A carta da estação mais quente do ano do Feitoria, o restaurante do lisboeta Altis Belém Hotel & Spa, consiste num roteiro pela costa portuguesa – e não só. Uma viagem com o chef João Rodrigues que, uma vez mais, dita a paixão pela fauna marinha, ao leme da criatividade e da irreverência – no bom sentido, que se note – em absoluta harmonia com a genuinidade dos sabores.
“No fundo, é como se criássemos o nosso próprio itinerário”, comenta João Rodrigues, o chef do Feitoria, com uma vista privilegiada para o Tejo, onde fomos desafiados a provar um menu de degustação preparado pelo chef e pela equipa do restaurante do Altis Belém Hotel & Spa, que fala sobre os feitos dos portugueses pelos mares adentro. Por isso, e “pela localização do hotel – e por uma questão pessoal – prefiro trabalhar o peixe, o marisco e todos os produtos que têm a ver com o mar”.
As boas-vindas cabem ao Vértice Milléssime 2008, um espumante duriense eleito pelo escanção André Figuinha, a fim de acompanhar o amuse bouche e os aperitivos, todos feitos para comer à mão. Iniciamos a viagem no Feitoria com uma ida à Cova da Beira, de onde vem a cereja do Fundão convertida numa terrina de foie gras, cuja forma e a cor simulam tão apetecível fruto; no interior, a avelã finge o caroço (na imagem de entrada). Uma verdadeira surpresa que demarca, desde logo, a criatividade do chef, sem esquecer a comunhão de sabores presentes, com o foie gras na quantidade exata. A criação do chef permanece no menu de degustação “enquanto tivermos cereja do Fundão”.
Da rua, João Rodrigues traz um pão crocante recheado com queijo de Azeitão e lâmina de copita, de aroma intenso e suculenta, e um palito de massa brick com pó de azeitona e copita num canudo de papel de jornal. Uma excelente alusão à versão gourmet da street food, com um toque arrojado, para entreter o palato com sabores genuínos de dentro de portas.
A viagem prossegue, agora, pelo mar, de onde o chef nos apresenta uma salty finger, uma planta aquática convertida num petisco bem português, os peixinhos da horta, que não é mais de que uma tempura (prato clássico da gastronomia japonesa) de frutos do mar num vaso cheio de sementes de papoila, acompanhado por sweet chilli sauce. A combinação agridoce que conquista o palato em segundos.
A falsa casca da ameixeira protagoniza o terceiro aperitivo, feito com crocante de grão de bico com guaca mole e pó de tomate. Sabores complexos que despertam a curiosidade e o palato que continua a dar cartas à mesa do Feitoria.
Das ruas da cidade vêm a rainha das festas sanjoaninas, no pão, para comer à mão como manda a tradição. Falamos da sardinha, claro está, cujo lombo é torricado é apresentado no pão, com uma deleitosa compota de tomate e lardo (espessa camada de gordura de porco curado em sal e especiarias), proveniente de Colonnata, no norte da Toscana, em Itália, o mais famoso nos quatro cantos do mundo. Uma brincadeira a preceito levada a a sério por João Rodrigues.
A seguir entra um Quinta da Bacalhoa branco 2013 para acompanhar a refrescante salada de verão composta por liro curado e defumado, ameixas e pêssego, pepino, beterraba e cebola roxa macerada em vinagre do Douro.
Do Atlântico que banha Portugal, o tataki de barriga de atum protagoniza o prato que se segue, com ingredientes nipónicos – ramen, caldo feito à base de peixe e de carne de porco, com massa japonesa, rabanetes (um vermelho e um rosa) e raíz de wasabi, para refrescar. Uma combinação de sabores bem apetecíveis nos dias de calor e cuja proveniência está associada ao conceito do hotel onde se encontra o restaurante Feitoria, “que é ‘Os portugueses no mundo’”. Dos néctares de Baco, André Fuiguinha elege, casados um Casal de Sta. Maria branco 2012, de Colares, na região de Lisboa, para casar com este prato.
Ainda do mar, o robalo de linha corado faz-se acompanhar por carabineiro, lingueirão, percebes, amêijoas e pepino cozinhado e salteado, com molho à Bulhão Pato. Sabores da nossa costa num prato que dita a estação mais quente do ano numa maridagem com um vinho alentejano: Esporão Private Selection branco 2013.
De Trás-os-Montes chega o leitão bízaro, “cozinhado a baixa temperatura” e, segredos à parte, “depois coramos bem, para ficar com a pele muito estaladiça”, diz João Rodrigues. Comprovamos. Para acompanhar, o chef prepara os produtos da horta provenientes da Quinta do Poial – betrerraba jus de alho preto e uma variação de citrinos, entre os quais se encontra o pomelo, a substituição genial da tradicional rodela de laranja que tanta vez acompanha o leitão da Bairrada. De Baco vem o Quinta da Dôna tinto 2009, um monocasta Baga oriundo da Bairrada, perfeito para casar com o prato.
Antes de terminar o repasto, o chef propõe uma pré-sobremesa: Penna cota de iogurte com variações de manga e macarrons. Uma criação que entra na linha da criatividade e que nos remete para os iogurtes feitos em tempos que nos fazem sentir saudades.
No fim, o sabor resfrescante e sempre tão apetecível do morango sobressai na sobremesa, composta por um falso morango com parfait de lima kaffir (fruto cítrico), um delicioso sorvet de morango, merengue, tortas de manjericão e gotas de vinagre balsâmico (com mais de dez anos). Aqui, André Figuinha sugere o Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos Soares Franco 2014, da José Maria da Fonseca, que traduz uma boa ligação entre o moscatel e os morangos.
Mas a carta do Feitoria não fica por aqui. Além de não permanecer sempre a mesma, pois “vamos fazendo pequenas alterações por causa da fruta e dos legumes da época”, há quatro menus de degustação com que o chef desafia gourmets e gourmands: “Um de três pratos, um de cinco e um menu grande”. A estes acrescenta o criativo, “um menu personalizado”, para o qual é necessária a reserva com 48 horas de antecedência, “para podermos comprar os produtos”, recomenda João Rodrigues. E muitas mais surpresas, sobretudo do mar e no doce final. Para ir e experimentar. •
+ Restaurante Feitoria
© Fotografia: João Pedro Rato