Uma mão cheia de experiências no coração do Alentejo / Herdade da Malhadinha Nova

O silêncio apaziguador é devoto por estes lados. Desde o amanhecer até a terra dar a sua ininterrupta volta sobre si mesma em redor do astro-rei, num tempo em que os ponteiros do relógio servem, apenas, para indicar a hora em que começa cada experiência. Ao ar livre, na cozinha, na adega. Sempre em boa companhia. In vino veritas. Na Herdade da Malhadinha Nova, em Beja, Alentejo.

O lounge junto à piscina convida ao descanso sem limites

Preguiçar é a palavra de ordem para quem aprecia uma pausa tranquila em qualquer altura do ano. A dois, em família. Mais ainda, quando a abertura da época de veraneio se faz acompanhar pela nova piscina aquecida – sem destronar a já existente – da Herdade da Malhadinha Nova, um projeto familiar de Rita, João, Paulo e Margarete Soares, fundado em 1998, com um total de 200 hectares, dos quais 20 foram preenchidos pela vinha, a adega e duas ruínas.

A piscina de água aquecida é a boa nova da Herdade da Malhadinha

Em 2006, a ruína com o nome Monte da Peceguina foi adquirida, assim como mais 250 hectares. Abrem-se as portas do restaurante e da casa de campo, para complementar as experiências no coração da região alentejana, demarcada pela sofisticação nos aposentos, em cada recanto, à mesa e ao ar livre, onde o novo jardim e um lounge, contíguos à piscina aquecida proporcionam momentos de puro relaxamento no meio do silêncio que paira sobre as vinhas, que salpicam a paisagem em redor, o olival e as pastagens, ao longe, em pleno campo.

Cozinha em estado gourmet

Os chefs Joachim Koerper e Bruno Antunes na cozinha do workshop

Já a noite toma conta do céu quando chega a hora de cozinhar com os chefs. Do outro lado da cozinha, Joachim Koerper e Bruno Antunes, o mestre e o seu discípulo, protagonizam uma cumplicidade inigualável num workshop de cozinha que se adivinha animado e e mistura-se com os aromas do repasto numa harmoniosa combinação com um Antão Vaz branco 2014. Em cima da bancada estão os ingredientes dispostos por ordem ao lado dos tachos e demais utensílios necessários para elaborar um prato, num convite direto aos presentes a “pôr as mãos na massa”.

Et voilá! O resultado que culminou na degustação

Enquanto o repasto é preparado por ambos, a conversa mistura-se com os aromas dos produtos cozinhados e faz jus ao velho ditado – “é como as cerejas” –, o mote para falar sobre a ida de Bruno Antunes, que andava perdido por Coimbra, para terras alentejanas, que lhe trocaram as voltas e o tornaram um cozinheiro exímio. No papel de mestre e de chef consultor criativo, Joachim Koerper parece sentir-se em casa, rodeado de natureza fértil, com o pomar de fruta diversa e a estufa, onde os sabores das quatro estações são colhidos ao sabor do tempo ou não estivéssemos nós a falar de produtos sazonais, uma das exigências para cumprir na cozinha do restaurante da Herdade da Malhadinha. O remate da experiência converte-se na degustação do prato. Vale a pena!

Ao jantar, propriamente dito, a mesa converte-se no palco de um desfile de pratos preparados a quatro – ou mais – mãos. Afinal, além dos chefs Joachim Koerper e Bruno Antunes, a cozinha do restaurante gourmet da Malhadinha é composta por uma pequena equipa que não tem mãos a medir numa noite harmonizada pelo cante e pelo vinho da herdade, em duas salas cheias em dia de semana.

A carta redigida pelos chefs, numa analogia ao provérbio português “duas cabeças pensam melhor do que uma”, denota a utilização dos ditos produtos hortícolas sazonais, pela frescura e pelo sabor genuíno de cada um, sempre casados – e bem – com os vinhos da Herdade da Malhadinha que já conta com duas mãos cheias.

Eis quatro dos monocastas da Peceguina do guião de vinhos da herdade

O início do repasto cabe ao monocasta Antão Vaz da Peceguina branco 2014, eleito para acompanhar os dois amuse bouche dos chefs, seguido de um Malhadinha branco 2013, feito a partir das castas Arinto, Viognier e Chardonnay, de um Pequeno João tinto 2013, um cem por cento Cabertnet, e um Malhadinha tinto 2012 feito a partir de um blend de Alicante Bouchet, Cabernet, Tinta Miúda e Touriga Nacional; e todos são desenhados por Nuno Gonzalez, um enólogo que andou pelo mundo até permanecer, de malas e bagagens, na Malhadinha. Por sua vez, o Malhadinha Late Harvest 2010 fecha o repasto na companhia do cante alentejano do Campaniça Trio que, composto por Pedro Mestre, José Diogo Bento e David Pereira.

Entre vozes e versos

David Pereira, Pedro Mestre e José Diogo Bento animam o repasto da noite no restaurante gourmet

Cantado com emoção à flor da pele, o cante é brindado pelos sons da campaniça, a viola de arame de influências árabes que, no baixo Alentejo do século XIX, acompanhava o cante alentejano, hoje mais respeitado por estas terras e no país, “provavelmente pelo facto de ser Património Imaterial da Humanidade”, diz-nos Pedro Mestre.

O instrumento com o mesmo nome batiza o Campaniça Trio composto por três jovens oriundos de “famílias em que o cante está bem presente, em que o cante é uma tradição”, conta Pedro Mestre. Há quem diga que começaram a cantar desde o berço e o certo é que carregam na voz “as coisas bonitas que o Alentejo tem”. Porém, e ao contrário do que se possa pensar, Pedro Mestre explica que o cante nem sempre foi sinónimo de sofrimento, pois “muitas vezes foi uma cante de convívio e de entretenimento”. Antes de o Estado Novo o transpor “para uma forma organizada”, o cante “era dançado”, logo “era cantado com mais ritmo”, e o mestre de grupo, que coordenava as vozes e a dança, era respeitado pela comunidade – “era um posto”, reforça Pedro Mestre que, desde 2006, coordena o projeto piloto cujo objetivo consiste em levar o cante às escolas de Castro Verde e Serpa, em parceria com David Pereira. E pela noite dentro, o cante alentejano murmura as memórias de outrora em versos que falam de amor, de flores, de jardins de violetas.

Quando o Alentejo rima com verão

O dia acorda bem cedo com um pantagruélico pequeno-almoço, onde os queijos, as compotas e os doces caseiros rimam com a fruta da época e os frutos secos, o pão e os bolos caseiros feitos pelas mãos de quem sabe e aos quais nem o palato resiste. Para degustar, com a serenidade que tece a paisagem junto à piscina, que compõe o cenário inicial da herdade alentejana.

A manhã serena pergunta ao tempo quanto tempo tem, ao que este responde que falta muito tempo para a despedida. Por isso, nada melhor que optar por uma experiência equestre. No picadeiro ou pelas vinhas. Uma boa oportunidade de conhecer o Ziljad, um cavalo com dez anos. Basta montar – do lado esquerdo –, manter as costas direitas e descontrair. À conversa e a acompanhar tão majestoso equídeo está a Cláudia, natural de Beja que, com a serenidade e a determinação precisas, vai dando conselhos sobre a postura a ter com um cavalo.

Pedro Sousa, com o Coeso, o cavalo que é campeão nacionalç

À frente da coudelaria da Malhadinha está, porém, o jovem cavaleiro Pedro Sousa, o campeão nacional que pode muito bem ser o cicerone de uma visita à propriedade. Quem sabe…

Aos mais corajosos e aventureiros, fica a sugestão de um passeio de moto 4 entre as vinhas, uma experiência a que nem os chefs conseguiram resistir!

De novo no vinhedo da herdade, e porque o relógio indica que a hora do almoço a se avizinha, está tudo pronto para um almoço campestre em redor da natureza em estado puro. Em cima da mesa estão as tábuas de enchidos e de queijos, as empadas de legumes, as sandes de porco preto, os hamburgueres, as pataniscas, as chamuças, as madalenas de laranja, as espetadas de fruta e o bolo de chocolate. Um verdadeiro banquete preparado a preceito pela equipa de cozinha. A acompanhar estão os legados que Baco deixou em terras da Herdade da Malhadinha Nova, no coração do Alentejo. Brindemos! •

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© Fotografia: João Pedro Rato (exceto a 2ª e a 3ª, cortesia de © Rita Soares)

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