De frente para a montra decorada com velharias e luminosa, ao estilo de Brighton, no Reino Unido, contemplamos os tons serenos de um novo restaurante que convida a entrar para confortar o estômago e a alma com uma cozinha aprimorada e vinhos escolhidos a dedo.
Os detalhes primam pelo simples bem casado com os materiais da região
“Surgiu a oportunidade deste espaço que pertence à Santa Casa da Misericórdia” e, desde então até ao presente, eis que estão abertas as portas do restaurante português que é bar de tapas e de vinhos, o Alecrim, no Rossio do Marquês de Pombal, em Estremoz.
As palavras são de Michele Marques, a chef que está à frente da cozinha deste espaço que respira calma pelos tons suaves que elegeu em conjunto com Rui Vieira, a outra face do Alecrim e o marido, e o arquiteto catalão Jordi Fornells, que o redesenhou – o interior fopi respeitado ao máximo e a maior mudança aconteceu na área dass casas de banho e de cozinha. No chão, o amarelo torrado, o preto e o marfim cumpliciam a geometria singular do mosaico hidráulico proveniente da Fábrica de Mosaicos de Estremoz, de Lúcio Zagalo, harmonizado com a cor de betão que o complementam e com a madeira clara das peças de mobiliário, também da autoria do arquiteto, que elegeu o mármore desta cidade do Alentejo para os tampos da mesa. Detalhes demarcados por outros que conquistam o olhar, como o cofre, que estava embutido numa das paredes deste rés do chão do edifício, e se encontra pintado de azul turquesa, no qual são guardados o talher e os sacos de papel – com a letra A, de Alecrim, identidade assinada por um familiar, Juliano Afonso, o mesmo autor do layout das ementas – para o pão alentejano fatiado que, depois, vai para as mesas ornamentadas por uma caixa de madeira com o recipiente do talher, o azeite, também de Estremoz, e um outro com flores campestres. As mesmas flores que ladeiam o armário com estrutura em aço e rede, preto numa das salas reservadas aos repastos mais longos.
Eis a resenha de um espaço mui convidativo e mui trendy, envolvido numa atmosfera que apetece explorar logo pela manhã, ao pequeno-almoço, a primeira refeição que consta na ementa do Alecrim, que Michele Marques define como sendo o “segundo amor”, pois as ervas aromáticas são muito apreciadas na sua cozinha, além de que é uma palavra que denota “estética”, pois começa pela letra “A”. “A erva aromática é a maior simplicidade que existe”, conclui a chef carioca de 31 anos, que permanece em Estremoz há cerca de dez anos.
Creme de abóbora com chouriço – e requeijão na versão original
Ao almoço e ao jantar, a variedade percorre o que de tão bom há no Alentejo, a começar pela sopa do dia tão apetecível ao olhos – e para o estômago – dos pequenos comensais.
O borrego à mesa com o arroz de nabiças e farinheira
Depois há o bacalhau dourado, o suculento borrego assado à moda antiga, as deleitosas plumas de porco preto e a vazia e o lombo de carne maturada – sim, há um grill muito especial na cozinha que deixa um sabor memorável na carne.
Plumas de porco preto e as “suas” migas de espargos com ovos
Iguarias que saem sempre bem das mãos da chef e da sua equipa – Rui Sanches, que esteve na Taberna 1300, na Lx Factory, em Lisboa; Pedro Cruz, com o Sublime Comporta, na Comporta, no currículo; Helena Almeida, que da pastelaria da Mercearia Gadanha passa para a cozinha, na sua totalidade, do Alecrim; João Andrade e João Parreira.
As batatas temperadas são uma boa companhia para a vazia maturada
A acompanhar tão faustosos repastos, a escolha é de comer e chorar por mais, como as batatas fritas temperadas, o inesquecível arroz de nabiças com farinheira e as migas de espargos com ovos como manda a cartilha, entre outras boas razões para pernoitar em Estremoz e deliciar-se com a cozinha do Alecrim, que tem uma carta de sobremesas…
Um móvel original que é uma garrafeira
De Baco, a eleição reflete rigor, com principal destaque para os vinhos de Estremoz e do Alentejo, ou não estivesse o Alecrim numa região vinícola que muito dá que falar, os quais estão dispostos no móvel que percorre duas paredes contíguas do restaurante que é também um bar de tapas. Aos que preferem experimentar mais do que um, há vinho a copo.
A conserva de bacalhau da chef Michele Marques para degustar com estaladiças fatias de pão alentejano
Para a tarde ou para quem prefere a partilha à hora do repasto, recomendam-se os petiscos que compõem uma mão cheia de opções, entre as quais deixamos aqui os torresmos de rissol comme il faut, e as conservas de peixe – desta vez o bacalhau é rei, uma vez que o objetivo é diversificar o ingrediente, e fez-se acompanhar pelo azeite, pelo alho e pela folha de louro – servido com pão alentejano torrado e ligeiramente regado com azeite. Há ainda o bitoque e muitas outros acepipes para compor o pão que é feito na cozinha – à exceção do alentejano.
Agora olhemos para a montra de bolos que recheia a vitrine embutida no balcão lateral à entrada. Apreciemos as obras de arte que tanta água fazem crescer na boca e que são do melhor para acompanhar o chá da tarde, cuja variedade é quase infinita, e dar mais alegria logo pela manhã, ao pequeno-almoço ou na companhia de um café, ou de um chocolate quente com natas. No interior ou na esplanada em frente à montra do Alecrim inspirada nas montras dos cafés de Brighton, em East Sussex, no Reino Unido, na qual o candeeiro é da autoria da própria chef, o que espelha o prolongamento da criatividade de Michele Marques que frequentou o curso de Gestão e Produção de Cozinha, na Escola de Hotelaria e Turismo de Portalegre (2010 e 2012) e tem a cafetaria Mensagem e o restaurante Feitoria (1 estrela Michelin), do Altis Belém Hotel & Spa, em Lisboa, e o Il 4 Amici, em Florença, Itália, no currículo, bem como a quase vizinha Mercearia Gadanha, no nº 84 A do largo do Dragões de Olivença, em Estremoz, que permanece nas suas mãos e de Mário Vieira, irmão de Rui Vieira, e que, há cerca de um ano, tem uma nova esplanada climatizada e uma carta que combina bem com o Alentejo gourmet à mesa.
Os torresmos de rissol de comer e chorar por mais
À parte do dia a dia, mas com o alinhamento na ementa-mãe, deixamos ainda – e para abrir o apetite – o menu da Passagem de Ano no Alecrim, para a noite de 31 de dezembro. À chegada o pão, o azeite e as azeitonas dão as boas vindas, seguidos do desfile de entradas protagonizado por salada de polvo, torresmos de rissol, entremeada de coentrada, queijos e enchidos, e da sopa – creme de cogumelos, para aquecer a alma no último dia de 2015. Do mar é eleito o bacalhau dourado e, da terra, foi escolhido o lombo de carne maturada e seus acompanhamentos. Para rematar a noite, os comensais irão provar um buffet de sobremesas que, de certo, irão fazer as delícias de miúdos e graúdos. Na lista de bebidas há vinho branco e tinto, há água e sumos, e espumante, para celebrar o nascer de um próspero 2016. O valor do repasto é de 65 euros por pessoa (as bebidas brancas/espirituosas estão excluídas), sendo a reserva a fazer através de alecrimestremoz@gmail.com .
Até lá, aproveite o fim de semana para apreciar, com a calma merecida, as iguarias do Alecrim, de portas abertas todos os dias, desde as 8 às 22 horas, nos n.ºs 31 e 32 do Rossio do Marquês de Pombal, em Estremoz, com a previsão de as fechar às quartas a partir de janeiro do ano que está à porta.
A propósito, estaria a apetecer-lhe uns petiscos a esta hora? E que tal acompanhados por um copo de vinho de truz?
Bom apetite! •
+ Alecrim
© Fotografia: João Pedro Rato
Legenda da foto de entrada: A chefe Michele Marques e Rui Vieira, os mentores do Alecrim
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