes, até todos os presentes a proferirem de forma correcta – quando em contacto com o vinho. Por isso, privilegia a fermentação e o estágio dos Vinhos Devaneio em betão. “Não tivemos de ir buscar ovos a França nem túlias a Itália”. Os depósitos feitos a partir deste material estão na adega, onde há outro tipo de depósitos de betão cujo formato se assemelha a barricas. 

A adega, situada em Cabanas do Chão, está instalada no antigo armazém agrícola dos pais, Jorge e Luzia Ferreira, que, em tempos, foram viticultores, mas abandonaram a vinha durante 50 anos, entregando-se ao negócio da horticultura. Agora, estão novamente rendidos ao mundo vitivinícola. 

No portefólio dos Vinhos Devaneio, cuja estreia foi marcada pela colheita de 2016, constam três referências: Devaneio branco feito a partir da casta branca Viosinho; Devaneio branco de curtimenta 2021, feito a partir de Fernão Pires;  e Devaneio tinto 2021, um field blend elaborado com as uvas tintas Alicante Bouschet e Syrah. O próximo Devaneio tinto é da colheita de 2023 e o Syrah é substituído pela Touriga Nacional.

O porquê do nome? “Porque o meu pai sempre disse que este projecto era uma loucura”, esclarece.

A Vital do Casal da Carrasqueira

A cultura da vinha e do vinho estão intrinsecamente ligados a César Gomes – e ao irmão, Pedro Gomes. Engenheiro agrónomo, de formação e profissão, César Gomes integrou, em tempos, a equipa da Fundação Oriente, produtor da Região Demarcada de Colares. Ao mesmo tempo, “mantinha a viticultura ao fim-de-semana e as uvas eram vendidas à Adega Cooperativa da Ventosa, no concelho de Torres Vedras”, explica. 

Entre 2014 e 2019, apostaram forte no aumento de área de vinha, com aquisição e replantação, dando primazia às castas nacionais, com o propósito de “recuperar a tradição familiar”. Na lista das brancas estão Vital, Malvasia, Malvasia de Colares, Moscatel, Arinto, Loureiro, Chardonnay e Petit Verdot; nas tintas cabem a Castelão, a Aragonez e a Syrah.

Entretanto criaram, em 2016, a Sociedade Agrícola Casal da Carrasqueira, o projecto vitivinícola da família, para iniciarem a produção de vinhos. Em 2019, recuperam a adega e os depósitos de betão, para receber as uvas da vindima desse ano, mas só em 2020 estreiam-se no engarrafamento do vinho tinto.

Hoje, este projecto soma 16 hectares de vinha, dos quais 2.000 metros quadrados estão ocupados pelas castas tinta Ramisco e branca Malvasia de Colares, plantadas em chão de areia, na Adraga, Região Demarcada de Colares, além dos oito hectares de vinha plantada em chão rijo, e outros dois em Cabriz, ambos no concelho de Sintra. Em Vilar, freguesia do Cadaval, está a vinha da casta Vital a somar à parcela de vinha velha desta casta branca e à vetusta e rara variedade de uva tinta Cruzado 3. “A maioria das vinhas está em Silveira, Santa Cruz, próximo do mar”, no concelho de Torres Vedras, esclarece César Gomes.

Ao Carrasqueira Moscatel Curtimenta 2020 feito a partir de Moscatel Graúdo, aos Carrasqueira Malvasia 2020 e ao Carrasqueira Vinho Novo tinto 2021, elaborado com as variedade de uva Syrah e Castelão, junta-se o Carrasqueira Vital 2023. Esta casta foi vindimada nas vinhas velha e nova acima referidas e vinificada em inox, a boa nova deste produtor potenciada pelo saber-fazer.

Brindemos!


Vinhos Devaneio
Casal da Carrasqueira
© Fotografia: João Pedro Rato

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